quarta-feira, 25 de junho de 2008

A novela, as famílias e as escolas

O fato da novela de maior audiência, do canal de maior audiência da nossa televisão, ter retratado a vida de uma criança com deficiência gerou intensos debates sobre as cenas que ocorreram na mesma. Não há dúvidas que a forma como o tema se conduziu trouxe mais benefícios do que problemas para as pessoas com Síndrome de Down, ainda que tenha gerado uma forma de "adoração" típica de modismos.

Isso não significa que não devemos ter uma leitura crítica a respeito do assunto.

Não podemos esquecer que se trata de uma novela, com todos os componentes próprios desse tipo de dramaturgia : é superficial, afeita aos escândalos e à pieguice e, definitivamente, focada nas classes mais favorecidas. É uma ingenuidade achar que qualquer assunto vá ser tratado da forma que gostaríamos que fosse (e digo, gostaríamos, porque escrevo na condição de pai de um menino com Síndrome de Down). Basta ver que um dos pontos mais importantes na vida das nossas crianças é a estimulação precoce, que foi solenemente ignorada na trama.

No entanto, um efeito colateral me chama mais a atenção no momento, pois sua recorrência nos grupos de discussão parece estar crescendo, que é a relação família e escola. Num dos capítulos, a mãe adotiva da menina identificou que ela estava sendo discriminada (de fato) na escola e partiu para a briga, inclusive com ameaças de utilização de meios legais. Claro que a escola acabou se mobilizando e, como sempre, a corda ameaçou estourar do lado mais fraco (na estrutura escolar) que é a professora.

A partir desse capítulo, pudemos acompanhar o relato de muitos pais e mães que passaram por situações semelhantes ou muito piores. Alguns nem sabiam que podiam recorrer ao Ministério Público em defesa do direto dos seus filhos (na verdade podem até dar queixa na delegacia, pois isso é crime) mas, sempre existe um mas, isso também tem o seu lado perverso, alguns pais estão achando que qualquer falta de atenção com os seus filhos "especiais" é motivo para ameaçar escolas e professores.

Como se a família fosse realmente um ambiente inclusivo....

E não é. Muitos pais de crianças com deficiência discriminam os próprios filhos ao tratá-los de forma absurdamente diferenciada porque o "coitadinho" tem isso ou aquilo....ao permitir que eles sejam os donos do mundo sem noção de limites, a não exigir que eles se desenvolvam porque é mais cômodo mantê-los como bebês (vide a própria novela, onde uma menina de 6 anos fazia as refeições num cadeirão).

Acontece que é próprio da natureza humana jogar a culpa nos outros e, nesse caso, o bode expiatório vai ser a escola. E o bode expiatório da escola é o professor. Nossas famílias, cada vez mais, terceirizam a criação dos filhos, esperam que a escola resolva o "problema" de tirar fraldas, que imponha limites que as crianças não conhecem em casa e até que aprendam a se alimentar de forma saudável (mesmo quando chegam em casa e os pais só comem porcarias).

Uma criança com deficiência não é boba. Ela observa e imita o comportamento dos pais da mesma forma que qualquer outra criança. Esses vão lhe servir de referência durante um bom tempo. Se ela percebe que é tratada de forma condescendente vai se aproveitar da situação, em casa e na escola.

Não vou defender indiscriminadamente as escolas. O padrão da grande maioria destas ainda é de discriminação e de exclusão de todos os seres que podem dar trabalho: pessoas com deficiência, com problemas de comportamento, pobres, em conflito com a lei, abusadas e surradas... a lista de "problemáticos" é imensa, aliás, esses seres humanos, são muito complicados mesmo. O grande objetivo de muitos diretores e professores é escapar dessa "encrenca" chamada inclusão.

Acho que a gente precisa também olhar para dentro das famílias e ver o que acontece antes de jogar a culpa toda na escola....

Seja em casa, seja na escola, nossas crianças não devem ser tratadas como "café com leite"...
Descrição da imagem : foto sobreposta de Regina Duarte e Joana Mocarzel, como personagens da novela Páginas da Vida da TV Globo.

4 comentários:

  1. Essa novela ainda não acabou... é pai passando a vez para escola, é escola passando a vez para os pais, é preciso definir quem faz o quê, caso contrário, ninguém faz nada e ainda se acha no direito de exigir alguma coisa...

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  2. Ótimo, Fábio. Principalmente a parte em que levanta a educação dada pela família. Essa coisa de não dar limites é o mal dos nossos tempos. Criam verdadeiros monstrinhos... e adultos insuportáveis. Socorro!

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  3. Taí... Assino embaixo de cada frase, do princípio ao fim!
    Beijos.

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  4. É...tenho que concordar....
    e acrescentar que esta é a
    postura de muitas famílias
    que tem filhos com e sem
    deficiência também.
    E os professores muitas vezes ficam
    literalmente acuados...até por que
    é comum que sejam despedidos por conta das queixas de pais e mães....
    Eu já presenciei e acho o fim!!!
    beijos

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"Censura é o uso pelo estado, grupo ou indivíduo de poder, no sentido de controlar e impedir a liberdade de expressão. A censura criminaliza certas ações de comunicação, ou até a tentativa de exercer essa comunicação. No sentido moderno, a censura consiste em qualquer tentativa de suprimir informação, opiniões e até formas de expressão, como certas facetas da arte"

Como bem diz a Cristiana Soares no seu ótimo "Como lidar com o anonimato nos comentários" , o processo de aceitar posts anônimos nem sempre é fácil. Eu optei por permitir que qualquer um escreva seus comentários sem censura.

Mas fica um "disclaimer", ao estilo do mencionado no artigo :
Eu me reservo o direito de excluir comentários e textos que julgar ofensivos, difamatórios, caluniosos, preconceituosos, que sejam de alguma forma prejudiciais a terceiros ou textos de caráter promocional. Baixo calão fora de contexto idem ibidem.