sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Férias coletivas


Vou tirar um mês de férias e, durante esse período os blogs não vão ter atualização

O que não significa que você não possa visitá-los e ler algum dos 1.021 textos espalhados pelos 4 blogs que eu publico





Como alguns engraçadinhos tentam usar a área de comentários dos blogs para mandar spam e eu não estarei aqui todo dia para lê-los, durante esse período os comentários serão moderados antes da publicação, quando voltar tiro a moderação.

Um abraço a todos e até a volta

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Me engana que eu gosto

Não passa uma semana em que não leia ou ouça alguém falando a respeito de incluir pessoas com a deficiência X ou Y na escola. O assunto passa por discussões em grupos, por teses de mestrado e doutorado e por infindáveis trabalhos de conclusão de curso (os TCC´s que aterrorizam nossos estudantes universitários).

Eu me lembro que nos primeiros anos do Samuel (meu filho que tem síndrome de Down) eu cheguei a flertar com essa idéia. Comecei a colecionar livros sobre matemática para crianças com SD, alfabetização para crianças com SD. Livros que, por sinal, eu nunca cheguei a usar e joguei todos fora em uma das minhas limpezas de biblioteca (não acreditava neles nem para encaminhar para outras pessoas).

Nunca usei porque, à medida que o Samuel avançava na escola, eu descobri que não existe uma coisa como matemática, português ou geografia para pessoas com síndrome de Down. A ortografia é a mesma para pessoas cegas, paraplégicas ou com síndrome de Down. Não existem tabuadas diferentes para surdos ou pessoas com autismo.

Da mesma forma que descobri que não existe um método pedagógico que atenda homogeneamente todas as pessoas que tem uma mesma deficiência. Meu filho aprendeu cedo a ler, o que não significa que todas as crianças com SD terão a mesma facilidade. Por outro lado, ele não tem a mesma habilidade visual, o que torna a geometria e as artes algo onde ele sempre sofre um pouco.

O que acontece é que os educadores acham que, da mesma forma como a educação é pasteurizada e homogênea para os alunos ditos "normais", devem existir métodos mágicos que resolvam todos os problemas educacionais daqueles que tem deficiência.

Esses educadores foram formados em escolas e universidades onde foram tratados como massa de pastel, não é para menos que repliquem o modelo. Chega a ser engraçado que, quando questionados sobre suas classes homogêneas, eles afirmem de pés juntos que não existem essas classes. Por outro lado ensinam, dão lição de casa e avaliam como se todos fossem idênticos.

A escola onde meu filho estuda teve outra aluna com SD (que saiu de lá porque a família mudou de cidade) e eles não demoraram mais que um mês para descobrir que o que tinham feito com o Samuel não servia para a outra menina. O estilo de aprendizagem das pessoas não está instalado no cromossomo 21.

Querer incluir pessoas por categorias é perpetuar o preconceito e a discriminação (preconceito e discriminação que. algumas vezes, são promovidos pelos próprios grupos excluídos). É alimentar a indústria de escolas segregadas, de livros especializados, de palestras pseudo-inclusivistas.

Enquanto escolas e educadores não perceberem que a inclusão é um assunto da educação, e não da educação das pessoas com deficiência, continuarão a trilhar o caminho errado. Educação inclusiva só existe se for boa para as pessoas com e sem deficiência, com e sem problemas sócio-econômicos, com e sem distúrbios, transtornos ou fragilidade social.

No momento que fizerem essa descoberta, certamente teremos mais gente discutindo educação de verdade e não essa nuvem de fumaça que temos hoje.

Descrição da imagem: história em quadrinhos onde dois meninos conversam. O primeiro diz: "Bolha, como é que você pode ser tão provinciano, reacionário, conservador e recalcado. Isso não te fazmal, não?". O segundo menino responde : "Não, eu tomo meus remédios" (na mão do segundo menino um frasco de pílulas de hipocrisia).
O Cartoon é de Benett

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A deficiência é uma vergonha

As notícias geralmente repetem um discurso muito parecido: "apesar da deficiência ele conseguiu fazer isso ou aquilo". "fulana supera suas limitações", "fulano trabalha como se fosse um funcionário normal"... e por aí vamos.

Que esse discurso parta de pessoas que acham normais e se surpreendam com as conquistas de pessoas com deficiência me incomoda, mas é compreensível. Afinal de contas elas não estão acostumadas com o fato de que alguém considerado subnormal tenha capacidade para realizar uma série de coisas.

O que incomoda mesmo é esse discurso na boca das pessoas com deficiência ou dos seus parentes.

Pessoas que se dizem convertidas ao credo da diversidade, que reclamam quando a diversidade não é respeitada, que xingam os leigos quando usam expressões como as que citei acima.

E são as mesmas pessoas que dariam a vida para não ser como são. Diversas.

Para elas a diversidade tem valor, mas poderia ter valor nos outros ou nos filhos dos outros, não nelas ou nas suas casas.

Pessoas que entendem que a única solução aceitável para a deficiência com as quais convivem é a busca incessante da cura (se achassem mesmo que a diversidade tem valor, para que curar?)

Pessoas que só vêem valor quando as pessoas com deficiência desempenham atividades que as iguale à normalidade em que acreditam.

Sim, são pessoas que acreditam que "deficiente bom é deficiente quase normal". Que se envergonham das suas deficiências.

Nunca vão lutar pela construção de um mundo que seja bom para todos. Acreditam que esse mundo já existe, e é o mundo dos normais.

Alguém pode me retrucar dizendo: "mas não é bom ter uma deficiência". E eu questionaria o por quê. A deficiência não faz parte da natureza daquela pessoa?

Se o objetivo é mudar a natureza das pessoas, eu poderia declarar (com o mesmo conceito) que não é bom ser negro, não é bom ser baixo, não é bom ser careca, portanto preciso "curar" essas pessoas para que elas sejam felizes.

Amanhã se comemora o dia internacional da pessoa com deficiência. Exatamente o que vamos comemorar? O reconhecimento da diversidade como valor, ou a conquista de normalidades?

Acompanhem o noticiário e depois me digam.

Descrição da imagem: foto de um homem de braços cruzados, com um saco de papel escondendo o seu rosto.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Mariazinha tomou pau no maternal

Mariazinha tem 4 anos e ontem sua mãe foi chamada pela diretora da escola para ser informada que a menina repetiu de ano e vai ter de fazer novamente o Maternal II.

Apesar da escola se dizer sócio-construtivista-interacional moderninha os professores e a coordenação, usando de métodos de avaliação que já preparam a criança desde a mais tenra idade para o vestibular da Fuvest, concluíram que ela não aprendeu todos os conteúdos para ser promovida ao jardim de infância.

Mariazinha não foi aprovada no teste de corre cotia uma vez que ela não conseguiu captar o conceito do que é um cipó, até porque na casa da sua avó não tem cipó nenhum. A mãe deu essa explicação, mas a coordenadora alegou que essa é uma visão freireana da educação, coisa de comunista.

Além disso, mesmo que desconsiderassem a questão do corre cotia, a escola concluiu que a petiz ainda não estava madura para mudar de ano, já que, apesar de saber o nome de todas as cores, ela se recusava a copiar uma tela de Kandinsky. A mãe perguntou quem era esse mas só recebeu um olhar de comiseração da coordenadora.

Segundo a escola, o Jardim I incluírá temas bem mais complexos, como o jogo de amarelinha, que demandará conhecimento de matemática complexa (contar até 10) e também de filosofia da religião (para distinguir entre o céu e o inferno).

A essa altura você deve estar em dúvida se meu texto se refere a esse blog mesmo, ou deveria estar publicado junto com as minhas Insanidades.

Sem dúvida é um absurdo, mas é um absurdo que está ocorrendo todos os dias em escolas espalhadas pelo país. Se a criança ainda tiver alguma deficiência a situação se agrava, pois a escola acha que quem vai resolver essa situação é o geneticista ou a fonoaudióloga da criança.

Geralmente em escolas que se dizem Vygotskyanas, sem nunca sequer terem passado perto de um texto do autor russo. Se tivessem lido alguma coisa saberiam que para Vygotsky é o próprio processo de aprender que gera e promove o desenvolvimento das estruturas mentais superiores.

Ou seja, a criança não precisa de desenvolver para aprender. Precisa aprender para se desenvolver.

Essas escolas não estão preocupadas em ensinar. Entregam uma inclusão de araque, ao exigirem que as crianças se preparem para a escola e não o contrário. Escolas que não querem questionar seus dogmas imortais. Nem enfrentar o preconceito que negam de pés juntos.

Essas mesmas escolas são as que estão preparando as crianças sem deficiência a serem cidadãos dos séculos XIX e XX com sua pedagogia caduca e seus métodos arqueológicos. Escolas assim mereceriam ser fechadas. Educadores assim, requalificados para outras profissões que não necessitem conhecimento do ser humano.

Para isso é necessário que os pais deixem de acreditar nesse tipo de absurdo e exijam educação de verdade para os seus filhos. Com ou sem deficiência.

Descrição da imagem: desenho de duas meninas brincando de amarelinha, um jogo de casas riscadas e numeradas no chão, cujo objetivo e pular os números e sair do inferno para chegar ao céu.

domingo, 22 de novembro de 2009

Xiita Convidada - A escada

Seminário: Acessibilidade no Patrimônio Histórico e Cultural
Organização: CREA-Bahia e Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia
Salvador, 19 de novembro de 2009
DIFICULTADORES ARQUITETÔNICOS E URBANÍSTICOS:
A ESCADA E O SEU PAPEL NO PATRIMÔNIO EDIFICADO

Arquiteta Flavia Boni Licht*

Muito mais do que uma questão de cadeira de rodas, a acessibilidade é a essência da arquitetura levada às últimas conseqüências. As pessoas não contemplam a arquitetura, mas criam o espaço com os seus movimentos, desde aqueles que se fazem numa cozinha até os de uma procissão saindo da catedral. Não há espaço arquitetônico sem pessoas. Sem elas o arquiteto apenas sonha. Essas são idéias que podem servir de pistas para pensar na arquitetura do passado, do presente e do futuro. Arquiteto DEMETRIO RIBEIRO

Ao aceitar o convite para falar neste seminário sobre o papel da escada no patrimônio edificado, me vi frente a uma encruzilhada. Um dos possíveis caminhos, talvez o mais simples, me levaria a trazer exemplos fotográficos de variadas escadas para debater como um único elemento presente nas edificações e nas cidades, históricas ou não, ao lado de sua função de articular espaços, pode ser gerador de dificuldades e de impossibilidades na vida das pessoas.

O outro trajeto – aquele que escolhi e que acredito ter sido a intenção dos organizadores deste evento – foi o de entender e trazer à nossa discussão a escada como materialização simbólica de um conjunto de conceitos que, da configuração do edifício à sua inserção no entorno urbano, passam pelo lugar que ocupa como possibilidade construtiva e aglutinador de usos, como gerador de imponência e valor desejado na busca de distanciamento, como definidor de itinerários e expressão de movimento e, aqui mais especialmente, como elemento de segregação e de exclusão.

Assim, inicio me socorrendo em segmentos da nossa história, talvez, mais especialmente, em segmentos da nossa história como construtores, que, atuando sobre o ambiente natural, deixamos ali os sinais do nosso conhecimento, das nossas crenças e, também, dos nossos preconceitos.

Então, tomando nossa civilização aos saltos, comecemos com os egípcios que, ao empilhar imensos blocos de pedra, encontraram nos degraus, a possibilidade de concretizar suas pirâmides. E não só externamente. No interior daqueles monumentos, o desejado repouso eterno do faraó foi protegido por complexos labirintos num intrincado jogo de níveis que se articulavam por meio de alguns ou de muitos degraus. Ou seja, as escadas se faziam presentes para guardar segredos e preservar tesouros, mas também para dificultar passagens e obstaculizar acessos.

Seguindo nossa viagem, chegamos à Grécia, onde a escada adquire um protagonismo inquestionável, pois o desejo de sentir-se o mais próximo dos deuses levou aquela civilização às alturas. Seja, por um lado, na escolha dos sítios para edificar seus monumentos mais simbólicos; seja, por outro, nos próprios templos dedicados às divindades, sempre construídos sobre plataformas elevadas precedidas por altos degraus. E como seus antecessores egípcios, também na Grécia as imponentes escadarias tornavam real o distanciamento pretendido entre alguns – poderosos e olímpicos, que chegavam até a desafiar limites entre deuses e homens – e outros tantos, certamente a maioria, o povo, os escravos. Isso no próprio “berço da democracia”, onde também aqueles que se distanciavam dos ideais definidos como da perfeição física eram sumariamente sacrificados.

Nos séculos seguintes, a busca da inacessibilidade para configurar proteção mantém-se presente nas fortificações amuralhadas, com muitos degraus para vencer terrenos íngremes. Esses mesmos degraus também possibilitaram ainda que os edifícios se descolassem do solo em locais menos salubres, quando a preocupação com a saúde pública começou a dar seus primeiros passos. E o caráter que ambicionava a distinção dos comuns e a expressão de majestade, separando do nível vulgar as casas mais nobres, encontra nas pomposas escadarias a formatação própria para se explicitar.

Concluindo esse rápido percurso, chegamos aos dias de hoje onde, mesmo com ideais distintos dos nossos antepassados, seguimos buscando as alturas, não mais empilhando apenas pedras para enterrar reis, mas sim completos espaços para todas as funções e usos do nosso cotidiano; não mais para chegar perto dos deuses, mas sim para rentabilizar os terrenos cada vez mais valorizados dos nossos centros urbanos. E chegamos aos dias de hoje também com uma variada herança de edificações e cidades, produto de diversas culturas, com múltiplas visões de mundo e de sociedade, com variadas representações estéticas e diferenciadas soluções construtivas, herança essa que nos cabe preservar e passar adiante, associando ao existente nossas habilitações e nossos valores.

O que antes era feito para segregar e dificultar, nos dias atuais, contrariamente, o que se quer é reunir e facilitar; o que antes era feito apenas para alguns, o que se quer hoje é que valha para todos. Pelo menos, é o que afirmam as cartas constitucionais da maioria dos países. Inclusive a do nosso.

Examinando, então, os impedimentos de mobilidade que criamos ao longo da história dos nossos ambientes edificados, acredito que podemos dizer, sem medo de errar, que conhecimento acumulado para superá-los não nos falta. Hoje, os desníveis históricos, antes vencidos apenas por conjuntos menores ou maiores de degraus, podem encontrar alternativas nas mesmas soluções desenvolvidas para resolver a verticalização mais contemporânea que gerou imensas distâncias da base ao topo das edificações e trouxe problemas de deslocamento para todos. Como consequência, rapidamente, disponibilizamos a nosso favor a tecnologia existente, criando opções mecânicas para vencer esses obstáculos e seguir nosso percurso ascensional, com menos conotações religiosas e reduzido esforço físico. E aqui mesmo, nesta cidade, temos um exemplo bastante representativo dessa conquista: o Elevador Lacerda, desde finais do século 19, estabelece um ponto de conexão entre os dois segmentos de Salvador afastados pela morfologia urbana e é impensável para a quase totalidade das pessoas vencer a pé a distância entre a cidade alta e a cidade baixa.

Claro está que, para toda essa mobilidade conquistada, apostamos na manutenção de um delírio sem qualquer olhar para a escassez energética que, atualmente, já começa a nos preocupar. Vale pensar no que seria de nós para viver, trabalhar, ir ao cinema, à escola, ao médico nos edifícios e cidades contemporâneas se alguém simplesmente apagasse a luz... Inúmeros andares a subir ou descer por escadas em qualquer edifício seriam uma relevante barreira para todos nós. Este colapso inimaginável é apenas parte das dificuldades vivenciadas cotidianamente por uma parcela significativa da população ao se deparar com um desnível no meio-fio sem rebaixo ou uma escadaria na entrada de um museu, por exemplo.

Chegamos, então, no que acredito mais fundamental para a nossa discussão:

§ Quais os valores que ainda nos levam a deixar sem solução um ou muitos degraus a marcar a entrada de um monumento, decidindo, de forma concreta, quem tem e quem não tem direito de ali entrar?
§ No que acreditamos ao elaborar leis e normas que se, por um lado, exigem acessibilidade em todos os espaços edificados contemporâneos, por outro, abrem exceções para os chamados bens patrimoniais?
§ A quem é dado o poder para tomar essas decisões?

E como o foco deste seminário é acessibilidade e patrimônio edificado, parece importante trazer alguns questionamentos direcionados ao significado dessas expressões. Acredito que, referindo-se à acessibilidade, estamos todos de acordo: independente da idade ou da condição física, a acessibilidade é o direito que todos devem ter de compreender um espaço, relacionar-se com os seus conteúdos e usar os seus elementos com autonomia e independência. Já na questão do patrimônio e de como ele deve ser mantido hoje para as futuras gerações, as posições se mantém controversas: alguns ainda defendem que qualquer bem só terá seu valor preservado se restabelecer a unidade da edificação do ponto de vista de sua concepção e legibilidade originais; outros, hoje em maior número, nos ensinam que as intervenções, incluindo novas destinações, serão bem-vindas se o objetivo for o de assegurar a sobrevivência dos monumentos.

Assim, de questionamento em questionamento, seguimos perguntando:

§ Como se define e quem define o estágio de integridade a ser mantido?
§ Qual o significado de ‘possibilitar intervenções para assegurar a vida de um monumento’?
§ O que entendemos por ‘vida de um monumento’?
§ Quais intervenções seriam aceitáveis?
§ Será que é possível respeitar o passado de uma edificação, desrespeitando os direitos das pessoas, selecionando com nossas decisões de restauro, quem pode ou não desfrutar de um patrimônio que é de todos?

E, talvez pior, isso pode ser feito com todo o amparo da legislação específica – caso da NBR 9050/2004 da ABNT, que abre exceções para os bens tombados, e da Instrução Normativa nº 01/2003 do IPHAN que as confirma.

João Filgueiras Lima, o respeitado e querido arquiteto Lelé, que enriqueceu com sua sensibilidade esta e tantas outras cidades brasileiras, nos indica um bom caminho a seguir. Nas suas memórias profissionais, aprendemos que certas coisas não estão escritas no manual, fazem parte da consciência crítica de cada um. Ou seja, podemos entender acessibilidade como questão de ética profissional, pois assumimos como compromisso que nosso trabalho deve ser sempre colocado a serviço da melhoria da qualidade de vida do homem.

Também na contramão das citadas decisões normativas e legais, o arquiteto Antonio Cravotto – representando a Comissão do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Uruguai, no 2º Seminário Ibero-americano de Promotores e Formadores em Acessibilidade ao Meio Físico, realizado em Montevidéu – já em 1990 apresentava um entendimento bem distinto:
em termos práticos, os bens patrimoniais só podem ser salvaguardados se usados apropriadamente no presente, se reabilitados para atender funções adequadas à sua natureza e conformação, o que vai desde a contemplação (no caso das ruínas) até as formas mais especializadas e complexas. Para tanto, todos esses bens serão necessariamente afetados por: modificações espaciais e estruturais; incorporação de elementos, dispositivos, sistemas e redes técnicas; inclusão de equipamentos e de sinalização. Essas intervenções não possuem justificativa nem melhor nem diferente das originadas pela eliminação das barreiras para pessoas com deficiência. [...]

Para tanto, recomendo uma ‘regra de ouro’ orientadora, que os ‘técnicos’ rotineiros e pouco imaginativos – os quais, desgraçadamente, abundam – considerarão seguramente vaga e pouco prática: ‘respeitar o homem e respeitar suas obras’.

Então, com o apoio das palavras do professor Cravotto, podemos voltar ao foco do nosso tema e examinar o tombamento e o posterior restauro de uma residência significativa de qualquer uma de nossas cidades. Vencidos todos os procedimentos legais, o bem é tombado e, para possibilitar a sua sobrevivência, transformado, de imediato, em sede de alguma instituição cultural, ou seja, já foi aprovado sem discussões um novo uso para a edificação; os projetos e as obras, referendando essa mudança, indicam e executam modificações em planta, alteram redes e inserem equipamentos exigidos pela segurança e conforto contemporâneos, renovam rebocos, pintam alvenarias, trocam vidros quebrados e madeiras atacadas por cupins, derrubam árvores do jardim para criar estacionamentos, retocam ou refazem pinturas murais, substituem o mobiliário residencial pelo institucional.

Cabe, assim, perguntar: o que sobrou de original? Apenas a entrada principal, marcada por uma intocada escadaria – claro que depois de polidos seus mármores ou seus bronzes... E se alguém se aventurar a discutir o obstáculo representado por aqueles degraus e a necessidade de encontrar soluções para fazer daquela entrada o acesso principal para todos, já sabemos que a resposta será instantânea e praticamente uníssona: ah, nisso não dá pra tocar, pois, além de caro (e o custo torna-se, instantânea e magicamente, um impedimento decisivo) qualquer interferência na fachada vai desvirtuar as referências históricas desse bem tombado!

Há mais de vinte anos, o arquiteto I. M. Pei foi chamado a intervir num dos inquestionáveis patrimônios da humanidade, o Museu do Louvre. Feito jóia rara, sua pirâmide em aço e vidro define o novo e monumental acesso para aquele igualmente monumental conjunto. Dominando o espaço interno lá está, como um imenso grupo escultórico, a fusão entre elevador e escada, a incorporação do movimento livre à estrutura estática, provando que há possibilidade de tornar acessível a todos um bem histórico e cultural sem desqualificá-lo; provando que temos capacitação, criatividade e audácia. Talvez nos falte apenas aceitar a necessidade de desmontar os resultados da nossa cultura excludente, mudando a direção do nosso olhar para, rompendo hábitos e costumes, tomar a decisão definitiva de abrir os espaços para todos.

Temos pela frente um grande desafio, mas também uma oportunidade rara de reunir o importante passado expresso pelos bens patrimoniais edificados à visão contemporânea de respeito ao diverso que nos brinda a acessibilidade, para repensar o que queremos que fique como nossa herança. Para tanto, inicialmente, teremos que, “acessíveis” e “patrimoniáveis”, nos despir das nossas carapaças ortodoxas para estabelecer um diálogo franco que compatibilize conceitos, encontre identidades, equilibre posições e construa circunstâncias sempre, como nos iluminou o mestre Cravotto, na direção do respeito ao homem e às suas obras.

* Flavia Boni Licht - Arquiteta, especialista em acessibilidade e representante titular do IAB-RS na Comissão Permanente de Acessibilidade de Porto Alegre.

Descrição da imagem : Gravura do pintor M.C.Escher, denominada "Subindo e descendo", onde aparece um edifício com escadas em todas as direções e pessoas sem face caminhando nas mesmas.

sábado, 21 de novembro de 2009

Olhares doloridos

Um soco na boca do estômago. Aliás, um não, seis socos em seguida na boca do estômago nos últimos dois dias. Alguns deles bem doloridos, diga-se de passagem.

O mais incrível é que o responsável por esses golpes é pequeno e fino. Um livrinho de pouco mais de 100 páginas, escrito por um ex-professor de faculdade que eu reencontrei nos caminhos inclusivos.

Não é um livro sobre inclusão. Não daqueles livros acadêmicos ou apologéticos sobre o tema. É um livro sobre a ilusão da normalidade, sobre a expectativa da normalidade, sobre os males que a imposição da normalidade provoca.

São seis contos. Nenhum deles com uma temática inédita. Variam do cotidiano de um adolescente, cenas burocráticas de escritório, relacionamentos pessoais. Mas cada uma dessas situações vista por uma óptica em que, apesar do autor chamar de plausível, é muito diferente do que estamos acostumados a ler.

Mais do que isso, é muito diferente da nossa forma de olhar o mundo. Até porque, o que exatamente é ser diferente? Confrontar o status quo? Se isolar em mundos imaginários? Vestir máscaras provisórias ou permanentes? E o que exatamente significa ser normal?

O livro se chama "Olhares plausíveis", o autor Gregório Bacic (diretor do programa Provocações, dentre muitos outros atributos do seu currículo), cuja a leitura eu recomendo só aqueles que estão dispostos a enfrentar seus próprios valores e preconceitos.

Os que preferem continuar em busca da normalização das pessoas e do mundo devem ficar longe dos textos do Gregório.

Descrição da imagem: reprodução da capa do livro, uma série de traços em tons de amarelo e laranja e, entre eles, se vê um pedaço de um rosto com dois canudinhos.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Um mundo de Geisys

Muito se falou (e ainda se falará), sobre o caso da moça que foi expulsa da universidade (cujo nome não merece menção) depois de ser vítima de assédio moral e, não fosse a intervenção da polícia teria sido vítima de agressão ou, até mesmo, de abuso sexual.

O assunto já foi muito analisado e discutido em diversos fóruns, não vou entrar nesse debate.

O ponto ao qual quero me ater é o seguinte: a moça foi condenada por ser vítima, ou seja, duplamente agredida, num primeiro momento pelos colegas, no segundo por uma instituição que preferiu se livrar de um problema a resolvê-lo. Pior, alegou questões de valores e de ética para detonar com qualquer hipótese de respeito ao direitos humanos.

O que aconteceu com a Geisy chamou a atenção pela cobertura dada pela mídia ao caso. Mas não é nenhuma novidade. Acontece todos os dias com as pessoas com deficiência que são condenadas por terem características que incomodam os demais.

Todos os dias, crianças com deficiência são recusadas ou convidadas a se retirar de escolas, porque não são compatíveis com os valores que essas mesmas escolas dizem ter. Escolas que preferem culpá-las por suas deficiências do que tentar entender a atender a diversidade.

Todos os dias, colegas e pais de colegas preconceituosos assediam as escolas (especialmente as particulares) reclamando da presença de pessoas com deficiência nas suas salas. Todos os dias, escolas aceitam a pressão desses mesmos colegas e pais (em nome do dinheiro que eles pagam, é claro, assim como foi o caso da menina da universidade).

Todos os dias pessoas com deficiência são expulsas (ou recusadas) de ônibus cujos motoristas não querem perder tempo abaixando e levantando plataformas. Todos os dias passageiros sem deficiência comemoram o tempo que não perderam para as pessoas com deficiência embarcarem.

Todos os dias pessoas com deficiência são eliminadas de processos de recrutamento e seleção porque são culpadas das empresas não terem acessibilidade física, de comunicação ou, pelo simples fato de que os possíveis colegas de trabalho não vão se adaptar à presença delas no ambiente de trabalho (lugares onde vemos muito valores como solidariedade, colaboração, respeito, não é mesmo?).

Todos os dias pessoas são expulsas do acesso à cultura, à comunicação, ao lazer. São culpadas por não enxergar, ouvir ou compreender os valores distribuídos nesses canais.

A mídia, os blogs, os políticos, os poderes públicos estão se mobilizando pela Geisy e contra o que significou a atitude da escola.

Será que alguma hora vão se lembrar das demais 24,5 milhões de Geisys que temos espalhadas pelo país?

Descrição da imagem: gravura de uma multidão promovendo o linchamento e enforcamento de um homem negro.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Filhos, esses enjeitados

Por que alguém (no caso, alguéns) coloca um filho no mundo? Claro, muitos nascem, alegadamente, por descuido, como se as pessoas não soubessem exatamente como se dá o processo de produção.

Mas, pensando nos filhos gerados intencionalmente, eu já ouvi as mais diversas explicações.

Alguns alegam que os filhos são a reafirmação dos sonhos e de ver neles realizado tudo aquilo que um dia sonharam para si mesmos. Ou seja, não passam de instrumentos para manobrar suas próprias carências psicológicas.

Outro argumento sujeito as críticas é o da necessidade de satisfação do instinto materno: a recusa de uma mulher em procriar é vista quase que como uma ofensa social. Nesse caso a pressão social é um componente significativo. Alguns os têm por questões de sobrevivência econômica, acreditando que os filhos serão o suporte para a velhice. De novo, um argumento egoísta e, na maioria das vezes, falaz.

Existem casos de filhos que foram usados como possível amarra para casamentos falidos. Os pedantes alegam questões antropológicas de preservação da espécie. A psicologia de cozinha garante que é só para ter uma boneca de verdade para se brincar.

Nenhuma das explicações que eu li indicaram que alguém faça filhos pensando neles. Aliás, os que pensam no futuro das crianças são os que mais relutam em tê-los. A questão em que poucos costumam lembrar é a de que filho dá trabalho. E, cá entre nós, ninguém está muito a fim de trabalhar.

Os bichinhos precisam comer, são carentes de atenção, não poucas vezes ficam doentes. Para completar, uma hora tem de ir para a escola.

Esse é o momento em que os pais acham a sua tábua de salvação. Finalmente encontram um lugar para terceirizar as crias. E a escola que dê conta de fazer tudo aquilo que eles, pais, não estão dispostos a investir seu tempo.

O que é apenas mais uma demonstração do egoísmo original. Filho é ótimo, desde que não atrapalhe a minha individualidade, que não tome o tempo que eu poderia estar usando em atividades mais prazeirosas.

Se a situação já não é boa para os filhos em geral, piora muito quando o filho tem alguma deficiência. Aí é que os pais querem mesmo é se safar deles (claro, nem todos são tão cruéis a ponto de descartá-los), o trabalho é maior, o investimento de tempo muito maior, a necessidade de atenção é imensa.

Por isso não é nada surpreendente que tantos pais sejam contrários à inclusão de seus filhos em escolas comuns. Preferem se livrar deles das 7 às 18h largando em qualquer lugar que prometa que vai tomar conta deles, ainda que esses mesmos lugares não façam das crianças seres humanos de verdade. Jogam os filhos em depósitos de crianças com deficiência e, se pudessem, nem voltariam lá para buscá-las.

Preparar esses filhos para o mundo vai dar muito trabalho, até porque não vai ser tarefa exclusiva da escola comum, vai precisar do envolvimento deles, pais, que não tiveram filhos para ter esse tipo de compromisso.

O pior é que outros pais em cargos políticos estimulam essa lógica. Primeiro porque estão de olho nos votos dos pais insatisfeitos, depois porque muitos deles são, eles mesmos, os beneficiários dos sistemas de exclusão e segregação. O poder adora tutelar pessoas.

Os pais que querem criar seus filhos como seres humanos são chamados de loucos, radicais e até de xiitas.

Essa lógica perversa só muda quando a sociedade quer, só muda se os pais se mexerem para isso. Aí a escola se prepara, os professores se preparam, o mundo muda.

Descrição da imagem: foto de uma multidão numa manifestação política de defesa de direitos civis

domingo, 1 de novembro de 2009

Procrastinações públicas em comunicação para pessoas com deficiência

Me pediram para falar a respeito de políticas públicas, em especial as referentes à comunicação para pessoas com deficiência. Por isso, antes de mais nada. fui pesquisar para entender o que são, ou deveriam ser, essas tais de políticas.

Descobri alguns conceitos interessantes. Que políticas públicas se fazem através de projetos transdisciplinares, uma vez que envolvem a ciência política e também a administração.

Que elas existem para a garantia dos direitos sociais, que visam a resolução de conflitos em torno da alocação de bens e recursos públicos para atender o maior número de beneficiários possível.

Existem diferenças entre decisões políticas e políticas públicas. Nem toda decisão política chega a ser uma política pública. Decisão política é uma escolha dentre um leque de alternativas, já política pública, que engloba também a decisão política, pode ser entendida como sendo um nexo entre a teoria e a ação. Esta última está relacionada com questões de liberdade e igualdade, ao direito à satisfação das necessidades básicas, como emprego, educação, saúde, habitação, acesso à terra, meio ambiente, transporte etc.

Em tese tudo parece ser muito bonito. Exceto pelo fato que, não só na área de comunicações (mas de educação, da cultura, da saúde) as políticas públicas têm sido regidas pelos interesses da iniciativa privada e quase nunca no interesse público. Por isso prefiro chamar a minha fala de procrastinações públicas e, caso você não conheça o verbo procrastinar, ele significa a técnica sofisticada do que popularmente conhecemos como empurrar com a barriga.

O que não deixa de ser curioso, uma vez que, quando nos debruçamos sobre os aspectos puramente capitalistas desses problemas notamos que, em que pese o natural aumento de custos que essas políticas públicas podem criar para as empresas privadas, elas também trazem no seu bojo uma abertura de mercado de consumo que elas parecem não considerar que existe.

Peguemos um caso específico ligado à área das comunicações, uma vez que esse é tema desse encontro.

Em 27 de junho de 2006, através da portaria 310, o Ministério das Comunicações estabeleceu os recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência a serem implantados pelos transmissores de radiodifusão (que, por sinal, são concessões públicas).

Os recursos que deveriam ser implantados num prazo de 2 anos seriam a audiodescrição, a janela de LIBRAS e a legenda oculta (closed caption). No caso da audiodescrição isso implicaria na transmissão de 2 horas de programação diária com o recurso (a programação integral só teria audiodescrição depois de 11 anos).

Um dia antes da entrada em vigor do serviço. O Ministério da Comunicações adiou o prazo por mais 30 dias sob alegação da Abert que não teriam tempo para implantar o recurso. Claro, como costuma acontecer nesse país, os dois anos só serviram para esperar o prazo vencer. Depois foi colocado um novo prazo de mais 90 dias.

E depois de 2 anos e 3 meses...e Ministério abriu uma nova consulta pública a respeito. Pior uma consulta pública sem recursos de acessibilidade para uma das partes interessadas no tema. Claro que com objetivos meramente protelatórios, uma vez que úma consulta pública já tinha sido para embasar a portaria 310.

Claro que esse tipo de adiamento eterno atende apenas os interesses das empresas de radiodifusão.

No Brasil, segundo dados do IBGE, existem pelo menos 24,6 milhões de pessoas com alguma deficiência, sendo que 16,6 milhões (quase 70%) têm limitações visuais, são cegos ou possuem baixa visão. Só dois estados do Brasil tem população maior que essa (SP & MG) é o equivalente de toda a população do Chile. Dos 200 países do mundo, só 1/4 deles tem população maior que essa.

Portanto, o que acontece quando as empresas de radiodifusão, negam a essa parcela da população o direito de acesso aos seus programas

1. Contrariam toda noção de direitos humanos e de direitos constitucionais (art 227 $1, II) de acesso universal de bens e serviços. O que não deixa de ser curioso quando essas mesmas empresas gritam tão alto quando são atingidas naquilo que entendem ser seus direitos.

Pior, contraria a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, recém aprovada com status contitucional. O Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008, conforme o procedimento do § 3º do art. 5º da Constituição, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, e o Decreto nº6.949/2009, que a promulgou.

2. Contraria todo o discurso de responsabilidade de social que arrotam nas suas programações. O que confirma a desconfiança de que, no modelo assistencialista fiscal em que vivemos, responsabilidade social só interessa quando carrega junto algum benefício fiscal.

3. Contrariam o direito democrático de acesso à informação, o que configura censura velada ou pior ainda, um modelo ideológico que pretende manter essas pessoas alienadas da sua cidadania (um modelo alías que interessa muito aqueles que exploram economicamente a tutela das pessoas com deficiência.

4. Contraria os interesses mercadológicos das próprias empresas que estão abrindo mão de um mercado de consumo imenso. Quando vemos uma empresa como a Natura colocando audiodescrição nas suas peças publicitárias, podem ter certeza que não é para ser só simpática com os cegos.

Enquanto as empresas de comunicação não perceberem o que estão perdendo ao patrocinar a exclusão, elas vão ficar se escondendo atrás de pseudo questões financeiras e tecnológicas. Cabe ao poder público efetivamente atender o interesse do que é de todos e não só de alguns.

A menos, é claro, que o poder público tenha como meta manter o apartheid em que nos encontramos hoje.

*Esse texto foi o que serviu de base para a minha palestra no Seminário Internacional Comunicação & Exclusão, promovido pelo Instituto MID e pelo SESC Vila Mariana, em Outubro de 2009

Descrição da imagem: um homem com cara sonolenta, lê na porta da Associação dos Procrastinadores Anônimos o seguinte aviso: Reunião de hoje à noite foi adiada e será remarcada.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Especiais, ordinários e outras exclusões

Vocês não conseguem imaginar como eu adoro esse mundo da inclusão, um mundo de fraternidade e de desprendimento das pessoas.

Gente que se preocupa com cada um dos grupos que, historicamente, foi segregado ou desprezado na sociedade.

Aliás, se preocupam tanto que se dedicam a criar programas, atividades e eventos para promover essa tal de inclusão.

São tão específicos e perfeccionistas que eu sou obrigado a reconhecer minha incapacidade cognitiva em compreendê-los. Peço ajuda aos amigos.

Por exemplo: eu recebi um convite para uma festa "inclusiva" para adultos especiais (seja lá o que signifique essa palavra).

Os especiais podem levar acompanhantes ordinários (afinal, esse é o antônimo de especial), mas eles ficarão em ambientes separados, para que cada grupo se socialize entre supostamente iguais.

Muito inclusiva a proposta.

Mas não foi só essa que eu ouvi essa semana, a outra é um congresso para surdos negros, que é uma pérola rara de inclusão.

Alguém poderia alegar que, pelo menos, os surdos estão incluindo os negros, ou que os negros estão incluindo os surdos.

Nem uma coisa, nem outra. No momento em que criam um congresso tão específico o que eles estão fazendo é justamente se dividir, e jogar o outro num canto qualquer.

Um negro surdo é menos negro? Um surdo negro é mais ou menos surdo que um surdo de outra etnia?

Apesar de não ser nem negro, nem surdo, fui me informar mais a respeito. Deveria ter ficado quieto para não me aborrecer.

O site está repleto de imagens e de programação em flash (afinal, é para surdos e não para cegos).

A ficha de inscrição está em LIBRAS, portanto surdos usuários da língua portuguesa não podem se inscrever, eles que esperem o congresso dos negros surdos oralizados.

O caminho para inclusão continua sendo bloqueado pelos grupos de excluídos, muito mais do que pelo resto da população.

Enquanto as pessoas com deficiência preferirem se congregar em guetos vai ser muito difícil convencer o resto do mundo que a inclusão é algo bom para todo mundo.

Ah...e antes que alguém tente me explicar a lógica desse apartheid contemporâneo eu peço encarecidamente que me poupe desse trabalho.

Descrição da imagem: foto de um rosto de mulher com lágrimas escorrendo pelos olhos

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

De filho para pai

Pai

Eu sei que você está em estado de choque. Mal eu acabei de nascer e vieram te contar que eu tenho um nome diferente daquele que você me deu. Eu ouvi o médico falando que eu sou Down. Não sei bem o que é isso, mas percebi que não é bom. Você e a mamãe choraram muito e ainda estão com cara de velório.

Eu estive me olhando e não encontrei nada que parecesse estranho. Não tenho antenas nem parafusos. Mas todo mundo que entra no quarto me olha com cara de espanto e, para vocês com cara de pena.
Tenho certeza que esse momento vai passar e vocês vão me tratar como qualquer outro filho, mas eu fiquei preocupado com algumas coisas que eu ouvi, por isso achei melhor te escrever antes que seja tarde.

Disseram que eu não vou conseguir fazer um monte de coisas. Como é que tem a coragem de falar isso? Eu não tenho nem um dia de vida e já estão me condenando? Pai, não acredite em ninguém. Mas acredite em mim. Tenho certeza que, se você e a mamãe confiarem que eu vou fazer de tudo, vocês vão me ajudar em cada conquista.

Pai. Se eu demorar um pouco mais para fazer as coisas que as outras crianças fazem, não fique ansioso, isso só piora a situação. Brinque bastante comigo, deixe eu tentar fazer de tudo. Me dê a mão quando eu precisar, mas não me impeça de aprender e conseguir.

Também ouvi um doutor geneti-qualquer-coisa te dizer que você deve procurar umas entidades excepcionais, que eu vou precisar ir para uma escola especial. Pelo que eu entendi, são lugares onde pessoas que nasceram com alguma coisa diferente vão. Até parece bonito, mas isso quer dizer que não vão deixar eu brincar com crianças de todos os tipos? Que eu não vou poder aprender nada além de convivência social?

Gostei daquele casal que veio aqui com a menininha que também tem a tal da síndrome que eu tenho. Aquele que falou que ela vai numa escola escola. Você reparou que ela veio ler o meu nome na pulseira da maternidade? É verdade, ela não sabia o que queria dizer RN. Mas os pais dela explicaram direitinho.

Eu sei que, se você acreditar em mim, e me mandar para uma escola comum, você e a mamãe vão ter mais trabalho. Em compensação, eu vou ter a chance de ser um adulto de verdade no futuro e não um peso que vocês tenham de carregar para o resto da vida. Não é melhor dar trabalho agora no começo?

Dizem também que você terão de enfrentar pessoas mal educadas e preconceituosas. Mas você não me defenderiam de qualquer forma se eu não tivesse o que tenho?

Além do que, você sabe que filhos, normalmente, vivem além dos pais. Se vocês não pensarem nisso agora, o que acontecerá comigo quando vocês partirem?

Pai. Eu acredito e confio em você e na mamãe. Tudo que eu preciso é que vocês tenham essa mesma confiança em mim.

Beijos do seu mais novo filho.

Descrição de imagem : foto de um bebê com síndrome de Down no colo da mãe.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Nenhuma disposição em contrário

De todos os artigos da Resolução Nº4 de 24 de setembro de 2009, o mais importante é o Art 14 que diz: "....revogam-se as disposições em contrário".

(para ser lido como num jogral)

Todo ser humano, é humano

Revogam-se as disposições em contrário

Toda criança é um ser humano

Revogam-se as disposições em contrário

Direitos inalienáveis não são opcionais

Revogam-se as disposições em contrário

Educação é um direito inalienável

Revogam-se as disposições em contrário

Todas as crianças são humanas, e iguais em direitos a todos os outros

Revogam-se as disposições em contrário

As diferenças não diminuem a humanidade de nenhuma criança

Revogam-se as disposições em contrário

Toda criança na escola, escola para todas as crianças

Revogam-se as disposições em contrário

Nenhuma criança pode ser separada de outras crianças

Revogam-se as disposições em contrário

Acesso, permanência e qualidade

Revogam-se as disposições em contrário

Descrição da imagem: desenho de um adulto (professor) com crianças coloridas, sem uma, uma criança com deficiência.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sexo sem nexo*

Eu sempre achei que educação sexual era uma questão familiar. Ou, pelo menos, deveria ser.

De fato não é o que acontece. Décadas depois da revolução sexual o assunto ainda é tabu para muitas famílias e, claro, o aprendizado continua sendo pelas formas mais distorcidas possíveis, a começar da pornografia disponível em todas as mídias.

Para compensar a falta de informação em casa, as escolas têm tentado suprir essa lacuna, com o objetivo de reduzir os índices de gravidez precoce e alertar sobre as doenças sexualmente transmissíveis. Como a informação está disponível para as crianças cada vez mais cedo, esse conteúdo aparece nos livros escolares de forma precoce.

O que não deixa de ser louvável, especialmente em tempos que os abusos sexuais são tão presentes na nossa sociedade.

Outro dia, ao ajudar o meu filho de 10 anos no seu estudo de ciências, descobri que o tema surgira antes do que eu esperava. Não era exatamente um problema, até porque eu nunca lidei com o assunto a partir dos mitos e lendas da cegonha, nem enfeitei com as abelhinhas e as florzinhas

Em compensação eu fiz uma descoberta bastante original. A escola tenta ensinar educação sexual, sem falar de sexo. Acompanhem a lógica da matéria.

O primeiro ponto falava a respeito dos aparelhos reprodutores masculino e feminino. Explicava as partes do corpo de cada um e, também, a produção de espermatozóides, a ejaculação, o caminho que o óvulo faz do ovário até o útero.

Nas páginas seguintes explicava que o óvulo quando encontra o espermatozóide gera um feto. E a matéria seguia pelo desenvolvimento no bebê no útero.

Mas onde estava a explicação de como é que o espermatozóide chega no óvulo? É por obra do Espírito Santo?

Pior, depois disso, o livro começava a dar exemplos de métodos anticoncepcionais. Camisinha para os meninos e pílula para as meninas.

Para que diabos serve uma camisinha se ninguém explicou o que era uma relação sexual? Para que retardar a ida do óvulo para o útero se ninguém conta o que acontece por lá?

Eu fiz alguma dessas perguntas para o meu filho, supondo que, talvez, a professora tivesse dado a explicação. Ele não fazia a menor idéia.

Ou seja, a idéia de ensinar educação sexual é bem moderninha, desde que não se fale em relações sexuais.

Como é que se espera que as crianças entendam o processo todo? Ou será por conta da imaginação de cada um, ou será, de novo, pelos caminhos tortos.

Antes que isso aconteça eu mesmo expliquei como é que a coisa toda funciona. Ele entendeu, depois me explicou o que tinha entendido (corretamente).

Ato contínuo, ele perguntou se podia ir jogar bolinha de gude. O que, de fato, interessa mais um menino de 10 anos.

Descrição de imagem : foto ampliada de um espermatozóide fecundando um óvulo.

*O título desse texto saiu de um comentário do Rubens Pires Osório (filho) num texto semelhante que publiquei no Mens Insana

domingo, 27 de setembro de 2009

Manifesto Contra o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

No projeto de lei que prevê a criação do Estatuto da Pessoa com Deficiência estão inseridos programas, serviços, atividades e benefícios, muitos deles ainda concebidos através de uma visão assistencialista e paternalista e por vezes até autoritária em relação às pessoas com deficiência.

Isto porque muitos ainda nos veem como objeto de caridade, como incapazes e sem direito de fazer nossas próprias escolhas, tomar decisões e assumir o controle de nossas vidas.

Este projeto de lei, resultado de consultas públicas ao longo de alguns anos, como dizem seus defensores, altera a legislação vigente nos eixos da educação, saúde, trabalho, transportes e outros, enfim, altera as leis que hoje cunham as políticas públicas em todas as esferas de governo: federal, estadual, municipal e distrital.

Sabemos que vários interesses conflitantes permeiam cada um dos temas tratados no Estatuto. São interesses políticos, econômicos e corporativos que não representam as atuais conquistas do movimento das pessoas com deficiência.

Dizer que o Estatuto é inevitável e por isso temos que colaborar para que o seu texto seja menos ruim, é negar anos de luta do Movimento das Pessoas com Deficiência que desde 1981 - Ano Internacional das Pessoas Deficientes - começou a exigir "participação plena e igualdade de oportunidades". De lá para cá muitas ações reforçaram esta exigência. Nosso Movimento foi autor de alguns artigos da Constituição Federal de 1988 e conseguiu aprovar e barrar inúmeras leis.

O Estatuto é uma volta ao passado, quando os instrumentos legais e recomendações internacionais eram direcionados ao assistencialismo às pessoas com deficiência.

Nos tempos atuais um estatuto específico para nós é um contra-senso e um retrocesso, se coloca na contramão da evolução histórica, prejudicial ao reforçar a imagem de inválido e "coitadinho", levando a sociedade a continuar tratando a pessoa com deficiência como um ser desprovido de capacidade. Desta forma, o Estatuto legitima a incapacidade e oficializa a discriminação contra a pessoa com deficiência ao separá-la das leis comuns.

O Estatuto é desnecessário, pois a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, maior conquista da história mundial dos direitos humanos, já faz parte do nosso arcabouço legal, ratificada através do Decreto Legislativo 186/2008, com status de emenda constitucional, e reafirmada pelo Decreto 6946/2009.

Basta agora ajustar nossa legislação à ela. Já existe um estudo, encomendado pela CORDE e patrocinado pela UNESCO, que faz um paralelo entre a Convenção e a Legislação existente e aponta as alterações necessárias.

Nossa luta urgente é pela criminalização da conduta discriminatória contra as pessoas com deficiência.

Estamos caminhando para que a sociedade perceba que a pessoa com deficiência faz parte da população e é titular de todos os direitos, obrigações e liberdades fundamentais. Deverá ficar claro que, nas leis comuns, a pessoa com deficiência está incluída com o mesmo direito aos serviços oferecidos à população e que serão previstas especificidades de usufruto somente quando as condições de uma determinada deficiência assim exigir.

Em tal contexto, não haverá lugar para um Estatuto separado sobre as pessoas com deficiência. Todas as eventuais vantagens de um instrumento como este não compensam a anulação do processo de amadurecimento, evolução e conquistas do movimento das pessoas com deficiência nos últimos 30 anos, no Brasil.

Centro de Vida Independente Araci Nallin.
Associação dos Amigos Metroviários dos Excepcionais - AME
Rede Atitude
Amankay - Instituto de Estudos e Pesquisas.
Mais Diferenças
3IN
Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa com Deficiência de São Paulo
Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo
Bengala Legal
CVI Campinas.
Grupo Síndrome de Down
FoPEI - Fórum Permanente de Educação Inclusiva.
CEMUPI - Centro Multidisciplinar de Estudos Pró Inclusão - Belas Artes - São Paulo
Instituto MetaSocial
Inclusive - Agência para Promoção da Inclusão.
IIDI - Instituto Interamericano sobre Deficiência e Desenvolvimento Inclusivo
CVI Resende.
CVI Niterói.

Para as entidades ou grupos que queiram aderir ao Manifesto contra o Estatuto da Pessoa com Deficiência, por favor, enviem e-mail para:Manifesto contra o Estatuto.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Bandidos em fuga

"...educação especial é um serviço, não um lugar."


Muito tem se discutido os documentos que o MEC e o Conselho Nacional de Educação tem publicado na tentativa de implantar uma educação que, de fato, seja para todos, sem segregação e exclusão.

Um dos mais importantes, publicado no ínicio de 2008, foi a "Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva", que direciona os serviços de educação especial para dentro das escolas comuns, de forma que as pessoas que necessitem desses serviços o tenham sem serem segregadas.

A geometria nos explica que perspectiva é a projeção em uma superfície bidimensional de um determinado fenômeno tridimensional. Para termos essa percepção tridimensional usamos o recurso dos pontos de fuga, que é o ponto (ou os pontos) de convergência das linhas que descrevam a profundidade dos objetos. É a direção para onde um objeto segue, se aprofunda.

No entanto, contrariando todos os princípios geométricos, o que muitas escolas tem feito é tentar achar pontos de fuga para escapar dessa perspectiva. Usam de argumentos que vão dos escancaradamente preconceituosos aos mais sorrateiramente disfarçados.

O problema é que, quando criamos um ponto de fuga, é justamente para lá que os nossos olhos vão (você pode não entender nada de desenho ou de pintura, mas quando olha para um, seus olhos são atraídos para esses pontos). Ponto de fuga é justamente onde tudo se centraliza.

Quando um ser preconceituoso como o presidente do sindicato das escolas particulares do Rio Grande do Sul afirma, contrariando a mais básicas noções de direitos humanos, que as suas escolas tem a prerrogativa de recusar alunos com deficiência, ele está tentando usar o ponto de fuga do desprezo pelo ser humano. Um ponto de fuga que já foi bastante utilizado por torturadores, assassinos, terroristas e fascistas de todas as espécies.

Um ponto de fuga que defende a superioridade alguns seres humanos em detrimento dos outros. Que acredita que o mundo é de quem tem e não de quem é.

Pior do que isso, apoiado pelo Ministério Público, que deveria, salvo eu esteja enganado, ser o defensor da ordem legal e não dos interesses econômicos das escolas particulares. Ministério Público que ignora a existência de uma Constituição Federal que, no seu arcabouço, passou a incluir a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Claro, alguns vão alegar que essas escolas não estão preparadas para receber crianças com deficiência. Não estão mesmo, e nunca estarão enquanto as crianças não estiverem no dia-a-dia da escola.

De novo é a geometria e a arte que nos explicam que, quando criamos um ponto de fuga, criamos um espaço vazio que precisa ser preenchido pelo artista, caso contrário a perspectiva será nenhuma.

Inclusão só existirá quando os artistas da pedagogia preencherem esses espaços.

Enquanto isso não acontece, precisamos ficar de olho nesses pontos e brigar para que o que deve ser uma bela perspectiva não se torne apenas um buraco por onde os bandidos escapem.

Descrição da imagem : Quadro do pintor M.C.Escher, chamado "Relatividade", mostra pessoas subindo e descendo escadas que não convergem para os mesmos pontos de fuga, dando uma sensação de um espaço cuja lógica é totalmente subvertida.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Ao inferno a hipocrisia

Nessa semana eu recebi de uma amiga o endereço de um blog (que eu não vou repetir aqui) em defesa da educação especial inclusiva.

Antes de abrir a página eu já sabia que estavam em contradição, em bom português chamamos isso de oxímoro, dois conceitos opostos numa só expressão. Não podia ser boa coisa.

Como eu sou curioso eu entrei no site. E, dentre as pérolas que encontrei por lá, a mais absurda dizia o seguinte:

"Sempre lutamos por esta inclusão, mas para os alunos que acompanham o desenvolvimento das propostas curriculares das classes comuns do ensino regular."

Ou seja, é a turma que defende a inclusão para quem não precisa dela. E que quer manter excluídos apenas os que precisam de inclusão.

Partem do princípio clássico de que são os excluídos que devem se adequar à sociedade. Afinal, se estão excluídos a culpa é deles, quem mandou ser pessoa com deficiência?

Dentro da mesma lógica, acredito que, em breve vão surgir novos movimentos na mesma direção.

Podemos desenvolver o o livro acessível impresso, especialmente para cegos que enxerguem. A língua brasileira de ruídos para surdos que ouçam e, quem sabe um bom arquiteto não crie a rampa em degraus para cadeirantes que andem.

Acho legítimo que algumas pessoas acreditem na segregação (não concordo de forma alguma, mas é um direito deles pensar assim), seja por ideologia, seja por interesse econômico (existe ideologia dissociada de algum interesse?)

Agora, em relação aos hipócritas, como os que querem passar por inclusivos garantindo a segregação que os beneficia, só posso esperar que ardam no fogo e enxofre do Hades.

Descrição da imagem: uma pessoa que se esconde por trás de uma máscara branca

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Toda loira é burra.

Tinha certeza que você viria aqui para ler que asneira eu poderia ter escrito com esse título. Antes que que me apedrejem eu já aviso que não acredito na afirmação do título, não me consta que a cor dos cabelos (naturais ou artificiais) influenciem sinapses.

Mas é assim mesmo que o mundo funciona, as pessoas adoram fazer generalizações, seja para aparecerem, seja para fomentarem polêmicas, ou , simplesmente porque não sabem raciocinar de outra forma.

E não sabem raciocinar de outra forma, pois foram educadas a ver pessoas como massas homogêneas a partir de determinadas características, geralmente físicas. Isso é resultado da crença quase dogmática no determinismo biológico ( a idéia de que tudo na vida é resultado das nossas condições genéticas).

Por esse raciocínio toda pessoa gorda é bem humorada. Todo baixinho é autoritário. Todo negro tem grande força muscular (sim, muita gente ainda pensa em escravos). Todo japonês é esforçado. Todo italiano é romântico.

Apesar dessa origem, as generalizações há muito deixaram de ser apenas sobre tipos físicos e se espalham por todas as categorias de pessoas que possam ser agrupadas. E aí começam as generalizações por formação acadêmica, por profissão, por tipo de hobby que tenha.

O maior problema é que são justamente essas generalizações que fazem com que tratemos as pessoas como se fossem um grande pastiche onde todos reagem da mesma forma. A começar da nossa educação.

Toda vez que faço palestra para professores peço que eles me falem das suas classes homogêneas. Sempre me dizem que classe homogênea não existe.

Bem, se não existe classe homogênea, porque as aulas, o material didático, as avaliações são iguais para todos? Porque os professores ficam tão assustados quando tem algum aluno que fuja ao padrão dessa homogeneidade que eles dizem não existir.

Eu poderia até cometer a insanidade de dizer que todas as escolas são iguais, ou que todos os professores não sabem lidar com a diversidade. Mas seria outra generalização burra.

Felizmente, eu não preciso generalizar aqui. Existem professores e escolas que não são iguais a todas as outras. Nessas, os alunos, tratados como indivíduos, têm aprendido que nem todo mundo é igual, e que a vida é bem mellhor assim.

Descrição da imagem : numa sala de aula com alguns alunos sentados e um deles em pé, a professora diz: Parabéns Joãozinho. Você conseguiu repetir exatamente o mesmo absurdo que eu acabei de ensinar para vocês.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A invasão dos downianos

Recentemente li um artigo que finalmente me trouxe todos os esclarecimentos que eu precisava a respeito da Síndrome de Down, assunto que me interessa desde o nascimento do meu filho há mais de 10 anos.

A revelação veio através de um desses muitos artigos bem intencionados mas, totalmente desinformado, o que comprova a tese que sempre ouvi da minha mãe que de boas intenções o inferno está cheio.

O artigo se referia às pessoas com síndrome de Down como os “downianos”.

É isso! Rapidamente constatei, eles não são seres humanos, mas extra-terrestres, vindos diretamente do Planeta Down, que deve ficar na galáxia de Cromossômica.

Os seres desse planeta, assim como se crê sobre os incas venusianos, são todos iguais. Seja de aparência, de comportamento ou capacidade. É verdade que, apesar de 97% deles terem material genético adicional no cromossomo 21, não significa que todo o resto da sua genética é idêntico. Quem vê de fora não percebe.

Duro é que muita gente que vê de dentro também não percebe isso.

Mas existem outras características comuns ao “downianos”, todos são sensíveis a um determinado tipo de minério, a hypotonita. Por outro lado são mais resistentes a determinados tipos de tumores o que tem levado os pesquisadores a querer entender melhor o tal do terceiro cromossomo.

Os downianos já frequentam a Terra há centenas de anos mas, nas últimas décadas começaram a ter algumas mudanças de comportamento significativas.

Uma delas é que passaram a resistir mais tempo ao ambiente hostil que os cercava e, atualmente, vivem mais.

A mudança mais significativa, no entanto, é que, de pouco tempo para cá, eles começaram a invadir disfarçadamente os espaços dos seres comuns e, com isso estão adquirindo características quase humanas.

Acreditava-se que nenhum deles conseguiria aprender a respeito da cultura dos terráqueos, especialmente da educação formal. Por incrível que pareça, todos aqueles que se infiltraram nas escolas comuns começaram a aprender. Alguns mais que os outros, mas os terráqueos também não são assim?

O ufólogos afirmavam que os downianos não tinham capacidade de abstração, que nunca aprenderiam álgebra e que, no máximo, poderiam ser treinados para tarefas repetitivas. Os downianos escolarizados estão derrubando todos esses mitos.

Esse comportamento está deixando os ufólogos em pânico. Percebem que podem perder os seus empregos e, especialmente, as verbas secretas que os governos lhes concede para manter os downianos segregados.

Se os órgãos oficiais não colocarem uma ordem nessa bagunça, daqui a algum tempo os downianos vão querer ter até os mesmos direitos que os humanos.

Descrição da imagem: um grupo de alienígenas verdes do filme Galaxy Quest.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Deficiência Intelectual e envelhecimento

Não é possível falar de envelhecimento das pessoas com deficiência intelectual sem que isso provoque alegria para nós que convivemos diariamente com elas. Afinal de contas, até não muito tempo atrás, esse assunto nem existia na nossa pauta de discussões. E não existia porque essas pessoas não chegavam a envelhecer, tão baixa era a sua expectativa de vida.

Atualmente, muitas pessoas com deficiência intelectual (dentre elas a Síndrome de Down que é a segunda mais frequente de todas) já tem uma expectativa de vida que ultrapassa os 60 anos e, espera-se que nos próximos 10 anos chegue muito próxima da expectativa média de vida da população em geral (que, segundo a última pesquisa Tábua de Vida do IBGE, é de 72,7 anos). Ainda que, em outros casos, como a Síndrome de Rett, essa expectativa ainda é muito baixa.

Claro que, se de um lado temos ganhos do ponto de vista de saúde e de qualidade de vida, por outro, temos questões importantes com as quais precisamos lidar e trabalhar para resolver. Dentre muitas, eu gostaria de me deter em 3 aspectos que, acredito, são os mais relevantes
Do ponto de vista médico, as questões associadas ao envelhecimento precoce
O modelo social de deficiência associado ao modelo social de envelhecimento
A questão da autonomia dessas pessoas

Envelhecimento Precoce: até por estarem vivendo mais, um grande número de pessoas com deficiência intelectual tem mostrado que o envelhecimento começa mais cedo do que na população em geral.

O envelhecimento do organismo como um todo está relacionado com o facto das células somáticas[1] do corpo irem morrendo uma após outra e não serem substituídas por novas como acontece na juventude. No caso dos seres vivos relaciona-se com a diminuição da reserva funcional, com a diminuição da resistência às agressões e com o aumento do risco de morte.

Existem alguns fatores que contribuem para esse envelhecimento precoce biológico, dentre eles a menor eliminação (ou maior estabilização de radicais livres), a maior propensão a outra patologias como o hipotireoidismo(SD), hipercalcemia (Síndrome de Williams), hipotonia (SD e X Frágil).

Existem estudos não conclusivos a respeito de uma maior incidência de Alzheimer entre a população com SD.

A maioria dessas questões médicas estão mais ligadas à prevenção, ou seja, à medida que a informação a respeito das mesmas avança, existe uma tendência a uma menor manifestação futura dos seus efeitos sobre o envelhecimento.

Modelo social : nós sempre discutimos bastante as questões relacionadas ao modelo social da deficiência. Entendemos que, muito além da condição anatômica ou fisiológica que provoca a deficiência, essa é extremamente agravada pelo ambiente hostil em que convivemos. Um mundo sem acessibilidade física, sem acessibilidade de comunicação e, particularmente para as pessoas com deficiência intelectual, cheio de barreiras atitudinais que fazem com que a manifestação da deficiência seja muito maior do que aquilo que a provoca.

A questão do envelhecimento também passa pela questão do modelo social. Além da perda de funcionalidade provocada pelo envelhecimento nós vivemos num mundo que é hostil aos idosos. Essa hostilidade não é muito diferente das que enfrentam as pessoas com deficiência, tanto do ponto de vista de acessibilidade, como do ponto de vista de atitudes.

No caso das pessoas com deficiência intelectual, as consequências da exclusão em que viveram (sem acesso à educação, a um ocupação digna, a relacionamentos sociais não segregados), potencializam outras questões : diminuição da memória e da capacidade raciocínio, depressão e, em alguns casos, o aparecimento de distúrbios psiquiátricos.[2]

Entendemos que, à medida que essas pessoas passarem a ter uma qualidade de vida maior, a tendência é que essas situações diminuam.

Não só por esse motivo, lutamos para que as barreiras atitudinais sejam derrubadas (seja para a pessoas com deficiência, seja para os idosos sem deficiência).

A questão da autonomia

Uma pergunta recorrente entre os pais de adultos com deficiência intelectual e uma preocupação latente entre os pais de crianças com DI é: o que vai acontecer com ele quando eu morrer ?

Os adultos de hoje, na sua esmagadora maioria, não foram educados para serem autônomos, mas para serem “deficientes” e, consequentemente, é isso que eles são.

Não vou entrar no mérito dessa situação, pois ela passa por uma série de valores e crenças que existiam a 30, 40, 50 anos e não acredito que seja saudável culpar alguém pelo passado a partir de premissas que temos hoje.

Por outro lado, não podemos permitir que esse modelo continue a se reproduzir (e ele continua a se reproduzir), caso contrário teremos, no futuro, uma multidão de pessoas com deficiência intelectual idosas reféns de sua própria sorte.

Em relação aos adultos de hoje, precisamos garantir “colchões” sociais que lhes dêem suporte para não ficarem abandonados. Isso inclui questões como moradias assistidas, meios econômicos de vida e relacionamento social e atendimento médico inclusivo (hoje, definitivamente, algo inexistente)

Aos adultos e idosos do futuro, precisamos garantir educação de qualidade que os habilite para o mercado de trabalho, acesso aos contextos que os permitam construir relacionamento sociais sólidos e direitos civis que empoderem a respeito das decisões sobre as suas próprias vidas[3].

[1] Células somáticas são quaisquer células dos organismos multicelulares que não estejam diretamente envolvidas na reprodução, tal como as células da pele.São células cujo núcleo se pode dividir apenas por mitose, ao contrário das células germinativas, que podem sofrer meiose, para formar os gâmetas

[2] Temos os que hoje não foram segregados, tiveram acesso a educação e relacionamento social inclusivo e que já são os com qualidade de vida apesar de ser um número pequeno, muitos tem ocupação digna e são parte dos proventos da casa

[3] Já existe os habilitadas para o mercado de trabalho digno, só a Bauducco tem mais de 100 pessoa com DI trabalhando em linha de produção, além de outros em funções no Banco Real, Fleury, Lavosier, Novartis, American Express, Serasa e outros

Esse artigo foi escrito para um evento do CVI-Brasil e contou com a revisão de Regina Leondarides, Gil Pena, Naira Rodrigues, Edna Belasco, Juliana, e do Dr José Moacir, aos quasi agradeço de coração.

Descrição da imagem: um casal de idosos sentados de costas num banco em um parque.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Xiita convidada - A educação deve ser especial...

Profa. Dra. Windyz Ferreira*

A educação deve ser especial...

Quando tem qualidade,quando é acessível,quando todos/as são igualmente acolhidos, e quando todos/as têm seus direitos de aprender - em condições de igualdade - respeitados.

Esta seria a escola ´especial´ para todos/as e para cada um.
Também não são as crianças com deficiência (ou qualquer outro tipo de vulnerabilidade) que são especiais:não é especial o "aluno/a de inclusão", nem o "aluno/a incluído" nem mesmo o "aluno/a especial" ou ainda ( e pior!) muito menos somente o ´especial´ (porque nessa concepção até o que temos de mais especial que é a nossa humanidade cai por terra!´)

A educação deve ser considerada ´especial´porque tem qualidade no ensino & na aprendizagem, nas relações humanas e na formação humana para a diversidade...na forma como celebra a diferença e na forma como luta contra a exclusão.

Sim, é esta a escola que queremos e pela qual lutamos tanto para as crianças com deficiência como para as crianças das comunidades pobres, para as crianças negras e para as indigenas,enfim, para todas as crianças. jovens e adultos brasileiros!

Assim, vamos usar os conhecimentos da neurolinguística para mudarmos padrões de pensamento e ter mais cuidado (pensar antes de falar!) com a linguagem que usamos...para não reproduzirmos o que está aí posto por séculos: a discriminação, o preconceito e a ignorância sobre as pessoas com deficiência que teima em fazer acreditar que são ´elas que têm um problema´e não nós que temos vários quando somos incapazes de viver com o outro e de valorizar o que é bom´belo e verdadeiro´como muitos filósofos já filosofaram...

Aqui aproveito para expressar minha tristeza de ver nossa juventude votar no mau caratismo, no culto à malandragem, optar pela beleza externa ao invés da interna, pela riqueza acessível a poucos neste país e não pela decência humana. Milhares de jovens votaram para o modelo (que me dá nauseas) do ´BAD BOY´ incorporado no caráter de Dado Dollabela, na A Fazenda., enquanto a mídia explora de forma nojenta a pobreza e atrocidades vividas por outro, a qual apenas refelte a exclusão de milhões de jovens de nosso país.

Para onde será que vamos? Onde estarão as escolas que formam gente de bem?

A escola com a qual, gente de bem, sonha?

*PhD em Educação pela University of Manchester (Inglaterra)
Professora Adjunta do Centro de Educação - DHPUniversidade Federal da Paraíba
´Inclusão é um Assunto de Direitos Humanos´ (Mike Oliver)

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Pela educação especial. Contra a segregação.

A entrevista abaixo foi publicada originalmente no Observatório da Educação e, nessa semana, reproduzida no site da Ação Educativa

“Somos a favor da educação especial e contra a escola especial, que é um modelo de segregação”, diz militante da educação inclusiva

O Observatório da Educação entrevistou Fábio Adiron, membro da comissão executiva do Fórum Permanente de Educação Inclusiva e pai de um menino de dez anos com síndrome de Down. Ele fala sobre o parecer nº 13 do Conselho Nacional de Educação.

“Somos a favor da educação especial e contra a escola especial, que é um modelo de segregação. A educação especial é uma necessidade específica do aluno que está na escola”, afirma.

Observatório da Educação – Você tem um filho com síndrome de Down e atua no Fórum Permanente de Educação Inclusiva. Gostaria de saber sua experiência com a educação de seu filho e por que se tornou um militante da educação inclusiva?
Fábio Adiron - Minha experiência começa há dez anos, porque sou pai de uma criança com síndrome de Down. Não atuo profissionalmente na área de educação, mas acabei me envolvendo bastante com essa questão a ponto de hoje fazer parte da comissão executiva do Fórum Permanente de Educação Inclusiva. Quando fui procurar escola para meu filho, já fui com a ideia de colocá-lo numa escola comum. Ele entrou em uma particular, com três anos. Hoje, com dez, está na quinta série e tem caminhado bem, partindo do princípio de que, quando o professor acredita que ele pode aprender, encontra estratégias pedagógicas para ensinar.

OE - Por que desde o início a opção pela escola comum?
Adiron – Porque quando ele nasceu e fui conhecer as escolas especiais fiquei horrorizado com o não-aprendizado de nada lá dentro. As pessoas entram lá e ficam eternamente, são educadas para serem deficientes para o resto da vida, não para serem pessoas. Na educação comum, educa-se uma criança para ser jovem, adulto, cidadão, para ter autonomia, capacitação para o trabalho, etc. Por isso me tornei militante da educação inclusiva. A opção é por esse caminho. Hoje existem dez ou doze jovens com síndrome de Down em universidades e todos lá chegaram pelo caminho comum. O que esses alunos têm em comum? Têm pais que não concordaram com esse modelo e os colocaram em escola comum. Foram educados dentro da escola para ter desenvolvimento acadêmico ao menos parecido com o resto da população.

OE - Quais são os principais obstáculos para a educação inclusiva?
Adiron – Começam dentro de casa, onde os próprios pais. Pela cultura que temos em relação à deficiência, acabam olhando para o filho como coitadinho e não acreditam que a pessoa tem capacidade para aprender. Encontramos também uma série de obstáculos na escola, que acredita que todos vão aprender igualmente e acha que todo mundo deve se preparar para a escola e não que a escola deve estar preparada para todos. Há problemas, então, de discriminação e rejeição, dentre outros. A escola diz não estar preparada, mas na verdade não está preparada para educar. Temos exemplo na escola pública e na particular de que é possível encontrar caminhos. Existe ainda toda uma história de 60 anos de educação especial, quando era mais cômodo colocar essas crianças em lugar onde não dessem trabalho. Isso criou rede de instituições que sobrevivem à custa de manter esse status quo. São, portanto, várias barreiras. Há um histórico longo e complexo. Nem todos os pais, até hoje, acreditam. Existem mitos e lendas muito fortes.

OE - Como a atuação do Fórum lida com a diversidade de deficiências, com as diferentes necessidades de adaptação e processos pedagógicos?
Adiron – Acreditamos que existem, em vários casos, necessidades de educação especial. Por exemplo, uma pessoa cega precisa aprender tecnologias assistivas. Isso é um tema da educação especial, é preciso um educador de braile para ensinar isso. Ou educador especial para ensinar libras para surdos, ou um para usar métodos de abordagens diferentes com pessoas autistas. Ou seja, é preciso ter educação especial dentro da escola comum. Somos a favor da educação especial e contra a escola especial, que é um modelo de segregação. A educação especial é uma necessidade específica do aluno que está na escola.

OE – Mas isso não significa uma sala especial só com alunos com deficiência?
Adiron – Não, isso seria segregação do mesmo jeito. Só mudaria de endereço. É preciso atendimento educacional especializado, ou seja, a criança tem aula comum com as outras crianças e no contra-turno ela tem as matérias de educação especial. Matemática quem dá é o professor de matemática. O atendimento especial é para o atendimento específico.

OE – Nesse contexto, qual é o significado do parecer nº 13 do Conselho?
Adiron – O parecer diz que o Ministério da Educação regulamentou o atendimento educacional especializado, resolveu a questão de verba. Antes era só uma, havia disputa por aluno entre a escola especial e a comum. Com o decreto de atendimento especializado, há uma verba para cada coisa. Ou seja, a escola recebe verba pelo aluno estar na escola comum, e o atendimento educacional especializado recebe sua verba, inclusive se for fornecido fora da escola comum. Para ter direito à verba do atendimento educacional especializado é obrigatório que a criança esteja matriculada na escola comum, ou seja, a educação especial deve ser complementar, não substitutiva. Hoje, as instituições que têm escolas especiais deixam de ser escolas substitutivas e devem mudar o modelo para fornecer esse atendimento educacional especializado. Tem gente que já está fazendo isso, a Apae de São Paulo fechou escola, está oferecendo atendimento educacional especializado, seja na escola, seja na Apae, mas desde que a pessoa esteja na escola comum.

OE – O parecer dá conta, então, de todas as questões?
Adiron – O mundo ideal, para mim, é que tudo fosse dentro da mesma escola. O modelo do parecer ainda considera que o atendimento educacional especializado possa ser feito numa Apae, por exemplo, mas não pode ser substitutivo da escola comum.

OE – Mas o sr. considera o parecer um avanço?
Adiron – Sim, é um avanço brutal, todos deverão estar na escola comum. O medo das grandes redes de educação especial é que, no momento em que essas crianças estiverem na escola comum, esta vai começar a descobrir que dá conta. Eles têm medo de que, no médio e longo prazo, a escola vá aprendendo a lidar com isso. Esse pânico que está sendo gerado é um discurso do pavor, em nenhum documento está escrito que serão fechadas as escolas especiais. Esse discurso está sendo usado para gerar pavor nos pais e toda essa movimentação, mas é um falso discurso, pois em nenhum momento se fala em fechar escolas especiais.

OE – Que outras demandas por políticas públicas o Fórum traz?
Adiron – Fundamentalmente, o Fórum está preocupado com uma educação de qualidade para todas as pessoas. Inclusão não só de pessoas com deficiência, mas de todos aqueles que estejam excluídos de alguma forma da educação, seja por pobreza, raça, gênero ou qualquer outra questão. A ideia é como podemos atuar de maneira que os sistemas educativos possam ser abertos efetivamente para todas as pessoas, em todos os níveis, desde a educação básica até o ensino superior.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O destino do dinheiro público

A movimentação das redes de escolas especiais segregadas contra a ida de alunos com deficiência para escolas comuns é muito forte.

É gente que tem poder político e econômico para bancar esse tipo de mobilização (não, não me digam que se trata de mobilização popular, essa alegação não cola, especialmente comigo que trabalho com mídias há muitos anos)

Agora, olhem só que interessante o funcionamento desse discurso

As escolas da rede pública dizem não estão preparadas para receber alunos com deficiência . Argumento reforçado continuamente pela escola especial.

Quem se diz bom para fazer isso são as escolas especiais... elas é que sabem como lidar com esse "ET´s" que são as pessoas com deficiência.

Mas quem vai dar aula na escola especial são os professores da rede pública, pagos pelo estado. A notícia é da RBS, falando de um convênio em Santa Catarina onde "a Secretaria de Educação vai ceder professores da rede estadual para atuarem nas Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes) e Associação dos Amigos do Autista (AMA)".

A pergunta que fica é: quem é que está ganhando com essa jogada??

Certamente não são os alunos que vão para espaços segregados , quando poderiam ter o apoio desses mesmos professores especializados dentro das escolas comuns.

Por que o dinheiro público é usado para financiar entidades privadas e não uma escola pública de qualidade para todos?

Claro que vai ter gente querendo me convencer do contrário. Mas não existem argumentos que justifiquem o desvio da verba pública para privilégios.

Descrição da imagem: moedas escorrendo por um ralo

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O ministro subiu no muro

A expressão "subir em cima do muro" sempre esteve associada, na nossa história política recente, ao principal partido de oposição ao atual governo. O que não deixa de fazer algum sentido, uma vez que as aves geralmente pousam para descansar em algum lugar.

No entanto, essa semana, quem resolveu assumir o muro foi o próprio governo.

Primeiro com a decisão do partido de não se envolver com os escândalos do Senado Federal, contrariando a decisão dos seus próprios senadores.

Ontem, foi a vez do ministro da Educação assumir o assento da indecisão, ao devolver ao Conselho Nacional de Educação o parecer 13/2009 sem homologá-lo, nem rejeitá-lo. Também contrariando os próprios técnicos do assunto dentro do ministério.

A alegação de que o parecer possui discrepâncias em relação a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e com o decreto 6.571 é o fim da picada. Afinal, se o parecer é ilegal, deveria ser rejeitado, ou será que o próprio ministério da educação não conhece as suas leis?

Na verdade, conhecedores da lei deveria reconhecer que o CNE não poderia agir diferente até porque o parecer não trouxe nenhuma inovação legal, apenas reforça o que já está escrito na legislação brasileira (Constituição, leis e decretos) e agora, com muito maior ênfase, na Convenção da Onu sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, já ratificada pelo Brasil com estatura de norma constitucional, como bem lembra a Dra Eugênia Augusta Fávero, procuradora da República e especialista em direitos das pessoas com deficiência.

A atitude do ministro é apenas mais uma das muitas procrastinações que o governo federal tem perpetrado contra as pessoas com deficiência, assim como a norma sobre o livro acessível, a regulamentação da audiodescrição e o cumprimento das leis de acessibilidade.

É a política de afagar pela frente e esfaquear pelas costas.

Assim como os demais adiamentos, esse também só atende os interesses daqueles que dependem financeiramente da segregação. Apesar do discurso ideológico partidário, esse não faz senão atender os interesses econômicos de alguns privilegiados.

Se tivesse rejeitado o parecer, o ministro teria assumido explicitamente uma face excludente.

Se tivesse homologado, teria entrado para a história como o maior responsável pelo reconhecimento das pessoas com deficiência como cidadãos plenos.

Ao subir no muro ele apenas consegue perder o respeito e a consideração que conquistou nos últimos anos.

Provavelmente, seu próximo passo será, como o gato, subir no telhado.

Descrição da imagem: uma estrela vermelha em cima do muro diz "Nem contra, nem a favor, muito antes pelo contrário", Um tucano voando responde: "Já fui bom nisso". Ao lado do muro desenho do Sen José Sarney