Descrição da imagem : Pateta (personagem Disney), afagando um cão guia na Disney WorldPessoas com deficiência e os parques de diversão, uma verdadeira aventura
Naira Rodrigues*
Acabo de chegar do Playcenter, fui levar meus filhos para uma despedida das férias... Teria sido ótimo, porém, qual não foi minha surpresa, quando fui levá-los em um brinquedo, no meu ponto de vista, até dos mais simples do parque, era um barco grande, que cai em uma grande "piscina"...depois de enfrentar uma fila consideravelmente grande, a "mocinha" que fica na portaria do brinquedo, me pediu uma autorização para poder entrar...
Eu, sem entender exatamente do que se tratava, perguntei que autorização era aquela, pois havia entrado no parque apresentando o ingresso e pronto. Mas, para minha segurança, afinal, sou uma "pessoa com uma limitação", o parque exigia que eu tivesse uma autorização emitida pelo próprio parque na entrada para que eu pudesse usufruir dos brinquedos menos perigosos...
Bem, diante disso, eu argumentei com tudo aquilo que sempre falamos, sobre o direito de acesso, etc, etc...A "mocinha" pediu-me para sair um pouco da fila até que o gerente chegasse para resolver a questão, orientação que me recusei a seguir e, enquanto esperávamos o gerente, a fila ficou parada, por isso, tive que informar aos outros visitantes do parque o que estava acontecendo, levando em conta que a fila estava repleta de adolescentes e pessoas jovens que estavam com muita vontade de aproveitar aquele brinquedo, imaginem o "circo armado"...
Enfim, o gerente chegou e, realmente, eu não poderia andar no brinquedo pois minha "limitação" comprometia minha segurança, mas diante dos gritos da fila para que deixassem eu entrar e da discussão estabelecida entre eu e o gerente, consegui entrar... Qual não foi minha surpresa, mais uma vez, ao sair do brinquedo, fui interceptada pelo mesmo gerente, de nome Sidnei, que disse que se eu não fosse ao setor buscar minha autorização não poderia ir em mais nenhum brinquedo considerado perigoso para pessoas com "limitações" como eu...
E iniciei a discussão e, apenas no momento em que ameacei chamar a polícia para resolver a questão, pois para mim, aquilo já estava se configurando em um ato de discriminação em relação à minha condição de pessoa com deficiência, o gerente liberou minha entrada em todos os brinquedos, porém terminou a conversa dizendo que o parque não era feito para todo o tipo de "deficientes"...
Prosseguindo com minha "saga" no parque, fui em uma montanha russa pequena, própria para crianças bem pequenas, fui para levar meu filho de 6 anos de idade e, outra surpresa...uma placa, que fiz questão de fotografar escrita: "não é permitida a entrada de deficientes físicos e deficientes mentais".
Fiquei muito arrasada com tudo isso, não acredito que, em pleno séc. XXI, temos que passar por isso e, eu só queria curtir um dia com meus filhos em um parque de diversões...mas, não fico por aqui, quero fazer algo em relação ao que aconteceu, pois eu só consegui aproveitar os brinquedos porque briguei muito, mas isso não muda a postura e a falta de estrutura do parque o péssimo atendimento, a situação de constrangimento em que ficam as pessoas com deficiência que querem frequentar aquele lugar...
Peço, por favor, que me ajudem a pensar em como posso agir agora. Desculpem o desabafo, mas estou me sentindo péssima em perceber o quanto não avançamos, em perceber o quanto existem pessoas maol informadas e sem nenhuma vontade de fazer a coisa certa... obrigada e um grande beijo mais do que indignado.
Parque de diversões. De quê? Parque de adversões!
Romeu Kazumi Sassaki **
adversão sf (lat adversione) 1. Advertência, aviso, observação. 2. Adversidade, impugnação, oposição. 3. Aversão, contrariedade, perigo. (Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2000, v.1, p.66)
Naira, pelo que entendi, o Playcenter cometeu contra você as nove adversões citadas no dicionário... (risos) Brincadeiras à parte, elaborei o presente texto em apoio às possíveis ações em face do incidente ocorrido com você no dia 1º de agosto de 2008 naquele parque de diversões.
PROCEDIMENTOS POSSÍVEIS
Alguns dos seguintes procedimentos poderiam ser escolhidos e executados:
I. Em relação a você individualmente:
Solicitar ao Ministério Público que entre com uma ação civil pública de reparação contra o Playcenter por danos morais em virtude do constrangimento a que você foi submetida publicamente (diante de seus filhos e de outras pessoas que aguardavam na fila no brinquedo escolhido). Há dois tipos de reparação: (a) Petição de desculpas por escrito. (b) Indenização em valores.
Seu depoimento: “A mocinha pediu-me para sair um pouco da fila até que o gerente chegasse para resolver a questão”. (...) “Enquanto esperávamos o gerente, a fila ficou parada. Por isso, tive de informar aos outros visitantes do parque o que estava acontecendo, levando em conta que a fila estava repleta de adolescentes e pessoas jovens que estavam com muita vontade de aproveitar aquele brinquedo”. (...) “Diante dos gritos da fila para que me deixassem entrar e da discussão estabelecida entre mim e o gerente, consegui entrar.” (...) “Ameacei chamar a polícia para resolver a questão”. (...) “Eu só consegui aproveitar os brinquedos porque briguei muito”. (...) “Fiquei muito arrasada com tudo isso”. “Eu só queria curtir um dia com meus filhos em um parque de diversões”.
II. Em relação ao segmento, como um todo, das pessoas com deficiência:
1. Comparecer em grupo ao Playcenter para tentar usufruir os brinquedos e em seguida, lá mesmo, propor aos diretores que eles realizem um trabalho teórico-prático em conjunto com o movimento (entidades de pessoas com deficiência), objetivando:
A. Estudar, sob o ponto de vista da integridade física/segurança (risco de acidente), todos os brinquedos disponíveis, considerando em linhas gerais as necessidades e possibilidades das pessoas com deficiência física, intelectual, visual, auditiva e múltipla.
Seu depoimento: “Para minha segurança, o parque exigia que eu obtivesse uma autorização na entrada para que eu pudesse usufruir os brinquedos menos perigosos”.
Suporte legal brasileiro: “Se a pessoa com deficiência ou seus responsáveis”, após advertência da direção do parque no sentido de que “certos brinquedos não são recomendados para pessoas que possuam alguns tipos de limitações, asseverarem que não há problema em permanecer em tal brinquedo (sem acompanhantes, no caso de criança com deficiência), não é dado ao responsável pelo parque impedir, sob pena de discriminação, ferindo o disposto no Decreto nº 3.956/01 (Convenção da Guatemala)” – diz a dra. Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, no livro “Direitos das pessoas com deficiência: garantia de igualdade na diversidade” (Rio de Janeiro: WVA, 2005, p.148).
Orientação em caso de, sob alegação de segurança, uma pessoa com deficiência ser impedida de entrar em determinado brinquedo em parque de diversões: “Qualquer proibição deve dizer respeito a requisitos objetivos e que tenham relação incontestável com o tipo de brinquedo, e não às deficiências em geral. Exemplo: necessidade de altura ou peso mínimo, para uso de determinado aparelho. Tratam-se de critérios que se destinam a qualquer pessoa que não tenha a compleição física exigida para total segurança” – Eugênia Fávero, op. cit, p.147-148.
Orientação em caso de acidente, mesmo após a própria pessoa com deficiência ou seus responsáveis terem sido advertidos de que determinado brinquedo não era adequado para pessoas que tenham deficiência: “Ainda assim, a responsabilidade é do parque porque brinquedos perigosos devem conter dispositivos de segurança que impeçam acidentes em caso de desmaios ou movimentos involuntários, já que isso pode ocorrer a qualquer pessoa”. – Eugênia Fávero, op. cit, p.148.
B. Aperfeiçoar o teor da política de atendimento do Playcenter em relação aos usuários com deficiência, inclusive dos critérios de concessão da autorização para usufruir os brinquedos.
Seu depoimento: “A mocinha que fica na portaria do brinquedo me pediu uma autorização para poder entrar.” (...) “O gerente, de nome Sidnei, disse que, se eu não fosse ao setor buscar minha autorização, não poderia ir a nenhum outro brinquedo considerado perigoso”. (...) “O péssimo atendimento”.
C. Auxiliar o parque na elaboração de um manual, para uso interno, a respeito do movimento das pessoas com deficiência, contendo legislação, tratados internacionais, noções de tecnologia assistiva e de tecnologia da informação e comunicação, terminologias etc.
Seu depoimento informa que os funcionários se referem às pessoas com deficiência usando os termos “pessoas com limitações” e “os deficientes de todos os tipos”.
D. Elaborar folheto explicativo dos serviços e recursos do Playcenter para os usuários com deficiência, material este a ser disponibilizado ao público diariamente na entrada do parque. Exemplo: o folheto da Disney World.
E. Capacitar a direção e os funcionários do parque mediante um breve curso prático de sensibilização e conscientização em relação a pessoas com deficiência.
Seu depoimento: “O quanto existem pessoas mal informadas e sem nenhuma vontade de fazer a coisa certa”. (...) “Estou me sentindo péssima em perceber o quanto não avançamos.”
Suporte convencional internacional: “Meta: Compreender o papel da educação para ao lazer na promoção do desenvolvimento humano (por ex., questões relacionadas ao gênero, idade, populações especiais) dentro de uma sociedade pluralista em rápidas transformações” (Preparação e Treinamento de Pessoal na Educação para o Lazer, 1.7 – p. 13)
F. Refazer, com terminologias atuais, todas as placas de sinalização existentes no parque, inclusive aquela que diz “Não é permitida a entrada de deficientes físicos e deficientes mentais”.
G. Auxiliar o parque a implementar os critérios de acessibilidade total, que compreende as dimensões arquitetônica, metodológica, instrumental, comunicacional, programática e atitudinal (ver “Inclusão no lazer e turismo: em busca da qualidade de vida”, de R. Sassaki. São Paulo: Áurea, 2003), em conformidade com o seguinte:
G.1. Suporte convencional internacional: Artigo 9 (direito à acessibilidade) e Artigo 30 (direito à participação em recreação, lazer e esporte), da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela ONU em 13/12/06 e ratificada pelo Brasil em julho de 2008.
G.2. Suporte legal brasileiro:
G.2-1. Artigo III do Decreto n. 3.956, de 8/10/01 (Convenção da Guatemala ou Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência).
G.2-2. Capítulo IV (acessibilidade arquitetônica e urbanística) do Decreto n. 5.296, de 2/12/04.
Seu depoimento: “A falta de estrutura do parque”.
G.2-3. Artigo 4º-VIII da Lei n. 7.405, de 12/11/85 (Símbolo Internacional de Acesso).
G.2-4. Artigo 1º da Lei n. 8.160, de 8/1/91 (Símbolo Internacional de Surdez).
G.2-5. Artigos 2º e 3º da Lei n. 10.048, de 8/11/00 (atendimento prioritário a pessoas com deficiência).
G.2-6. Capítulos IV (acessibilidade em edifícios de uso coletivo) e VII (acessibilidade comunicação e sinalização) da Lei n. 10.098, de19/12/00.
G.2-7. Artigos 1º-§7º, 2º-II e 6º do Decreto n. 5.904, de 21/9/06 (ingresso e permanência de pessoa cega acompanhada de cão-guia).
2. Denunciar o fato ao Ministério Público e solicitar providências, em conformidade com o Artigo 3º da Lei n. 7.853, de 24/10/89 (ações civis públicas de proteção de interesses coletivos ou difusos das pessoas com deficiência).
Seu depoimento: “A situação de constrangimento em que ficam as pessoas com deficiência que querem freqüentar aquele lugar”. (...) Aquilo já estava se configurando em um ato de discriminação em relação à minha condição de pessoa com deficiência”.
Suporte legal brasileiro: Lei nº 7.347, de 24/7/85, art. 1º: “Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados: ll - ao consumidor”; e art. 5º-II: “A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que: l - esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil”.
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
O lazer, a recreação e o turismo são direitos sociais de todas as pessoas, com ou sem deficiência. O direito ao lazer é assegurado, entre outros, pelos seguintes suportes teóricos:
1. Suporte legal brasileiro
A. Constituição Federal, art. 6º (“São direitos sociais... o lazer...”).
B. Lei n. 10.257/01, art. 1º (“... um dos elementos indispensáveis para a garantia do direito a cidades sustentáveis...”).
C. Lei n. 8.080/90, art. 3º (“... lazer é um dos fatores determinantes e condicionantes da saúde...”).
2. Suporte convencional internacional
A. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, artigos 9 e 30 (ONU, 2006).
B. Carta Internacional de Educação para o Lazer, da Associação Mundial de Lazer e Recreação, 1993 (“... a ninguém deverá ser negado este direito (ao lazer) em razão de... deficiência”).
C. Programa Mundial de Ação relativo a Pessoas com Deficiência, ONU, 1983 (§12, 96, 134, 136 e 137).
D. Normas sobre Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência, Norma 11 – Recreação e esportes (ONU, p.29-30).
E. Idéias Práticas em Apoio ao Dia Internacional das Pessoas com Deficiência: 3 de dezembro, Disability Awareness in Action, 1993, p.7 e 19.
F. Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 24: “Toda pessoa tem direito ao descanso, a desfrutar do tempo livre” (ONU, 10/12/48).
*Naira Rodrigues é fonoaudióloga , professora de educação inclusiva na Unisantana e militante de movimentos de defesa dos direitos das pessoas com deficiência.
**Romeu Kazumi Sassaki é assistente social e consultor de inclusão. É autor de vários livros sobre o tema e militante do movimento de pessoas com deficiência.