terça-feira, 28 de julho de 2009

O discurso do pavor

As escolas públicas, em todos os âmbitos (municipais, estaduais e federais), estão cheias de problemas.

Classes superlotadas. Professores mal remunerados. Questões de segurança pública. Instabilidade de gestão que muda a cada eleição.

Por isso, de acordo com os inimigos da inclusão, é melhor deixar as crianças com deficiência na rede assistencialista particular.

Desde que a rede assistencialista particular continue a se manter com... verbas públicas.

Mais que isso, muitos dos profissionais que trabalham nessas instituições privadas, são funcionários públicos emprestados. Por sinal , eles odeiam quando perdem essa boquinha e tem de voltar a trabalhar em escolas de periferia, Conviver com a pobreza é muito desagradável.

Há não muito tempo escrevi que menos de 300 dessas instituições recebiam do governo do estado 33 vezes mais dinheiro que as 5 mil escolas da rede estadual, para o atendimento de alunos com deficiência.

Quem recebe tanto dinheiro precisa de argumentos para não perdê-lo. E o principal deles é que a escola pública é uma instituição falida. Para eles, quanto pior estiver a educação pública, melhor.

O discurso dessa pessoas me lembra muito um discurso feito pela atriz Regina Duarte nas eleições de 2002, tentando convencer as pessoas pelo pavor.

O pavor que se quer infundir aos pais é o da escola pública.

Mas a escola pública resiste bravamente. Especialmente onde ela compartilha a gestão da escola com a comunidade que atende.

É verdade que muitos professores da escola pública estão desmotivados. Só levam pancada de todos os lados. Da mídia, dos privatistas e, pasmem, até dos governantes que mesmo estando no poder há décadas alegam que o problema da educação não é dos seus governos.

Depois de tanto tempo privatizando a "educação" de pessoas com deficiência apenas para mantê-las eternamente deficientes chegou a hora de investir em outra lógica.

Claro que não vai funcionar da noite para o dia. Claro que surgirão dificuldades, erros, rejeição e problemas. Mas também é claro que só a rede pública é que vai ter a capacidade de atender todas as pessoas com deficiência (e não apenas alguns privilegiados que tem acesso à rede assistencialista privada).

Entre o que já sabemos que não funciona e a possibilidade daquilo que pode funcionar, eu prefiro a esperança do novo.

Ah, antes que eu esqueça. As escolas particulares também superlotam classes em nome do lucro. Seus professores vivem sob o risco de perderem o emprego. Estão cheias de problemas de segurança (drogas, bullying) e também não tem nenhuma estabilidade na gestão.

Descrição da imagem : cena de um homem apavorado por uma assombração

terça-feira, 21 de julho de 2009

Portadores sem cabeça

Dizem os dicionários que portador é o que ou aquele que conduz ou leva alguma coisa. O verbo portar é ainda mais claro, usando como sinônimos além do levar, o transportar.

Às coisas que são mais fáceis ou leves de transportar damos o nome de portáteis.

Podemos portar objetos físicos, mas também os não físicos. Eu posso ser portador de boas ou más notícias (se bem que, nesse caso, a origem da expressão esteja ligada ao fato de que, antigamente, as notícias eram levadas fisicamente em papéis).

Uma das características fundamentais da portabilidade é o fato que o objeto transportado pode ser deixado em algum lugar, ele não está incrustrado no seu portador.

Eu porto minha carteira de identidade, mas posso esquecê-la em casa.

Muitas pessoas podem se utilizar de portadores para enviar encomendas.

Os cegos portam suas bengalas mas não conheço nenhum que durma com elas.

Agora, ninguém porta algo que seja parte da sua própria pessoa, ou você conhece alguém que deixe a sua cabeça na sala e vá fazer outra coisa? (nem aqueles que dizemos que só não perdem a cabeça porque está presa no pescoço)

Uma pessoa com deficiência pode portar vários objetos. Mas não a sua deficiência. Essa é inerente à sua pessoa. é indissociável dela.

O que não significa que não exista um monte de gente que ainda use essa expressão. Devem ser pessoas que carregam suas cabeças debaixo do braço e a largam perdida por aí.

Na próxima vez que você se referir a uma pessoa com deficiência como portador aproveite e deixe sua cabeça no criado mudo para ver se ela reflete mais cuidadosamente sobre o assunto.

Descrição da imagem : figura de uma pessoa carregando a cabeça debaixo do braço

sábado, 18 de julho de 2009

Modelos de classificação de deficiência

SÍNTESE DO ESTUDO
Grupo de Trabalho Interministerial para "avaliar o modelo de classificação e valoração das deficiências utilizado no Brasil e definir a elaboração e adoção de um modelo único para todo o país".

1. Introdução:

O Brasil, de acordo com o censo IBGE 2000, tem 24,5 milhões de pessoas com algum tipo de limitação funcional, o que corresponde a 14,5% da população, dos quais 70% vivem abaixo da linha da pobreza. Há um arcabouço legal abrangente, de promoção e proteção dos direitos das pessoas com deficiência, que tem origem na Constituição Federal. A "Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência" e as políticas setoriais se efetivam, por intermédio de ações afirmativas e benefícios de equiparação, na tentativa de atenuar os problemas sociais existentes, em razão de todo um processo histórico, e promover a inclusão.

Atualmente, o país utiliza vários instrumentos fragmentados para categorização das deficiências, com base nas definições expressas no Decreto 3298/1999 e alterações efetuadas pelo Decreto 5296/2004. Como estão centradas em doenças e alterações na estrutura corporal, refletem um modelo puramente médico, passível de codificação pela Classificação Internacional de Doenças - CID 10, não contemplando a funcionalidade da pessoa e tampouco um sistema de valoração.
Reconhecer quem são as pessoas com deficiência e as que necessitam das diversas políticas de proteção social é uma das obrigações do Estado para promover a equiparação de oportunidades e garantir os direitos humanos e as liberdades fundamentais.

Por essas razões, o Presidente da República instituiu, através do Decreto de 26 de setembro de 2007, o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) com o objetivo de "avaliar o modelo de classificação e valoração das deficiências utilizado no Brasil e definir a elaboração e adoção de um modelo único para todo o país". O GTI realizou levantamento dos modelos e instrumentos utilizados em outros países, com vistas a subsidiar uma proposição para o Brasil, de forma coerente com a nova concepção definida pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), ratificada pelo Decreto Legislativo n° 186/2008, com equivalência de emenda constitucional. Foram realizadas nove reuniões ordinárias para discussão do tema, entre junho e e dezembro de 2008 e uma reunião extraordinária em maio de 2009, além de subgrupos de discussão, comunicações eletrônicas entre os componentes de GTI, e foram ouvidos os especialistas indicados pela Associação Brasileira dos Deficientes com Visão Monocular e, representando as pessoas com fissura labiopalatina, a equipe do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP (Centrinho Bauru).

2. Conclusões

Quanto à Conceituação de deficiência

Considerando que:

1. A definição da condição de pessoa com deficiência está vinculada a um processo histórico apoiado em princípios filosóficos e teóricos.
2. Em seu preâmbulo, a Convenção reconhece que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. 3. O Artigo 1° da Convenção da ONU expressa que "pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em bases iguais com as demais pessoas". 4. Tais conceitos fundamentam as conclusões técnicas do GTI, que compreende a deficiência como um fenômeno localizado na interface biológica, psíquica, social e política do sujeito.

Conclusão

O grupo propõe a implementação da concepção vigente na Convenção1 para a construção do modelo conceitual de deficiência a ser adotado e dos instrumentos de classificação, valoração e certificação.

Quanto a Diretrizes para o modelo brasileiro

Considerando que:

1. Coexistem, nas políticas públicas brasileiras, diversos critérios de definição, métodos e instrumentos de caracterização da deficiência, que partem de concepções distintas oriundas de diferentes períodos históricos.
2. A maioria desses critérios, métodos e instrumentos são incompatíveis entre si e com a definição expressa na Convenção. 3. Apesar de existirem métodos e instrumentos em uso em outros países, alguns já em conformidade com a definição expressa na Convenção, esses não se aplicam integralmente à realidade brasileira, dada a interdependência da caracterização da deficiência com a realidade sócio-cultural. 4. A diversidade de métodos gera distorções na aplicação de políticas, além da fragmentação de serviços e, consequentemente, um desgaste para o cidadão brasileiro com deficiência, que precisa buscar diferentes órgãos públicos e documentos para acessar seus direitos.

Conclusões:

Faz-se necessária a criação de um modelo único de classificação e valoração do qual derivem instrumentos adequados às políticas públicas voltadas às necessidades dos cidadãos brasileiros com deficiência, coerente com as seguintes diretrizes: 1. A caracterização, classificação e valoração das deficiências não devem se basear unicamente em diagnósticos clínicos de doenças, afecções e lesões traumáticas.

2. Também não devem se basear unicamente em diagnósticos de seqüelas (consequências orgânicas) das doenças, afecções e lesões traumáticas. Ex: monoparesia, paraplegia, afasia, baixa visão.

3. A caracterização, classificação e valoração das deficiências devem considerar, simultaneamente e de forma equânime, os fatores pessoais (gênero, nível de instrução, idade, modo de enfrentamento/ resiliência), fatores ambientais (acessibilidade, apoios, atitudes), fatores sociais, fatores econômicos que favoreçam ou dificultem o desempenho em atividades e participação (funcionalidade), além das estruturas e funções do corpo.

4. O modelo ora proposto deve, portanto, coadunar-se com o modelo da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF (OMS, 2001), salientando tratar-se de uma classificação e não um instrumento de avaliação, uma vez que não estabelece os limites de quem é ou não pessoa com deficiência.

5. A CIF define incapacidade como uma condição mais abrangente que deficiência, consistindo em um termo genérico que inclui deficiências, limitações de atividades e restrições à participação. O termo incapacidade indica principalmente os aspectos negativos da interação entre um indivíduo (com uma determinada condição de saúde) e seus fatores contextuais (fatores ambientais ou pessoais), envolvendo uma relação dinâmica. Um indivíduo pode apresentar uma deficiência (no nível do corpo) e não necessariamente viver qualquer tipo de incapacidade. De modo oposto, uma pessoa pode viver a incapacidade sem ter nenhuma deficiência, apenas em razão de estigma ou preconceito (barreira de atitude).

6. A valoração deve considerar a natureza, o tipo e a freqüência de apoios ou suportes2 que a pessoa com deficiência necessita, em consonância com a teoria dos apoios (AAMR, 2006).

7. Independentemente da doença de base ou da seqüela orgânica (visão monocular, fissura labiopalatina, albinismo, doenças crônicas) qualquer pessoa poderá ser avaliada pelo modelo proposto e ter sua deficiência valorada conforme alterações importantes em sua funcionalidade, considerando a influência de fatores sociais, econômicos, ambientais, dentre outros. Dessa forma, nenhuma doença será excluída, mas a valoração da deficiência ou incapacidade dependerá da avaliação global do indivíduo, com base na CIF e na teoria dos apoios.

8. Como o conceito de deficiência é dinâmico, a normatização, que define o modelo de classificação e os instrumentos, deverá permitir mudanças que acompanhem a evolução do próprio conceito, portanto, apresentando-se na forma de Decreto ou similar.

Quanto a Diretrizes para implantação do modelo

Considerando que:

1. Cada órgão do Poder Público, responsável pela implementação das políticas setoriais e ações afirmativas, tem respondido às demandas e necessidades das pessoas com deficiência de forma não articulada, gerando diferentes mecanismos, práticas e serviços de verificação da deficiência.
2. O Poder Legislativo, sensível às demandas particulares de grupos populacionais específicos, pela ausência de um modelo único norteador de sua prática, tende a propor a adição de categorias baseadas exclusivamente em doenças e seqüelas, com ampliação da população atendida, sem beneficiar necessariamente o cidadão com deficiência mais vulnerável socialmente e mais necessitado, ou seja, sem garantia de equidade.
3. O uso de recursos financeiros aportados para benefícios e outras ações especiais poderia ser otimizado se as avaliações não fossem tão fragmentadas e se houvesse maior coerência entre os instrumentos. 4. Até o momento não existe conhecimento suficiente sobre o impacto, financeiro ou social, da aplicação de recursos e seus efeitos na qualidade de vida das pessoas contempladas e não contempladas pelos benefícios e ações afirmativas.

Conclusões:
1. A avaliação e valoração da deficiência deverão gerar uma certificação única que dará acesso mais equitativo às diversas ações afirmativas ou benefícios.
2. Faz-se necessária a criação de uma rede de avaliação, valoração e certificação de abrangência nacional.
3. A certificação deverá ser emitida com base em avaliação realizada por equipe multiprofissional, com atuação interdisciplinar, especificando os benefícios e/ou ações afirmativas para os quais a pessoa com deficiência é elegível.
4. As equipes deverão ser capacitadas para aquisição de habilidades e conhecimentos específicos para implementação do modelo e aplicação dos instrumentos de avaliação.
5. Será necessária a realização de um estudo de curto a médio prazo, contemplando: detalhamento do modelo, elaboração de instrumentos e rotinas, bem como a validação dos instrumentos, por instituição de pesquisa que apresente condições técnicas para sua execução.
6. O monitoramento e avaliação de resultados e impacto, social e econômico, da implantação do modelo deverão ser realizados por instituição de pesquisa que atenda às condições técnicas para sua execução.

3. Recomendações:

RECOMENDAÇÕES A CURTO PRAZO:

Quanto ao detalhamento do modelo
Dado que o modelo proposto deve:
1. responder à complexidade da questão, articulando os fatores contextuais (pessoais e ambientais), sociais, econômicos e orgânicos que favoreçam ou dificultem o desempenho de atividades e participação (funcionalidade) das pessoas com deficiência,
2. não atribuir a priori pesos diferenciados a estes fatores, tratando-os de forma equânime no processo de particularização do sujeito
3. ser abrangente de forma a poder ajustar-se às diversas naturezas das políticas, programas e ações de combate à discriminação e marginalização social e da implementação de medidas afirmativas por meio da concessão de benefícios e/ou serviços
4. permitir a construção de instrumentos de avaliação diferenciados, segundo critérios de elegibilidade da população alvo, a depender da finalidade de cada benefício. Isto significa que haverá pessoas com deficiência que se enquadrarão para alguns benefícios e não para outros.
5. utilizar experiências anteriores, como a do Benefício de Prestação Continuada- BPC, para a construção dos instrumentos.

Faz-se necessário um detalhamento do mesmo a partir de estudos de aplicabilidade deste modelo na diversidade das situações reais.

Quanto à elaboração de Instrumentos, rotinas e práticas de classificação, valoração e certificação

Dado que:

1. O modelo deve traduzir-se em instrumentos, rotinas e práticas que sejam fiéis à concepção de deficiência contida na Convenção, em termos filosóficos, teóricos e conceituais.
2. O modelo proposto deve traduzir-se em instrumentos, rotinas e práticas específicos e adequados a cada finalidade dos benefícios e medidas afirmativas.
3. Esses instrumentos, rotinas e práticas devem ser viáveis e atender à diversidade das realidades regionais brasileiras, considerando, por exemplo, a infraestrutura da rede de recursos.
4. Esses instrumentos, rotinas e práticas devem responder à natureza dos benefícios e ações afirmativas existentes e serem capazes de incorporar a evolução das políticas. Faz-se necessária a criação de instrumentos, rotinas e práticas nacionais. Quanto à validação dos instrumentos Por tratar-se de instrumentos, rotinas e práticas inovadoras sem acúmulo histórico de experiências, faz-se necessária a realização de um processo de validação dos mesmos, incluindo apresentação para consulta pública.

Quanto à implementação da Rede de Classificação, Valoração e Certificação Na ausência de uma rede que viabilize a implementação desta política, faz-se necessária a sinergia de esforços das áreas de Saúde, Assistência Social e Previdência, otimizando os recursos existentes para a implementação de uma rede coordenada, de abrangência nacional, descentralizada e regionalizada de classificação, valoração e certificação das deficiências, mediante os seguintes passos:
1. detalhamento das diretrizes para implementação da rede pelos ministérios envolvidos, em consonância com as diretrizes já explicitadas na parte inicial deste documento, respeitando as características citadas, mantendo serviços de referência com base populacional e territorial, equipes multiprofissionais com atuação interdisciplinar, utilizando preferencialmente as estruturas existentes com otimização e/ou ampliação das mesmas quando necessário.
2. levantamento dos recursos humanos e materiais existentes e das necessidades de ampliação. 3. elaboração de conteúdo, método e infraestrutura para o desenvolvimento de um programa de capacitação das equipes que atuarão na rede.
4. definição das fases subseqüentes com metas de médio prazo.

Quanto às Repercussões para os atos normativos de gestão pública

-Estudo das Leis e Decretos existentes, verificando a coerência com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU e com o modelo proposto. -Levantamento de necessidades de outros Atos Normativos que garantam a adoção e implantação do modelo.

RECOMENDAÇÕES A MÉDIO PRAZO

Quanto à implementação da Rede de Classificação, Valoração e Certificação Continuidade da implementação das metas de médio prazo definidas na fase anterior, dado que esta tarefa ultrapassará necessariamente o curto prazo pela sua complexidade e dimensão.

Quanto ao monitoramento da Rede de Classificação, Valoração e Certificação Dado que a Rede proposta é uma experiência nova e inovadora, na medida em que envolve uma gestão interministerial de serviço, faz-se mister o desenvolvimento de uma prática de monitoramento de sua operação e dos resultados alcançados.

Quanto à avaliação de Resultados e de Impacto Social e Econômico da população alvo

A avaliação de resultados e de impacto social e econômico é fundamental para toda e qualquer política pública, ainda mais se esta se reveste do objetivo de equiparar oportunidades e reparar situações históricas de discriminação e marginalização social, como é o caso da concessão dos benefícios da assistência e previdência social e das medidas afirmativas, incluindo as ações para a garantia de direitos das pessoas com deficiência.

Quanto às repercussões estimadas para o orçamento público e análise da relação custo-benefício

Considerando que a adoção de um modelo único para a classificação e valoração da deficiência, com necessária construção de novos instrumentos, irá gerar conseqüências para o orçamento público, faz-se necessário estimar essa alteração4 de custos. A partir do resultado dos estudos relativos ao impacto social e econômico e seus custos, será possível analisar a relação custo-benefício dos benefícios da assistência e previdência social e das medidas afirmativas adotadas pelo Brasil.

Quanto às repercussões para os atos normativos de gestão pública

A partir do levantamento inicial das necessidades de outros Atos Normativos, tornar-se-á obrigatória a proposição de novos atos legais, no sentido de garantir a adoção e implantação do modelo proposto.

4. Conclusões propositivas

1. Contratação, com recursos públicos, de Consultoria Técnica especializada de Instituição Pública de Pesquisa e ou Ensino Superior para realização de estudos, que subsidiem e viabilizem a implantação do modelo de classificação, valoração e certificação da deficiência, atendendo às necessidades decorrentes das atividades previstas a curto e médio prazo, já referidas. Tais atividades deverão abranger desde o detalhamento do modelo e a elaboração de instrumentais, até a análise dos resultados e do impacto alcançados pela adoção das referidas medidas, culminando na avaliação de custo-benefício e equidade das mesmas.
2. Criação de um Comitê de Especialistas que seja responsável pela implantação da Rede de Classificação, Valoração e Certificação, a partir dos produtos do GTI e da Consultoria especializada. Este comitê deverá ter um caráter mais permanente e ser composto por profissionais indicados pelos ministérios, não necessariamente pertencentes ao seu corpo funcional de direção.
3. Constituição de um grupo de trabalho responsável pelo estudo das alterações que se farão necessárias a curto e médio prazo nos Atos Normativos da Gestão Pública. Este grupo de trabalho deverá ter duração definida e ser constituído por especialistas não necessariamente pertencentes ao corpo funcional de direção das áreas técnicas dos ministérios envolvidos.

5. Produtos Esperados:

1. Documento técnico contendo o detalhamento justificado do modelo brasileiro proposto.
2. Instrumentos de classificação, valoração e certificação da deficiência, segundo os diferentes benefícios e medidas afirmativas existentes no arcabouço legal brasileiro.
3. Recomendações para a Implementação da Rede de Classificação, Valoração e Certificação, incluindo os aspectos referentes à gestão, funcionamento, recursos humanos, organograma e fluxograma, bem como metas, método, custos e instâncias envolvidas em sua operacionalização. 4. Documento técnico contendo sugestão de indicadores e de instrumentos para acompanhamento/monitoramento da aplicação do modelo e do instrumental, bem como do funcionamento da Rede de classificação, valoração e certificação.
5. Documento técnico contendo sugestão de indicadores e de instrumentos para avaliação de resultados e de impacto social e econômico da adoção do modelo proposto.
6. Documento técnico contendo estimativa de custos e impacto no orçamento público a partir da adoção do modelo brasileiro.
7. Documento técnico contendo análise da relação custo-benefício da concessão de benefícios da assistência e da previdência social, bem como das medidas afirmativas existentes no arcabouço legal brasileiro.

Síntese enviada por Flávia Maria Vital - CVI Araci Nallin São Paulo

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O fim das deficiências?

As notícias médicas recentes estão abrindo um mundo de possibilidades a respeito do futuro das deficiências.

Crianças com paralisia cerebral estão sendo operadas para solucionar problemas de espasticidade. Geneticistas conseguem mapear os genes que influenciam do déficit que pessoas com Síndrome de Down. Outro começam a identificar genes comuns das pessoas com autismo. Próteses inteligentes podem solucionar questões como a surdez e a cegueira.

Eu tenho sérias resistências às chamadas curas milagrosas que nunca foram testadas, gente que aparece na televisão dizendo que o filho ficou mais inteligente tomando suco pancreático de cavalos marinhos, ou promessas vazias.

Também sou radicalmente contra os métodos eugênicos de controle de natalidade baseados em presença ou não de deficiência no feto. Quem gostava disso eram os médicos do III Reich, acreditando que podiam gerar uma raça pura (além de pessoas com deficiência, também pretendiam eliminar negros, judeus, homossexuais...)

Mas vamos supor que o desenvolvimento da ciência permita que os efeitos deficitários sejam resolvidos de forma séria. Teríamos um mundo sem deficiências.

Qual seriam as consequências disso?

A primeira, com certeza, seria uma qualidade de vida melhor para as próprias pessoas com deficiência que lutam cotidianamente contra o preconceito e contras as barreiras que a sociedade interpõe entre elas e o mundo.

Talvez, com isso, perderíamos muito da diversidade humana e a riqueza que ela gera. Certamente a consciência a respeito das diferenças seria quase que varrida da face da Terra e voltaríamos, até nós do movimento em defesa das pessoas com deficiência, a supor que somos seres homogêneos.

Mas poderia acontecer o contrário. Uma vez não tendo mais as deficiências para carregar as culpas do mundo, as pessoas passariam a criar novos fatores de discriminação, afinal o ser humano tem uma necessidade doentia de querer ser melhor do que outros seres, que ele considera menos humanos.

Aí a medicina passaria a buscar a solução para joelhos feios, cabelos arrepiados ou dificuldades com a física quântica.

Afinal o nosso modelo de relação com a diferença é essencialmente um modelo médico. Achamos que todo aquele que não se enquadra nos padrões que a sociedade impõe precisam de cura. Seja do ponto de vista físico, seja psicológico/psiquiátrico, seja moral.

Não sou um ludita a ponto de desprezar os avanços da área médica mas, enquanto a nossa visão estiver obstruída pela crença de que essa é a única saída, não vamos chegar nem perto de uma sociedade que valorize a diversidade.

E sem respeito à diversidade, não existe inclusão.

Descrição de imagem: panfleto racista alemão do período da II Guerra mostrando pessoas de outras raças com o título escrito em alemão que diz: Raças populares servem para serem fregueses.

sábado, 11 de julho de 2009

Xiita convidada - Preconceituosa, eu??

Patricia Almeida*

Pesquisa da Fipe sobre preconceito na escola estarrece mãe: “Eu sabia que o número era assustador, mas não estava preparada para a unanimidade”.

Quando minha filha, Amanda, nasceu, há quase cinco anos, eu vivi um dos melhores momentos da minha vida. Depois de duas gestações perdidas, a filhinha que tanto planejamos e esperamos se materializava ali – linda e fofa como imaginávamos.

O bebê rosado recebeu nota alta dos médicos - Apgar 9 e 10! – e foi direto para o quarto, sem precisar ficar na encubadeira. Instalada no bercinho ao lado da minha cama, não cansava de olhar para a minha bebê. Eu estava radiante! Aquela pequenina criança com que tanto sonhamos vinha completar nossa família. Não faltava mais nada para eu ser feliz!

Minha felicidade durou pouco. A pediatra de plantão entrou no quarto. Amanda dormia. Eu, ainda com o sorriso estampado no rosto, quis tirar uma dúvida boba sobre a aparência da minha filha.

– Doutora, esse olhinho dela não é meio Down, não?

Eu já sabia a resposta, claro que não poderia ser. Como na época eu tinha 39 anos e sabia que a probabilidade de ter um bebê com síndrome de Down era maior, fiz todos os exames, inclusive genéticos, que comprovaram sem sombra de dúvida que a filha que eu esperava não tinha síndrome de Down. Só que ninguém me contou que medicina não é matemática e que erros médicos acontecem (aos montes, no caso do laboratório responsável por meu exame). Por tudo isso, eu não estava preparada para a resposta da médica:

- É sim, inclusive ela tem vários outros sinais...

- Como é que é?????????

E foi aí que o meu estado de graça se transformou em desgraça.

A pergunta que me intriga é: Aonde será que foi parar aquela filha idealizada, fofinha e saudável, que se tornou realidade por algumas poucas horas e acabou se transformando no pior dos pesadelos?

Ela continuava ali, quietinha, dormindo diante de mim, mas, cega pelas lágrimas do meu próprio preconceito, eu não conseguia mais vê-la.

Infelizmente, naquele momento não entendia como eu, comunicóloga da PUC, uma pessoa lida, informada, viajada, que falava línguas, que se gabava de ter amigos negros, judeus, homossexuais, eu que achava que não discriminava ninguém, achei que a minha felicidade e a da minha família iria acabar com a entrada de uma criança com deficiência intelectual na família.

Depois de levar cerca de 2 anos desconstruindo o meu próprio preconceito e por fim conseguir enxergar minha filha como uma menina como outra qualquer, ao ler a pesquisa da FIPE sobre preconceito escolar entendo melhor de onde veio todo aquele mal-estar. Eu era uma das 99 pessoas em 100 que têm preconceito com relação à deficiência intelectual.

Os perturbadores números da pesquisa encomendada pelo MEC explicam porque até o Presidente Obama deixou passar uma piadinha preconceituosa com relação aos atletas das Olimpíadas Especiais. Pelo menos ele foi rápido em voltar atrás e pedir desculpas, reconhecendo o erro e condenando sua própria atitude.

Ainda perturbada pela contundência dos números da FIPE, que creio que são únicos não apenas no Brasil como no mundo, já que a exclusão das pessoas com deficiência começa pelas estatísticas, reflito sobre a nossa educação, nossa televisão, nossa cultura, nossa gente...

Aquele que eu achava, ingenuamente, que era um povo aberto às diferenças, que recebia bem os turistas porque era formado por várias etnias, inter-relacionando-se e misturando-se com uma desenvoltura pouco vista em outros países, aquele brasileiro “tão bonzinho”, no fundo destila um preconceito generalizado, que leva ao desrespeito, ao abuso, ao bullying e impede que os grupos discriminados progridam na escola e na vida.

É essa a educação que recebemos e que estamos perpetuando.

Nós não nascemos com preconceito. Ele é um valor adquirido socialmente.

É mais do que hora de encararmos esta dura realidade, assumirmos nossos próprios preconceitos e nos livrarmos o mais rápido possível deles.

A inclusão não é mais apenas um direito. Nem só uma questão de bom senso. É nossa única saída.

*Patricia Almeida
Criadora e Coordenadora da Inclusive – Agência para Promoção da Inclusão


Coordenadora Estratégica do Instituto MetaSocial, do Manifesto Ser Diferente é Normal

Descrição da imagem: uma lousa onde está escrito à mão : Eu discrimino, Tu discriminas, Ele discrimina.

terça-feira, 7 de julho de 2009

A auto exclusão dos umbélicos

Os umbélicos são seres muito parecidos com os seres humanos, exceto por uma diferença anatômica, os umbélicos não tem umbigo. E isso provoca uma diferença incontornável na forma como se relacionam na sociedade.

O umbelismo pode ser congênito, adquirido por doença ou po acidente. Uma vez umbélico, umbélico para sempre. Houve um tempo em que os umbélicos eram objeto de escárnio, talvez por isso é que eles tenham se isolado cada vez mais do resto do mundo.

No começo se recolhiam individualmente e se escondiam. Depois começaram a descobrir que não eram os únicos e passaram a se associar uns aos outros. Mas nunca mais quiseram se misturar com os humanos, que eles consideram como seres inimigos.

Primeiro surgiram as colônias de umbélicos adultos. Depois, como continuassem a surgir novos umbélicos eles passaram a se preocupar com os infantes e jovens. Criaram escolas exclusivas para eles e clubes onde o acesso só era permitido para quem deixasse à mostra sua desumbiguação.

Com o objetivo de isolarem ainda mais criaram sua própria língua, o bigolês, uma corruptela da língua corrente à qual só eles tinham acesso. Tendo uma língua e só convivendo entre eles começaram a defender a existência de uma identidade particular e a defender essa identidade com unhas e dentes.

O umbelismo então passou a considerar também como inimigos os umbélicos que se aproximavam dos seres humanos. Umbélicos que usavam próteses, chamadas de implantes umbilicais, foram considerados como falsos umbélicos, traidores da identidade e da cultura segregada. Também são considerados traidores os umbélicos que se recusam a aprender ou usar o bigolês como única língua possível.

O maior problema desses seres é que, apesar de não se considerarem humanos, eles vivem nos mesmos lugares que o resto da população e, com isso, tiveram de adotar estratégias de sobrevivência. A primeira deles foi conceder a alguns poucos privilegiados a possibilidade de aprender bigolês.

Em pouco tempo isso passou a ser uma fonte de lucros para esses privilegiados que começaram a vender dicionários de bigolês, serviços de translação linguística e produtos especiais para umbélicos. Claro que isso diminui muito a autonomia dos umbélicos que dependem dos transladores para o seu dia-a-dia, mas a defesa da identidade sempre foi colocada acima de qualquer outro benefício social.

Os humanos têm tentado continuamente incluir os umbélicos na sua sociedade, mas têm enfrentado uma forte resistência, especialmente por parte dos líderes do grupo que temem perder sua influência e poder caso os seus pares se misturem com o resto da humanidade.

Os humanos mais radicais acham que, se os umbélicos preferem a segregação, que a tenham. Os umbélicos mais radicais agora lutam para criar um país independente, a Umbelândia.

É provável que a única solução para esse impasse seja alguma descoberta científica que evite o nascimento de mais desumbigados.

Até lá a tensão continuará.

Descrição da imagem : foto de uma modelo feminina que por excesso de preciosismo do diretor de arte apareceu na foto sem umbigo.