segunda-feira, 10 de maio de 2021

Só querer não é poder

 


Muitos dizem que a realidade é volátil, incerta, complexa e ambígua, e é verdade. Outros preferem dizer que é frágil, ansiosa, não linear e incompreensível, e também é verdade. Bradam que a modernidade é líquida (e é), que os sistemas são complexos (e são). Eu costumo dizer que a natureza humana é móvel, insaciável, confusa e obtusa (mundo MICO, aquele que ninguém quer segurar).

Em 1513 Maquiavel já percebera que a “virtú” é poderosa, mas está sempre condicionada à vontade da “fortuna”. Kahneman, no seu “Rápido e Devagar” deixa claro que o sucesso está mais frequentemente ligado à sorte (acaso) do que ao mérito.

Por que então algumas pessoas ainda insistem no mito do “querer é poder”?

Será que o fato de eu ainda não ter conseguido muitas coisas se deve simplesmente à hipótese de que eu não tenha querido o suficiente? Existe um querômetro capaz de medir a intensidade do querer? Qual é a maneira correta de querer algo? Se eu participei de uma corrida de 100 m rasos e cheguei em segundo lugar isso se deve ao fato que o vencedor queria mais que eu?

Indutores do mito

Alguns relacionam o conceito do “querer é poder” com a supervalorização do talento em oposição ao esforço. Admiramos mais os talentos precoces do que aqueles que chegam ao mesmo ponto depois de anos de estudo. O aluno que, num acaso da “fortuna” tira uma nota alta, em oposição aquele que sempre ia mal e começou a melhorar suas notas com o tempo.

Mas não podemos simplesmente virar a chave de um lado para o outro, com o risco de cairmos na da meritocracia, a ideia de que somos recompensados apenas pelo esforço. Não partimos todos do mesmo ponto.

Se, como eu, você nasceu numa família de classe média, foi educado em boas escolas e teve acesso aos bens culturais, você não pode comparar o quanto alcançou a quem não teve nada disso. Não foi por querer mais que a outra pessoa que você alcançou muitas das suas metas. Foi apenas circunstância. 

Também não vale apelar para o discurso da superação baseado em histórias comoventes, mas totalmente isoladas da realidade. O rapaz negro que vendia picolé e se tornou o primeiro brasileiro negro a ser aprovado no MBA do MIT é a exceção da exceção da exceção.

Basta lembrar que São Gonçalo fica a menos de 30 km de Jacarezinho.

Em suma

Não pretendo aqui desmerecer os méritos ou o esforço de ninguém - a César o que é de César – apenas lembrar que não são frases de efeito que vão resolver nossos problemas. Algumas coisas não vamos alcançar nunca.

Com dedicação muitos conseguem algo, outros conseguem mais que os outros com menos dedicação.

Acusar as pessoas que não foram bem sucedidas de falta de vontade é um modelo cruel que não respeita as diferenças. Louvar como bem sucedidas aquelas a quem a vida deu mais oportunidades para isso é ainda mais cruel para as que não tiveram a mesma “fortuna”.

Descrição da imagem: Hércules apontando uma flecha tentando combater a Aporia, o espírito da dificuldade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Censura é o uso pelo estado, grupo ou indivíduo de poder, no sentido de controlar e impedir a liberdade de expressão. A censura criminaliza certas ações de comunicação, ou até a tentativa de exercer essa comunicação. No sentido moderno, a censura consiste em qualquer tentativa de suprimir informação, opiniões e até formas de expressão, como certas facetas da arte"

Como bem diz a Cristiana Soares no seu ótimo "Como lidar com o anonimato nos comentários" , o processo de aceitar posts anônimos nem sempre é fácil. Eu optei por permitir que qualquer um escreva seus comentários sem censura.

Mas fica um "disclaimer", ao estilo do mencionado no artigo :
Eu me reservo o direito de excluir comentários e textos que julgar ofensivos, difamatórios, caluniosos, preconceituosos, que sejam de alguma forma prejudiciais a terceiros ou textos de caráter promocional. Baixo calão fora de contexto idem ibidem.