Não foram poucas as vezes em que me
chamaram de pai especial por ter um filho com Síndrome de Down. Em nenhuma
delas eu deixei a pessoa sem resposta.
Se eu sou especial, não é por ter um
filho com deficiência, até porque eu tenho outra filha que não tem deficiência
e, nem por isso, sou para ela um pai ordinário (sim, o antônimo de especial é
ordinário)
Meus filhos podem me achar especial,
assim como eu os acho especiais, porque são meus filhos.
Toda essa linguagem caridosa e
piegas a respeito de pessoas com deficiência só serve para fazer com que as
pessoas os tratem como coitadinhos, que não são.
Pior, ao tratá-los com pena acabam
por não reconhecer as suas capacidades, pois junto com a comiseração vem a
falta de confiança de que as crianças com deficiência vão conseguir alcançar os
mesmos objetivos que as demais crianças.
Eu preferi enfrentar essa questão
andando pela contramão. Até hoje não fui multado nem levei pontos na minha
habilitação de pai.
Ao invés de tentar
"consertar" a deficiência do meu filho, resolvi trabalhar o que ele
tinha de bom. Ao invés de rebaixar as minhas expectativas quanto ao que ele
poderia alcançar, eu sempre as coloquei nas alturas.
Claro que ele não ultrapassou tudo
que eu imaginava, mas nunca atribui os seus eventuais fracassos ao fato dele
ter um cromossomo a mais.
O fato dele ser mais velho que a
irmã serviu como um grande aprendizado. Ela é educada pela mesma lógica. A do
enfoque potencial.
Nossa sociedade está acostumada a
tratar todas as pessoas pelo enfoque deficitário, investimos em tentar resolver
os pontos fracos dos nossos filhos.
Se a criança vai mal em matemática,
logo procura-se uma aula de reforço. Se tem algum problema de comportamento,
leva-se aos especialistas para ser medicado.
Apesar de todo o discurso das
escolas que falam em investir em habilidades eu nunca conheci um pai que tenha
sido chamado na escola porque o filho tirou nota 10 em alguma matéria.
No fundo, no fundo, o que falta a
nós pais e aos educadores é a confiança de que qualquer criança pode aprender,
desde que lhe seja oferecida a oportunidade e as condições materiais e
pedagógicas.
Essas condições não passam pelo
conhecimento técnico da deficiência, pelo contrário, saber que uma criança com
Síndrome de Down tem excesso de material genético não faz a menor diferença na
tabuada.
Não existe Geografia da Síndrome de
Down, nem Português da paralisia cerebral, ou Matemática da tetraplegia.
Assim como, na educação
familiar, não existe uma disciplina ou um conjunto de valores diferentes
de acordo com cor dos olhos de cada filho.
Enquanto ficarmos presos à
"especialidade" dos nossos filhos vamos perder tempo precioso que
poderia ser investido na formação deles.
E, sem formação, nenhum filho, com
ou sem deficiência, conseguirá se tornar um adulto autônomo.
Descrição da imagem: foto minha ladeado pelos meus filhos.
*Publicado originalmente na revista Pais e Filhos
Fato. Já ouvi muito: sua esposa é realmente muito especial por ter aceitado casar com você (sou cego). Minha esposa é especial sim, mas isso não está vinculado, de forma alguma, ao fato de ser deficiente ou não. Claro, ela necessita aceitar algumas diferenças, e a forma diferente que deverá lidar com elas. Mas esse tipo de abordagem condiz com a percepção de que o deficiente é um fardo, e não somos.
ResponderExcluirAbraços