quarta-feira, 11 de junho de 2008

Xiita Convidada - Marcas de professores

É lugar comum que os professores deixam marcas nas nossas vidas. Com esta constatação em mente, rebusquei algumas memórias e aqui estão exemplos de marcas que me ficaram, por experiência directa ou como espectadora, umas positivas, outras nem por isso... Como são vários os exemplos, estarão distribuídos por partes, sendo esta primeira dedicada a situações de avaliação.

1. Tinha-nos sido exigido, como uma das formas de avaliação para aquela disciplina, um vídeo em que simularíamos uma determinada situação profissional, feito aos pares, em que cada um dos elementos passava por dois papéis. A professora marcou um dia para nos dar feedback e o meu entusiasmo crescia à medida que ela ia falando: “estou bastante surpreendida, pela positiva, com a sua prestação”. Na minha mente começava a desenhar-se um 15... “Nunca pensei que uma pessoa com a sua deficiência visual pudesse mostrar tanta presença”. Quem sabe um 16 ou 17... afinal os pares que tinham ido antes de nós anunciavam óptimas classificações. “Saíram-se ambas muito bem, mas estou sobretudo satisfeita com o seu desempenho porque mostrou ter excelentes competências para este tipo de situação”. Será que atingiria o 18? Eu estava deliciada, feliz da vida. “Portanto, por este trabalho formidável, vou dar-lhe um 14, o que para uma pessoa como você é óptimo!”. Fiquei dormente, confusa. Infelizmente não tinha, nessa altura, a tranquilidade e a garra, que são necessárias em situações destas, para me defender. Houve, porém, muitas outras situações em que fui avaliada tal como os meus colegas, com os mesmos critérios e em que os resultados estavam em correspondência com o meu estudo e dedicação.

2. Para que exista igualdade de oportunidades na avaliação, é necessário dar determinadas condições em conformidade com as deficiências apresentadas. Assim, um estudante com deficiência pode necessitar de um período de tempo adicional para responder à sua prova. No Ensino Básico e Secundário, o Plano Educativo Individual (PEI) define o tempo que cada estudante pode utilizar, em função das suas necessidades. Para os exames nacionais, o tempo proposto pela Escola é aprovado pelo júri nacional de exames. No regulamento que prevê várias medidas de apoio relativas à frequência e à avaliação destes estudantes na Universidade do Minho, determina-se que este período de tempo suplementar vai até mais metade do total previsto para a prova.

Vejamos duas situações limite ocorridas com estudantes que apresentam deficiência visual. Um estudante foi informado, na hora da prova, pela professora (com conhecimento da condição de tempo), que ela teria um compromisso na hora prevista para o término da prova de qualquer outro estudante, pelo que ele teria de entregar também a sua prova nessa hora. Trata-se, obviamente, de um claro desrespeito dos direitos deste estudante. Mas que dizer do professor que decidiu que o aluno deveria realizar a sua prova numa sala sem vigilância, dizendo-lhe que poderia gastar o tempo que quisesse, bastava que no final entregasse as respostas a um funcionário, mas que se preferisse, poderia levar a prova para casa e entregar as respostas no dia seguinte? Estamos aqui perante uma permissividade que em nada dignifica estes estudantes, ao assumir-se que o facilitismo é o único caminho para que estas pessoas consigam progredir.

Portanto, sejam dadas condições específicas a quem delas precisa e exija-se o mesmo a todos. Só assim cada um pode mostrar o que vale.

Na primeira parte desta crónica, falei das marcas deixadas pelos professores em situações de avaliação a estudantes com deficiência, debruçando-me agora sobre algumas situações de aula.

1. É mais fácil, para qualquer um de nós, evitarmos uma situação com a qual não sabemos lidar do que procurarmos estratégias para lhe fazer face. Sendo a inclusão escolar de estudantes com deficiência um objectivo que implica iniciativa e trabalho, já soube de alguns professores que mostravam resistência à presença destes estudantes nas suas turmas. Estas reacções vão desde algum receio por não saberem bem como lidar com a situação até a negação explícita de darem aulas aquela turma. Assim foi o caso de um professor do ensino secundário que dizia num conselho de turma: “formei-me para dar esta disciplina, há vinte anos que a ensino e não tenho nada a ver com esses problemas da deficiência. Portanto, não é agora que me vão obrigar a trabalhar com deficientes nas minhas aulas”. Quão diferente é esta postura em relação com aquela de professores que perguntam aos próprios alunos, aos pais destes ou aos técnicos que lhes dão algum acompanhamento, como devem fazer para resolver uma ou outra dificuldade. Uma pergunta tão simples como esta faz que o estudante sinta que existe preocupação para com a sua situação particular e abertura para encontrar alternativas. É evidente que os próprios estudantes têm de ser também interessados e participativos de modo a reforçarem todo o trabalho e dedicação dos professores.

2. É compreensível que numa turma com muitos alunos, um professor se esqueça de usar todas as estratégias que lhe são recomendadas para a inclusão de determinado estudante. O que não se compreende é a ignorância propositada das necessidades visíveis. Numa aula de língua estrangeira, o aluno cego perguntou à professora como se escrevia o nome que acabava de dizer. A resposta foi imediata “está no quadro”. A experiência que passo agora a relatar é um excelente exemplo de uma atitude inclusiva. Tinha-me inscrito naquela disciplina por opção. No fim de uma aula, a professora disse-me que, na próxima, iríamos ver um vídeo e perguntou-me se me importaria que ela trouxesse uma gravação em cassete áudio (naquela altura os mp3 não estavam massificados), com a descrição do filme. Tal sugestão pareceu-me quase irrealista, tantas as vezes em que foram passados vídeos nas aulas e nenhuma vez aquela em que os professores se haviam preocupado muito com a minha presença ali, no máximo, lamentarem eu não poder vê-lo e sugerirem que pedisse a um colega para mo descrever, ou simplesmente dispensarem-me da aula. Assim, pensei com os meus botões se aquela ideia não seria apenas uma boa intenção sem consequências. Na aula seguinte, muni-me de leitor de cassetes e de auscultadores, mas estava já a preparar-me para uma sessão de divagação pessoal, caso a cassete não viesse. Enganei-me, felizmente. No amontoado de cassetes áudio que guardo com material escolar, está essa relíquia, gravada com a voz da professora com a descrição de um vídeo que, por uma vez, me foi dado acompanhar em simultâneo com os meus colegas.

3. No livro “Educação Inclusiva – o que o professor tem a ver com isso?”, coordenado por Marta Almeida Gil , é-nos dito que não existem receitas feitas para a inclusão e que as soluções vão sendo construídas, sendo-nos oferecidas muitas dicas e testemunhos de práticas inclusivas. Fica a sugestão.

Para terminar as crónicas dedicadas a marcas deixadas por professores em estudantes com deficiência, ficam algumas reflexões sobre como as expectativas, ou a falta delas, deixam as suas marcas.

1. A deficiência de uma pessoa produz muitas vezes nos outros expectativas ora negativas, ora demasiado positivas face às suas possibilidades de acção. Explicando melhor, ou assume-se como certo que a pessoa não conseguirá realizar a maior parte das actividades, devido a enormes dificuldades que se lhes antecipam, ou acredita-se que o conseguirão por ter características muito especiais, compensatórias, quase geniais, desvalorizando-se as necessidades que derivam de condições físicas ou sensoriais deficitárias. Assim, os professores poderão ter também este tipo de percepções, traduzidas em expectativas negativas ou excessivamente positivas. Ainda recentemente um colega cego contou-me que um professor, tendo conhecimento da sua boa nota num exame de admissão à Licenciatura, minimizava as suas dificuldades, inerentes à cegueira, para aceder à informação, afirmando que certamente ele iria sair-se sempre bem. Uma das coisas que conduz a estas crenças é a projecção que cada um de nós faz quando se imagina com as dificuldades de outro, supondo que para as superar são necessárias competências extraordinárias. Além disso, o facto dos estudantes com deficiência utilizarem tecnologias que são estranhas a muitos professores podem contribuir para esta ideia de que a pessoa é realmente excepcional.

2. Só nos dedicamos verdadeiramente naquilo face ao que temos expectativas positivas. Estas expressam-se num apoio efectivo por parte dos professores, quer através de estratégias pedagógicas flexíveis, de cedência dos materiais de estudo e de avaliação adequados, ou através de um simples estímulo numa palavra de encorajamento.

3. Pior do que a falta de formação específica sobre a temática, a falta de empenho e de imaginação, pior mesmo que tudo é o preconceito, expresso em expectativas negativas, que abalam a auto-estima de qualquer estudante. Exemplo disso são os professores que se perguntam, ou se atrevem mesmo a perguntar ao próprio estudante, o que está ali a fazer, que devia pensar noutra coisa para se ocupar, e que lhe apresentam o veredicto de incompetência perpétua. Quanta mágoa percebi em duas estudantes, utilizadoras de cadeira de rodas devido a paralisias distintas que afectaram a sua motricidade, ao contar-me que a sua professora da escola primária, num caso, e vários professores do Ensino Secundário, no outro, lhes haviam dito que não conseguiriam ir longe. E quanta dor naquela estudante universitária que relatava como uma sua professora a instigava a desistir ou a mudar de curso, alegando que a sua deficiência (note-se, a deficiência, não a competência) era incompatível com o desempenho de futuras funções profissionais.

4. Estas são memórias que ficam gravadas a ferro e fogo e podem servir como estímulo, incentivo, desinvestimento, raiva. Quanto mais vivencio e observo estas situações, mais comprovo que o que os estudantes anseiam é que acreditem neles. Não que os professores acreditem que um estudante com paraplegia ultrapassará qualquer obstáculo físico com boa vontade ou que um estudante com deficiência auditiva acompanhará as aulas sem ser necessária qualquer adaptação pedagógica. Apenas que se acredite nas suas possibilidades de avançar, de crescer. Faço votos que as expectativas realistas e o apoio eficaz ganhem terreno e destronem práticas e crenças destrutivas.


Sandra Estêvão Rodrigues, 34 anos, é psicóloga, trabalha no Gabinete de Apoio ao Estudante com Deficiência da Universidade do Minho em Portugal. É uma pessoa cega.

*Esse texto foi publicado originalmente em crônicas no Jornal Académico da Universidade do Minho

Descrição da imagem : foto de professora ensinando aluno a escrever na lousa

terça-feira, 10 de junho de 2008

Nós não queremos migalhas

...migalhas dormidas do teu pão , raspas e restos me interessam...
(Maior abandonado – Cazuza/Frejat)

O apaixonado Cazuza declarava estar satisfeito apenas com as migalhas que pudessem sobrar da mesa do objeto do seu amor, apenas um pouquinho de atenção seria suficiente para que ele deixasse de ser um maior abandonado, afinal, ter mais do que isso lhe parecia um sonho inatingível.

Infelizmente as minorias excluídas da nossa sociedade demonstram, a cada dia, que as migalhas dos serviços públicos e privados lhes tem sido satisfatórias, depois de tanto tempo sem ter acesso sequer às sobras, tudo que vem é lucro.

Alguns alegam que essa postura é apenas a cautelosa forma de comer a sopa quente pelas bordas, mas será que isso não é apenas conformismo ? Nós, que estamos envolvidos em um movimento que busca a inclusão, não deveríamos aceitar as migalhas do poder, mas dividir o pão com todos.

> Não queremos o favor e a comiseração de transporte público gratuito, queremos ônibus , trens e metrôs que sejam acessíveis a todos.

> Não queremos isenção de impostos, queremos uma distribuição de renda mais justa que permita a todos participarem do mercado de consumo.

> Não queremos cotas que nos concedam vagas em universidades, queremos uma educação de qualidade que nos dê as mesmas chances e oportunidades que as classes privilegiadas.

> Não queremos cotas que obriguem as empresas a nos empregar (coitadinhos de nós...), queremos formação profissional para nos candidatarmos de forma digna aos empregos.

> Não queremos filas especiais, queremos atendimento decente para todos.

> Não queremos educação especial que segregue aqueles que a sociedade prefere fingir que não vê. Queremos uma educação que seja especialmente qualificada para atender cada ser humano.

> Não queremos beneficência. Queremos respeito e acesso aos bens e serviços.

Enquanto continuarmos a pedir migalhas, o máximo que a sociedade vai nos conceder são exatamente elas. Pior, o poder vai continuar acreditando que está nos fazendo um grande favor.

Manter esse discurso é um problema ideológico, por que o que se esconde atrás dessa atitude é a rejeição da diversidade como valor humano e a perpetuação das diferenças entre cidadãos de primeira e segunda classes, ressaltando que suas diferenças são insuperáveis de uma forma determinista e, mesmo que dividam o mesmo ônibus, a mesma mesa e a mesma cadeira, seguem caminhos diferentes e, às vezes, opostos.

Descrição da imagem : cartoon de um pedinte dizendo : "uma esmola pelamordedeus"

terça-feira, 3 de junho de 2008

Inclusão(?) digital

Nos últimos tempos temos sido bombardeados por uma série de matérias, anúncios e eventos sobre a questão da inclusão digital. A necessidade de garantir a todos os cidadãos acesso a computadores e ao maravilhoso mundo da informação via Internet. É uma discussão, cuja abordagem tem me incomodado e que eu gostaria de compartilhar com os meus leitores.

Eu sou militante nas questões de inclusão educacional e no trabalho de pessoas com deficiências. A minha militância começou com um grupo de pais de crianças com Síndrome de Down e, aos poucos , fomos descobrindo que o problema da inclusão, ou melhor, o problema das várias exclusões é muito maior do que o universo dessas pessoas. Vivemos num mundo em que vários são os motivos que levam à exclusão : pobreza, raça, cor, sexo, deficiência.

Chegamos a um ponto em que , em muitas situações chegam à beira do ridículo quando lemos reportagens em famosas revistas de negócios a respeito de critérios de contratação que excluem até aqueles que são feios ou gordos.

Quando pensamos no Brasil , especificamente, algumas exclusões chegam a um ponto de tornar inútil toda a discussão sobre a inclusão digital. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que 11% dos brasileiros são analfabetos. Isso significa que existe no país um contingente de quase 16 milhões de pessoas, que não sabem ler nem escrever. Considerando que esse número é o “oficial” do IBGE e que, portanto, a realidade deve ser muito pior, podemos calcular que mais de 30 milhões de pessoas não sabem ler e escrever.

Em que processo digital é que elas vão poder ser incluídas ??

Além disso , estima-se que atualmente, ainda um quinto da população viva abaixo da chamada linha de pobreza (apesar de todos os programas sociais do governo, ou seja, esse número era pior ainda), sendo menos eufemístico, literalmente na miséria. Moram na rua ou em lugares sem nenhuma infra-estrutura sanitária. Comem a cada 3 dias, quando dá. Não tem acesso ao sistema de saúde. Mesmo assim, a elite (sim, se você está me lendo na tela de um computador, você é elite) da qual nós fazemos parte insiste em que é preciso incluí-las digitalmente.

O pior de tudo no discurso da inclusão digital é o fato que a mesma está sendo promovida e alardeada pelos maiores interessados economicamente na mesma, ou seja, os fabricantes de hardware e software, as escolas de informática, e por aí vai.

Isso me faz lembrar a primeira medida de Dom João VI ao desembarcar no Brasil , abrindo os nossos portos às nações amigas – no caso, a única nação amiga era a Inglaterra e se não houvesse essa abertura a corte portuguesa no Rio de Janeiro iria morrer de fome ou de tédio. Inclusão promovida por quem tem interesse econômico na mesma não é inclusão, é abertura ou ampliação de mercado.

A inclusão digital é uma necessidade de fato, e eu não sou um advogado contra ela. É a inclusão digital que tem tornado menos complicada a vida de muitas pessoas cegas (beneficiárias dos fantásticos programas de sintetização de voz), pessoas com dificuldades de locomoção e que tem dado qualificação e oportunidade profissional para milhares de pessoas.

Mas falar de democracia digital enquanto milhões de pessoas ainda não participaram da inclusão alimentar, da saúde e de moradia ainda me soa como uma hipocrisia.

Descrição da imagem : cartoon onde uma mulher pergunta : "Como está o programa de inclusão digital?" Um homem, na janela de uma casinha, com a placa ONG, responde : "Ótimo. Só no mês passado foram incluídos três dígitos na minha conta".

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Compartilhando o afeto

>
Assista o Vídeo aqui, basta clicar!


Compartilhando o afeto é o primeiro capítulo da série Vida em Movimento, este kit foi realizado pelo Departamento Nacional do SESI e pelo Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas. É composto por 25 vídeos e um encarte, com informações complementares.

Os vídeos têm todos os recursos de acessibilidade: audio descrição, Libras, legendas, Libras e legendas e apenas vídeo. Infelizmente a primeira edição está esgotada. É possível assistir e/ou baixar vídeos também no site Bengala Legal

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Xiita convidada - Reflexões de uma professora


Reflexões de uma professora


A visão médico-patológica da deficiência ainda está na cabeça de muitos profissionais da Educação e pior: tem curso de psicologia que ainda trata a educação especial como sendo propriedade exclusiva. Não tenho outra coisa contra o curso de psicologia, ao contrário: tem muita coisa boa. Mas a Inclusão na escola precisa ficar a cargo da Educação, dos Cursos de Pedagogia e em todas as disciplinas, não apenas na disciplina de Psicologia da Educação.

E não estudar "deficiência" mas o ensinar a turma toda e a cada um. Parar com este negócio de caracterizar, categorizar.

Muito legal professor universitário debater o nome de disciplina que continua a conter termos como "excepcionais", que é um absurdo. Mas o nome continua aí... Além de outros vícios, como abordar "características da deficiência dentro da Inclusão". Sabe aquela coisa "eu sou tão bonzinho porque falo da Inclusão...” E descreve o que causa cada deficiência, como é. E muitas vezes aborda "uma Inclusão responsável", com data e hora para acontecer, mas nunca já.

É preocupante quem "trata" o "deficiente" na sala de aula, a "deficiência", a "adequação" da pessoa com deficiência a tudo o que é "normal". É tratar temas tipo: "o deficiente mental na sala de aula". Infelizmente vivi no meu tempo de faculdade, se falava assim, a tal da "uma inclusão" (e o "por favor, não me venha com mais do que isso" muitas vezes dito, sem pudor).

Tive a felicidade de conhecer profissionais super conscientes, atualizados, focando as pessoas, a turma toda, sem misturar jeito de ser com "características da deficiência", tratando a inclusão como a de todos a tudo, o que é maravilhoso.

É estranho, no mínimo, acontecer ainda nos dias de hoje, com tanta informação disponível. É o velho e o novo vivendo no mesmo tempo e espaço. Ainda chegamos lá, no tempo e espaço onde o novo se fixará e o mais novo estará nascendo.

Procuro me manter atualizada, não creio conhecer tudo e tudo o que conheço não considero como pronto, acabado. Tudo evolui e a nossa parte é evoluir junto. Atuando na área da Educação, isso, antes de tudo, é uma obrigação. Procuro saber o que o MEC traz em seu site, bibliografias atuais, Fórum de discussões, notícias em geral, vivendo o cotidiano da escola e muito mais...Quanto a diagnósticos, me arrepio com este papo, porque já vivi situações desagradáveis, de professoras que acham que "aquele" estudante não aprende “porque deve ter tal coisa porque já viu algo assim muito parecido e deve ser mesmo porque ele tem umas coisas assim assado... Tudo a boca pequena, pra depois serem endossadas por outras pessoas porque também já viram isso assim assado... E toma encaminhamento, e toma remédio, e lesa criança, entristece pais... Porque em nome de uma suposta boa ação se faz atrocidades. Entre os que realmente precisam, encontram-se os que não, de maneira alguma, não. Há uma mania generalizada em achar que criança que não pára quieta na cadeira tem alguma coisa errada, não é a aula que está hiiiiper chata, porque, afinal de contas, a vida lá fora da escola é muito mais dinâmica, mais atraente. ”.

A questão de professor ter em mãos testes pra identificar possíveis problemas - e isso é diagnosticar - seja pré diagnóstico como adoram chamar, é preocupante. Professor conhece os estudantes a quem ensina? Sim, mas não tão bem a ponto de sair fazendo diagnóstico e ser endossado nisso. Pra ser otimista, há casos em que o professor percebeu maus tratos ao estudante, denunciou. Percebeu agressividade, questionou pais, conversou com a equipe da escola, todos procuraram observar. Percebeu que o estudante não está enxergando bem, conversou com os pais, que encaminharam. Percebeu que o estudante não está aprendendo, mudou sua atuação - pedagógica - apostou.Os exageros: estudante se diferencia quanto a comportamento, deve ser "algo muito errado", pensa em algo "muito grave", sendo que pode ser algo momentâneo, por uma dificuldade na aprendizagem que a equipe escolar tem toda condição de investir no estudante. Não, muitas vezes já tem os diagnósticos prontos, porque preenchem todas as questões da lista: dislexia e outras "ias", distúrbios tais...

Quanto aos casos já diagnosticados, que precisam de atenção especializada, tomar remédios, não tenho muito que comentar. É comunicação constante entre os profissionais. Mas professor não tem que dar remédio na escola... Nem estudante levar ao ambiente escolar. A medicação é em casa, com a atenção dos pais.

Diagnóstico é pra médico, e ponto final.

Imaginam-se todos os professores como pessoas hiper conscientes, bem resolvidas, esclarecidas, que irão responsavelmente fazer encaminhamentos. Não sou a favor de corporativismos... Infelizmente tem muita gente que faz encaminhamento, passando adiante tudo o que considera "problemas de aprendizagem", mas que na verdade são "problemas de ensinagem". Não considero, absolutamente, que seja uma questão de caça as bruxas nem desanimar, achando que se é assim não tem jeito, porque não teremos colaboração... Pelo contrário!!!! Tem muita gente afim que acaba levando consigo pessoas nem tão afim, que se contagiam etc e tal, com o movimento pró-inclusão, com a questão de ensino, se sensibilizando. Mas é preciso, ainda, falar MUUUUITO sobre isso é preciso muita discussão, muita palestra, muita reunião, muita gente contando suas experiências.

Sempre é bom falarmos MUITO sobre Inclusão. Sinto muito quando vejo que as pessoas se calam, evitam discussão, envolvimento. Em nome de uma suposta paz, uma concessão que não faz bem a ninguém. Epa deixo bem claro aqui que para evoluirmos há várias formas de atuação, todas ao mesmo tempo já!!!!

É preciso discutir os absurdos, o que não pode mais acontecer, a falta de consciência, o corporativismo entre os profissionais de educação, que infelizmente, muitas vezes, se unem pra falar bobagem e defender coisa errada, mas errada mesmo, não o que eu acho errado. Infelizmente ainda acontece. Considero importante as pessoas falarem sobre as boas experiências, mas também precisamos brigar pela mudança, pelo cumprimento da Lei.

Não adianta falar de Inclusão e ter na escola o horário específico de recreio em nome de ser "o melhor" porque podem se machucar e por aí a fora... Ter uma sala separada pra ensinar conteúdos... Salinha pra levar e ficar um tempo fazendo testes e mais testes. Os profissionais da área médica, e viva todos com certeza, precisam atender em ambiente próprio, postos de saúde, e precisam estar lá e atender as pessoas. Mas na escola, o que é da escola: salas especiais, ok, para trazer a acessibilidade e promover a inclusão a todos - todos!!! Tipo: sala de informática, biblioteca com equipamento acessível para pessoas com deficiência visual, por exemplo, sala para ensinar Libras, Braille, a usar lupa e etc, comunicação alternativa e quetais - e com profissionais que existem para isso - os professores de educação especial, que há muitos, muitos anos tem ensinado conteúdos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! E tem muito professor de conteúdos escolares que encaminha, dá seu "diagnóstico" pra tal "sala de recursos" que de recursos fica a desejar. Mas precisamos modificar isso, é a tal mudança de olhar da e para a Educação Especial. Professora de conteúdos escolares precisa saber ensinar e bem, conhecer diferentes modos de atuação, estudar bastante. A professora de educação especial e a de conteúdos juntas, mas cada uma com diferente atuação. Como o estudante que não sabe Braille, e precisa saber, vai acompanhar os estudos com seus colegas na sala de aula? Tendo seu horário extra classe para aprender Braille, usar a máquina, reglete e etc.

Importante destacar que adequações arquitetônicas (edificações, mobiliários, materiais de apoio específicos para trazer a inclusão, como pranchas de comunicação etc) são fundamentais, mas não são matérias de ensino para quem vai dar aula, e demanda trabalho em equipe - escolas e profissionais como fisioterapeutas, psicólogos, arquitetos e outros tão importantes quanto.

Avaliação: a da escola precisa ser muito bem pensada. Mesmo quem opta por não fazer a avaliação de conteúdos tem que prestar muita atenção no desenvolvimento do estudante, fazer sempre anotações, sempre. Não sou contra a avaliação, mas que ela não seja padrãozona, padronizadora, sem considerar o desenvolvimento individual em relação ao conteúdo ensinado. Mas prefiro mesmo a avaliação individual, com anotações diárias. É mais justa e producente. Principalmente para a reflexão do professor quanto ao ensino.

Há um problema muito sério quanto à visão que se tem tido em relação ao que é Educação Especial. Tem gente achando que é o fim da educação especial etc e tal. Na verdade, pensar que professor de ensino de conteúdos tem que saber Libras, Braille, usar equipamentos específicos é temerário, porque se aposta numa coisa para dizer que somente após isso a inclusão acontecerá, o que é mentirinha. E mentirinha contada em cursos de graduação de professores. Claro que temos capacidade de aprender tudo isso, mas a inclusão não se dá após isso. E professor que se gradua em educação especial e se dedica a ensinar especificamente Braille, Libras etc, também não precisa aprender a ensinar conteúdos escolares, obrigatoriamente. É bom saber, conhecer, ter esta experiência para melhorar sua atuação, mas esperar conhecer tudo pra lá na frente fazer a "tal da inclusão", vai tempo. Parabéns aos profissionais que almejam inclusão total e irrestrita desde já. Mesmo achando que pouco sabem, seguem adiante em seu trabalho, enriquecendo a cada dia com novas experiências, fazendo com que a vida escolar das crianças seja rico, prazeroso.

Tem professor que "mata" a vontade inicial da criança em ir pra escola. Porque é tanta dificuldade que ela passa... Sua aposta sempre é a de que na escola vai APRENDER. Fico triste que só quando vejo professor reclamando de estudante, diagnosticando, fazendo juízos... E a criança? Quais serão seus sentimentos quando se vê num turbilhão de acontecimentos que muitas vezes não compreende? Sendo categorizada, colocada pra aprender conteúdos das salas longe dos seus colegas? Sofrendo o bolem a partir disto? E A CRIANÇA OU JOVEM? COMO ELE FICA COM ESSE AFÃ EM DIAGNÓSTICO? Como se sentem?Agora, como se sente uma criança ou jovem, na escola, quando em dificuldades pra compreender conteúdos, vê valorizados seus esforços, se vê diante de novas oportunidades, e vê que há coerência porque o professor tem o mesmo olhar em relação aos demais?

Estou eu aqui pensando na minha época de escola, quando tive uma puxa dificuldade pra aprender a ler, adoraria que a professora me desse oportunidades sem salientar meus erros. Não desse tanta ênfase ao que eu não conseguia, mas em seus atos me levasse a novos desafios e eu visse o mesmo em relação aos demais no mesmo pé: nem condecorar os estudantes conceito A, nem rebaixar os de conceito C ou D.

Com certeza? Na sala de aula, o conhecimento é constante e se dá em todos os momentos, a professora aprende a ensinar de diferentes modos. E tem desafios: se o estudante está com dificuldades em aprender os conteúdos, busca novas formas, usa recursos visuais, auditivos - grava aulas, filma as experiências e passa pra turma - quando não sabe, vai atrás. Não toma somente pra si todos os problemas, bem como não joga pra cima do estudante. Faz constante reflexões a respeito do seu trabalho.

A Inclusão é desde já. Mesmo sem rampa na escola, sem máquina Braille... E na verdade eu nem precisaria estar dando ênfase nisso agora, porque está escrito: o direito ao ensino na escola comum é para todos, sem senões, nem vírgulas nem reticências. Mas é bom deixar escrito direitinho, porque ainda hoje tem gente querendo o antigo, criança, jovem com deficiência estudando conteúdos em instituições ou salas especiais.

Aqui onde estou morando temporariamente (Brasiiiiiiiiiiiiil, que saudades do meu povo, das alegrias e tristezas, da vida, do trabalho, de falar com pessoas na minha língua pátria, de me expressar em Português...), quando cheguei, fiquei deslumbrada porque na primeira saída pra conhecer a city (Newcastle/Austrália), vi que todas as calçadas - TODAS - são rebaixadas, os semáforos - TODOS - sonoros, os ônibus - TODOS (ai, gente, cansei, TODOS em tudo, vai...) os ônibus rebaixam na frente na altura da calçada, os trens tem aparelho pra pessoa apertar o botão e ouvir próxima parada e tal.

Deslumbrada, mas nem tanto, porque veio aquele mau humorzinho meu: "ah, isso porque é centro, quero ver na periferia (que é bem diferente do que a gente entende por)". Que nada! Em todo lugar, mesmo Sydney, que tive a felicidade de conhecer, tem TUDO. Fiquei felizaça...Aqui é tudo limpo, a cidade é grande, tem ares de interiorzão, com poucos prédios altos, menos carros nas ruas como a gente costuma ver em cidades grandes. Aqui há uma preocupação do governo em manter esta "ordem" e promover a acessibilidade, bem como proteção ao meio ambiente, conscientização a respeito dos 3 Rs (Reduzir, Reutilizar, Reciclar, nesta ordem).
Uma coisa que achei hiper atraente: as pessoas, nos finais de semanas, vão aos parques públicos. Gentem, eles fazem barbecue (o churrasco deles, bem chinfrim, pra mim que sou filha de gaúchos, bah, tchê!), ficam o dia todo, e é parque mesmo, com gramado, rodeado de avenidas, carros passando etc e tal. Eles não querem nem saber, pegam seus cobertores, estendem na grama e chegam a dormir de "babar"...

Obviamente tem coisa chatérrima, mas não estou a fim de colocar aqui, porque é tudo o que uma brasileira não está acostumada, choques culturais, digamos assim, vá... Mas vale destacar as agruras a respeito da linguagem: muita gente boa, que tem paciência, speak slowly, please... Mas quando dá de pegarmos gente mal educada... É de chorar. É a mesma coisa quando se pensa na situação escolar, de um estudante com surdez no ambiente em que ninguém sabe Libras, a professora não tem a mínima vontade de aprender, nem andar com uma "colinha", nem promover atividades acessíveis, que, inclusive, a turma toda iria simplesmente a-m-a-r, além de promover uma aproximação maior entre todos. Bom, já comecei de novo...

Observei que aqui a acessibilidade é pra todos, pras pessoas com deficiência, idosos, gestantes etc e tal.

A Inclusão nas escolas, não posso afirmar em todas, me parece estar no mesmo pé que aí, uma vez que aqui também tem instituições... Minha filhinha está numa escola pública (aiiiiiiiiiiiii, gente, que show...), lá tem UMA menina com Síndrome de Down. Bom a escola é pequena, vai desde o que seria uma pré-escola pra cinco anos, até quarta série, uma sala de cada. Perguntei para uma mãe, quando fiz mais amizades, como era a questão de pessoas com deficiência nas escolas e ela me disse que só ia quem tinha o mínimo de condições. Ai, que bão que não dominava o inglês na época, senão ia eu me meter a falar...

No inicio do ano letivo, os pais preenchem um moooooooonte de papel e vem questões como se seu filho tem deficiências, necessidades especiais, se necessita de acompanhante, se tem outros profissionais de apoio como fonoaudiólogos etc. Achei show e tudo o mais.

A professora alfabetiza pelo método fonético, ela é superultra preparada pra isso. Profissional com atitudes profissionais o que pode passar como frieza ou algo negativo, mas ela faz seu trabalho hiper bem. Ela não se derrete em sorrisos para os pais, nem tem atitudes infantis ou infantilizadoras (qualquer dia, falo bastante sobre o que penso sobre isso). É que, penso, que a gente está acostumado com a "tia", aqui não tem nadica disso. O duro é quando a pessoa não tem preparo, acha que tem e não busca se informar, já acha que aprendeu tudo no curso de pedagogia, faz uns cursos aqui e ali pra melhorar pontuação pra salário... Lembrando também que quando os pais perguntam o método de alfabetização, tem como resposta "ah, uso de tudo um pouco" ou "ah, é Construtivismo". Aí se você pergunta, "ah, Emilia Ferreiro, Telma Weiz e tal?" E a resposta é "Ããã"???????

Aqui os pais são chamados REALMENTE a participar. Não é fake, brincadeira de faz-de-conta de diretor de escola. A professora faz até calendário para os pais que puderem estar na sala ajudando nos projetos. E em casa, de segunda a quinta (porque final de semana não tem lição) a gente "toma" leitura dos filhos e anota num caderno que ela manda, se leu bem, etc e tal. Gente, meus primeiros anos de escola tinha isso, minha mãe tomava tabuada, leitura em voz alta... hehehehehheehehehheheheh! Hoje, aí, noooossa, uma com medo de mandar lição porque vão considerá-la tradicionalista, outra, enche a turma de lição de casa, adorando ser tradicionalista, aquele monte, que enerva pais. Precisa equilíbrio nénão?

Aqui, os pais estão dentro da escola o tempo todo, mas de maneira organizada, claro né, não pode ficar atrapalhando, mas estão lá, trabalhando na cantina da escola, que funciona com alimentos doados pelos pais, vendendo os uniformes, participando do Conselho Escolar ATIVAMENTE. MESMO. SERIAMENTE. Quase que profissionalmente.

Os pais recebem uma graninha do governo, por filho, pra ajudar no material e uniforme, no primeiro trimestre. TODO material de escola é cedido, eles pedem pra quem puder ajudar, dar um dinheiro pros livros, pra ajudar a escola porque o dinheiro que recebem é curto, e isso a gente conhece aí.

Aqui, nas escolas e parques (alguns) tem trepa-trepa, escorregador, barra pra se pendurar, já vi até uma mini parede de escalada. A gente aboliu tudo isso aí, quando vemos em escolas ficamos logo pensando nos nossos pimpolhos que podem cair... Aqui, eles estimulam muito os filhos a subir e escalar. Se vocês acham que os pais ficam com os olhos super abertos, temerosos, "ai, vai cair...” Que nada, e é interessante, porque passa segurança pras crianças. E a bobalhona aqui quando a filhota (5 anos) começou a fazer o mesmo, ficou toda apavorada, com o tal do olhão etc... Na verdade, esqueci que quando era pequena, pulava o muro da Dona Maria e subia naquela baita mangueira e "roubava" manga até... Cara de pau, às vezes chupava lá em cima, essa é a verdade. Dona Maria me amava... Ai...

Tem uma coisa que achei um horror, mas acho que sou a única a achar isso: os casais recebem uns 2.000 dólares australianos (cerca de 1,70 reais o dólar) por filho que nasce. Eles estimulam isso, "vamos povoar isso aqui, gente". E toma filho. Tem feminista aqui falando pras paredes, porque a grana é boa... (gentem é minha opinião..).

Porque escrevi tanto assim... Ah... Por saudades mesmo...

O Brasil é o que há, gente!!!!!! Maravilhoso. E estamos caminhando muito bem, com garra, disposição pela Inclusão. Muuuuuuuuuuita gente boa...

Patrícia Kast Caminha é professora.
Descrição da imagem : foto de Doris Day como professora, na frente do quadro negro, do filme Teacher´s Pet

sábado, 24 de maio de 2008

Por uma educação especial


A diferença entre homens e mulheres é exatamente de um gene, existente apenas no homem, chamado TDF (em português, Fator Determinante de Testículos). No embrião do sexo masculino, o TDF se manifesta na sétima semana; até então, segundo os geneticistas, o embrião é "sexualmente indiferente".

O que isso quer dizer ? Que uma diferença genética deve mudar toda a forma como são tratados homens e mulheres, a começar na educação formal.

Afinal de contas, se tantas pessoas defendem uma educação diferenciada para pessoas com diferenças géneticas, por que não uma educação especial para mulheres? ou para homens? Certos estavam os nossos antepassados que defendiam escolas separadas por gênero. O que eles não sabiam é que também era necessária uma metodologia específica. Descoberta que revolucionará toda a pedagogia.

Proponho que a questão de gênero passe a ser contemplada pelas secretarias de educação especial em todos os níveis. Desde a definição de currículos (ou será que basta fazer adequações curriculares ?), passando pelas avaliações (o ENEM passaria a ter a versão ENEMM e a versão ENEMF, como as portas de banheiros) até chegar em terminalidades específicas para cada um dos lados. Homens poderão ir só até a livre docência, mulheres serão titulares (para que ninguém me acuse de machismo)

A didática deve ser toda reformada. A partir dessa definição precisamos que os pesquisadores desenvolvam cartilhas de alfabetização diferentes para machos e fêmeas. Isso vai gerar um boom do mercado editorial de livros didáticos, já imaginaram os lucros ?

Matemática para mulheres. Geografia para homens. Podemos segmentar também por etnias (não uso o termo raça porque acredito que somos todos da mesma raça, a humana). Química para mulheres negras deve ser diferente da química para mulheres caucasianas, afinal o projeto genoma vai provar, mais hora, menos hora, que existem diferenças, ainda que mínimas entre essas duas origens.

Pensando bem, as mulheres, caucasianas, também podem ter outras diferenças genéticas. Quem sabe um método de ensino de história para mulheres caucasianas de olhos verdes, diferente do que for usando para as que tem olhos castanhos ?

Claro, as mulheres caucasianas de olhos verdes, podem ter cabelos de cor diferente, nesse caso, mais uma especialização educacional. Se além de diferirem em gênero, etnia, cor dos olhos e de cabelos, elas podem ter pesos e alturas diferenciadas. Acho que vou abrir uma escola especial para mulheres caucasianas de olhos castanhos, cabelos ruivos, altas e de compleição mediana. Vai ser um sucesso.

A grande vantagem disso, é que se conseguirmos segmentar o bastante, teremos certeza de que todos os indivíduos daquele segmento poderão ser tratadas de maneira absolutamente homogênea. Não ? Podem existir formas diferentes de aprender mesmo entre os idênticos ?

Nesse caso, o limite da segmentação será uma didática e uma pedagogia para cada indivíduo, o que talvez transforme a produção de livros didáticos em algo inviável em termos de custos. Que pena.

Claro, que homogeneizar o que é heterogêneo é uma estupidez, isso é óbvio para qualquer educador, nem preciso me deter nessa questão. Acho que preciso pensar um pouco mais em como viabilizar esse ensino em meio à diversidade, será que seres tão constrastantes entre si conseguem aprender juntos num mesmo espaço educacional ?

Você tem razão, acho que a escola não tem futuro se não souber lidar com a questão da diversidade. Não vou ficar rico imprimindo livros didáticos especiais, nem vou conseguir público suficiente para minha escola de ruivas.

A menos que comecem rapidamente a clonar seres humanos.
Descrição da imagem : desenho de Homer Simpson junto a um monte de clones seus

quarta-feira, 21 de maio de 2008

A volta da palmatória

Existem momentos que eu não sei se choro de tristeza ou gargalho com as manifestações grotescas dos nossos governantes.

Como vocês todos sabem, nosso sistema de ensino (em todos os níveis) beira a perfeição. As escolas são modernas, os professores são régiamente remunerados e permanente qualificados. Isso, sem contar o fato de que desde a sua formação os professores contam com que existe de melhor no mundo. Não posso deixar de lembrar que os investimentos em educação são volumosos e crescem ano a ano.

Dentro dessa realidade, é óbvio que se os alunos vão mal nas avaliações nacionais, é porque são um bando de vagabundos e desleixados. E , justamente por serem assim, é que não funciona o sistema de progressão continuada, sabendo que vão passar de ano essas crianças maliciosas e mal intencionadas, propositadamente não aprendem nada do que a escola-maravilha lhes oferece.

Ou será que não é bem assim ? Ou será que a progressão continuada não funciona bem porque os governos não investem mais naqueles que tem maior dificuldade. Ou será que o problema não é de aprendizagem mas de ensinagem ? Afinal, quando olhamos para uma avaliação ela reflete a situação do aluno, mas também a qualidade da escola.

O nosso governador, deve acreditar piamente no absurdo que escrevi aí acima. Recentemente ele saiu em defesa do 'memorex' e prova, afinal ele concluiu que o problema do ensino é que é preciso instituir mais avaliações, aumentar as retenções (e, claro, com isso aumentar a evasão escolar....que só vai favorecer os que estudam em escolas "fortes" que vão ter menos competidores no mercado de trabalho), e excluir mais gente do sistema educacional (oba....vai sobrar mais dinheiro para construir pontes e túneis).

Mesmo porque, de acordo com a secretaria da educação, o problema das baixas avaliações do ensino publico é essa história de universalização da educação. É verdade, quando só as classes médias e alta podiam usufruir da escola pública, tudo parecia melhor. Deixaram os pobres entrar, e deu no que deu.

Podem ir se preparando, em breve deve ser enviado um projeto de lei para reinstituir a palmatória.... (professores, podem já começar sua qualificação em academias de musculação)

Descrição da imagem : uma gravura antiga de um professor chamando o aluno para receber os golpes da palmatória

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Um movimento sem proprietários


Toda relação política é uma relação de poder. Quem tem não quer largar, quem não tem fica o tempo todo tentando pegá-lo.

Não é diferente nos movimentos sociais. Alguns se julgam donos do movimento. Outros querem tomar o brinquedo dos outros.

O movimento pela Ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que culminou com uma expressiva votação a favor do mesmo, em primeiro turno, na Câmara Federal, mostrou dois lados dessa questão.

Um dos lados é daqueles que procuram se capitalizar com o resultado, como se fossem eles os únicos responsáveis pelo sucesso. São pessoas e organizações que se avocam a posse dos ideais inclusivos. Que fazem questão de auto citar nominalmente em todas as suas manifestações.

Acreditam que, com isso, vão garantir a liderança que acreditam ter. Certamente muitos serão candidatos a algum cargo público e usarão suas próprias notícias para mostrar como são paladinos da justiça e da liberdade.

Quando contrariados se tornam ferozes. No momento em que o movimento andou mais rápido que seus cronogramas alguns ficaram inconformados. Como se os direitos das pessoas só pudesse ser conquistado de acordo com as suas agendas.

Sem contar aqueles que depois de se calarem durante muito tempo apareceram de última hora, quando a vitória já parecia certa, e tentaram agarrar os louros. Heróis só aos seus próprios olhos.
No entanto, o movimento pela ratificação mostrou uma face muito mais valiosa para todos que participaram dela : o poder que existe na participação de todos, como indivíduos ou coletivos.

Espalhados pela internet e pelas calçadas, nos parques e nas feiras, centenas de indivíduos se mobilizaram. Coletaram assinaturas, mandaram mensagens e telefonaram para os deputados, provocaram a mídia, foram para o corpo a corpo com os parlamentares.

Descobriram que são cidadãos e, como tal, não podem ficar esperando que alguém faça alguma coisa por eles. Direitos são conquistados, não caem do céu.

Principalmente, mostraram aqueles que querem assumir a liderança na base da imposição, que esse também é um direito que se conquista com trabalho, não com discurso vazio ou com elogio em boca própria.

A luta não tem donos porque pessoas não têm donos. Esse é o espírito da convenção : que cada um seja valorizado como um ser humano pleno, autônomo e independente.

Luta que continua, temos mais um turno na Câmara e dois no Senado, depois começa a batalha diária para que as regras da Convenção sejam efetivamente implementadas.

Descrição da imagem : desenho mostrando o rosto de diversas pessoas diferentes

Vaticínios trissômicos


"O homem nasceu para aprender, aprender tanto quanto a vida lhe permita." João Guimarães Rosa, escritor mineiro (1908 - 1967)


Caríssimos e inominados coetâneos

Desde o Olimpo mégalo paulistano aqui vos fala o oráculo supremo da sabedoria para vos transmitir os insondáveis vaticínios trissômicos.

Não se permitam avaliar ou questionar nenhuma dessas recomendações sob pena de ofender o direito legítimo do proprietário de todas as verdades e fundamentos lejêunicos, além de apostatar do decálogo abúlico :

1. Utilizem sem nenhum critério e sem nenhum filtro de bom senso todas as recomendações que encontrarem nos livros ancestrais, nas páginas de internet, nas mensagens de pânico de e-mail, nas lendas virtuais. Experimentem, experimentem tudo , especialmente as coisas que não foram comprovadas cientificamente, se a ciência não acha respostas para seus questionamentos, ouse ir além da ciência. A vida é uma aventura e mais vale a satisfação de hoje que a expectativa do amanhã.

2. Busquem incessantemente todas as promessas de cura, minerais, vegetais, animais, xamânicas ou não, alopáticas, homeopáticas, idiossincráticas. Suplemente tudo aquilo que você acredita que deva ser suplementado. Essas histórias de hipervitaminose, de overdose, de efeitos colaterais não passam de delírios dos médicos que estão conspirando contra o desenvolvimento da indústria química.

3. Estimulem indefinidamente seus filhos, 4, 6, 8 horas por dia. Se a família for grande e puder se revezar para atingir o perfeito limite de 24 horas por dia, 7 dias por semana, estimulação é mais importante que sono. Não limitem a variedade de estímulos, todos são válidos e quanto mais misturados em termos de conceitos e aplicação, melhor, o segredo é nunca estar preso a uma filosofia e a nenhum modelo. Não seja teimoso e inflexível como soem agir esses iconoclastas.

4. Não aceite nada que não seja especial. Só compre chicletes especiais, só frequente cinemas que passem filmes especiais. Nunca, jamais, em tempo algum, cometa a heresia de ouvir uma música que não seja especial para crianças trissômicas.

5. Principalmente e, acima de todas as especialidades. Nunca permita que seu filho conviva com crianças defeituosas que possuem apenas 46 cromossomos. Esses subtipos de gênero humano podem provocar reações incomuns no seu filho e podem fazê-lo acreditar que existe um mundo lá fora. Fuja dos xiitas inclusivos, são uns nefelibatas, vendedores de ilusões, ao passarem ao lado de algum desses clame em alto e bom som "vade retro...."

6. Medicalize tudo que puder ser medicalizado. Se ele for mexer no computador que seja através de apoio terapêutico, se ele quiser olhar para o céu, que seja só através de lentes préviamente prescritas. Se você acha que essa recomendação contradiz o ítem 2, essa é a intenção, abuse de todos os serviços de saúde e não siga nada do que eles recomendam. Você é pai, você é mãe, só você realmente sabe o que é bom para o seu filho.

7. Não caiam na ilusão de que seus filhos possam ter deveres. Eles são especiais e só tem direitos. Resmungue a respeito de todos os direitos que eles precisam, desde que para isso você não precise se mobilizar para alcançá-los. Direitos precisam cair do céu ou da esplanada dos ministérios. Seja voraz. Queira sempre mais, mais, mais, mais, mais...

8. Nenhum direito é pequeno demais para ser recusado. Aceite as migalhas do poder e as esmolas da população. Aceite a caridade das instituições. Aceite a comiseração, a dó, a peninha....seu filho é diferente, merece tudo isso.

9. Não aceite nada que te ofenda (e sempre se ofenda, especialmente com a má utilização do ponto-e-vírgula e com a falta dos tremas). Queime os livros mal escritos, se possível junto com seus autores (se já estiverem mortos, exume-os para humilhá-los em praça pública), dilacere as revistas, mostre os raivosos dentes nas imagens de TV. Desconsidere que existiu história até o nascimento do seu filho. Nunca tente educar esses insensíveis apócrifos. Eles não merecem piedade nem educação. Só punição severa, exemplar e dolorosa.

10. Abandone todos os grupos, todas as associações (mesmo as ditas especiais), todas as comunidades. Esses lugares estão cheios de gente que adora dar palpite na sua vida. Pensar coletivamente é uma ilusão dos sociólogos. Ouvir os mais velhos é se coadunar à caduquice. Seja você mesmo, egocêntrico, individualista, seja um vencedor por conta própria. Gaste o máximo do seu tempo com as causas menos relevantes e jamais se envolva em movimentos que defendam o direito e a justiça para todos (isso é coisa de comunista que come criancinha, não de um moderno neoliberal globalizado competitivo como você)

Se você chegou até aqui, das duas uma, ou já chamou uma ambulância para mandar me internar (o que me remeterá a luta anti-manicomial), ou percebeu que o texto todo é uma enorme ironia (e, mesmo assim, vai me mandar internar também).

O que não significa que, nos últimos 10 anos (idade do meu filho) eu não tenha ouvido ou lido várias vezes recomendações não muito diferentes dessas. Não se surpreenda se você for um pai ou mãe recém chegado à comunidade de pessoas com deficiência, mas fica uma dica, pegue esses "10 mandamentos" e faça tudo ao contrário do que está escrito.

Não vai ser fácil, mas tenho certeza que seu filho estará muito bem preparado para ser um cidadão autônomo e independente.Também não se surpreenda com o fato de que muitas pessoas não vão ler o texto até o fim e já começarão o apedrejamento. É mais uma das lições que eu aprendi nos últimos tempos, muitas pessoas adoram a sublime arte do monólogo.

Descrição da imagem : gravura mostrando o encontro de Odisseu (Ulisses) com Tirésias, oráculo de Delfos.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Quem são os normais ?

A discussão semântica nas comunidades que lidam com pessoas com deficiência sempre é apaixonada. Algumas vezes chega a ser radical e rancorosa. Se de um lado temos os adeptos dos eufemismo ou, como preferem alguns, do politicamente correto, do outro temos aqueles que querem ressaltar as diferenças e as deficiências, seja como preconceito, seja como forma de chocar os outros.

Uma dessas discussões gira em torno do conceito da normalidade. Afinal de contas, o que exatamente significa ser normal ? Será que é normal ser diferente, ou é diferente ser normal? Será que o Caetano Veloso estava certo ao afirmar que “de perto, ninguém é normal” ?

A palavra normal vem do latim norma que era um esquadro usado por carpinteiros para traçar ângulos retos, em algumas línguas anglo-saxônicas continua tendo o sentido de perpendicular.

No campo da conduta humana, a diretriz de um comportamento socialmente estabelecido. Por isso, o adjetivo normal refere-se a tudo que seja permitido ou proibido no mundo humano, no mundo ético; e refere-se, também, a tudo que, no mundo da natureza, no mundo físico, ocorre, necessariamente, como descrito num enunciado físico. Anormal é a qualidade daquilo que se mostra contrário às concepções admitidas num dado momento histórico.

Quando olhamos para a questão da deficiência, o uso da palavra normal tem uma origem médica, baseada na ocorrência de determinadas patologias, logo, é uma visão estatística. Ora, uma distribuição normal é uma distribuição contínua que pode variar de mais a menos infinito, ou seja, qualquer ocorrência está debaixo de uma curva normal (já que a área debaixo da curva sempre corresponde a 100% das ocorrências). Pensando estatisticamente, não existe a anormalidade, o que existe são pontos mais próximos ou mais distantes da média.

A primeira definição mostra que é a sociedade (no aspecto ético ou no aspecto de teorização das leis físicas) quem determina os limites da normalidade. Na segunda, desaparece a exclusão, uma vez que todos são normais.

Neste sentido, desejo esclarecer o que entendo por diversidade, o que entendo por diferença e o que entendo por desigualdade. A diversidade faz referência à identificação da pessoa, por que cada um é como é, e não como gostaríamos que fosse. Esse reconhecimento é precisamente o que configura a dignidade humana. A diferença é a valoração (portanto, algo subjetivo) da diversidade, e é exatamente essa valoração que abriga várias manifestações, sejam de rejeição ou de reconhecimento. É a consideração da diversidade como valor.

Como nos diz Maturana, cada homem se diferencia singularmente de outro homem não por razões biológicas, mas sim por que há diferentes crenças, comportamentos e pontos de vista distintos. O respeito à diferença implica o reconhecimento de ser diferente, e a tolerância é o valor essencial de que a cultura da diversidade necessita.

Em uma sociedade sem exclusões sabe-se, desde o princípio, que as pessoas que participam têm diferenças cognitivas, afetivas e/ou sociais, de gênero, étnicas, culturais etc. Por isso, há que organizar a sociedade pensando-se nessas diferenças e não em pessoas hipotéticas. Uma organização cujo epicentro seja a diversidade e não a normalidade.

Viver na diversidade não se baseia, como pensam alguns, na adoção de medidas excepcionais para as pessoas com necessidades específicas, mas na adoção de um modelo de sociedade que facilite a vida de todas as pessoas em sua diversidade. Se isso não é entendido adequada e corretamente, corre-se o risco de confundir "adaptação à diversidade" (que supera a deficiência) com "adaptação à desigualdade" (que ressalta a deficiência).

A imagem é um cartoon de uma vaca de ponta cabeça em cima de uma árvore, perguntando para outra vaca que, no chão, olha assustada : "define normal" !