segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Um mundo de Geisys

Muito se falou (e ainda se falará), sobre o caso da moça que foi expulsa da universidade (cujo nome não merece menção) depois de ser vítima de assédio moral e, não fosse a intervenção da polícia teria sido vítima de agressão ou, até mesmo, de abuso sexual.

O assunto já foi muito analisado e discutido em diversos fóruns, não vou entrar nesse debate.

O ponto ao qual quero me ater é o seguinte: a moça foi condenada por ser vítima, ou seja, duplamente agredida, num primeiro momento pelos colegas, no segundo por uma instituição que preferiu se livrar de um problema a resolvê-lo. Pior, alegou questões de valores e de ética para detonar com qualquer hipótese de respeito ao direitos humanos.

O que aconteceu com a Geisy chamou a atenção pela cobertura dada pela mídia ao caso. Mas não é nenhuma novidade. Acontece todos os dias com as pessoas com deficiência que são condenadas por terem características que incomodam os demais.

Todos os dias, crianças com deficiência são recusadas ou convidadas a se retirar de escolas, porque não são compatíveis com os valores que essas mesmas escolas dizem ter. Escolas que preferem culpá-las por suas deficiências do que tentar entender a atender a diversidade.

Todos os dias, colegas e pais de colegas preconceituosos assediam as escolas (especialmente as particulares) reclamando da presença de pessoas com deficiência nas suas salas. Todos os dias, escolas aceitam a pressão desses mesmos colegas e pais (em nome do dinheiro que eles pagam, é claro, assim como foi o caso da menina da universidade).

Todos os dias pessoas com deficiência são expulsas (ou recusadas) de ônibus cujos motoristas não querem perder tempo abaixando e levantando plataformas. Todos os dias passageiros sem deficiência comemoram o tempo que não perderam para as pessoas com deficiência embarcarem.

Todos os dias pessoas com deficiência são eliminadas de processos de recrutamento e seleção porque são culpadas das empresas não terem acessibilidade física, de comunicação ou, pelo simples fato de que os possíveis colegas de trabalho não vão se adaptar à presença delas no ambiente de trabalho (lugares onde vemos muito valores como solidariedade, colaboração, respeito, não é mesmo?).

Todos os dias pessoas são expulsas do acesso à cultura, à comunicação, ao lazer. São culpadas por não enxergar, ouvir ou compreender os valores distribuídos nesses canais.

A mídia, os blogs, os políticos, os poderes públicos estão se mobilizando pela Geisy e contra o que significou a atitude da escola.

Será que alguma hora vão se lembrar das demais 24,5 milhões de Geisys que temos espalhadas pelo país?

Descrição da imagem: gravura de uma multidão promovendo o linchamento e enforcamento de um homem negro.

7 comentários:

Marta disse...

Fabio,

Este post acaba de lavar minha alma! Tá enxaguadinha, com água, sabão e tudo mais que tem direito.

Claro, um absurdo total o que aconteceu com ela.

Mas lembro que nesta quinzena tivemos - só prá mencionar alguns exemplos - dois rapazes com Sindrome de Down que tiveram TODOS os dentes arrancados, sem nenhuma necessidade, sem que a família soubesse e pelo mesmo dentista. E isso na Capital Federal.

E pouco antes o Guilherme foi impedido pelo INEP de utilizar um computador com adaptações para fazer a prova do ENEM.

Não vi nenhuma manifestação: nem do MEC, nem do INEP, Ministério Público, CORDE, CONADE, movimento das pessoas com deficiência, Conselho de Ética da área da Odontologia, federações de defesa dos direitos das pessoas com SD.

E a cada vez que escuto pelo rádio ou Internet que mais um órgão, ou entidade estudantil ou sei lá quem está a favor dessa moça...fico muito indignada.

Daí essa sensação de alma lavada. Na verdade, espero mais, espero um movimento mais amplo do que algumas pessoas se manifestando no site do INEP. Ou o charme da moça de minivestido rosa é maior?

Obrigada pelo espaço e por dar voz a essa indignação.

Marta Gil

Vilma A. de Mello disse...

Fábio,muito bem lembrado e cobrado,todos os dias as pessoas com deficiência são rejeitadas e expulsas de ambientes que deveriam ser de TODOS.

Um abraço

Bel disse...

Sabe aquela propaganda da Parmalat, que no finl a menininha pergunta: "Tomou?"

Que bela bofetada!!!

Bjo!

José Antonio Klaes Roig disse...

Caro fabio, muito oportuno o teu post. Solidarizo-me com seu conteúdo! Há uma lógica invertida em tudo isso mesmo!! Punir a vítima, desqualificá-la em prol de uma pseudomoral e ética. Parabéns pelo texto. Cheguei a ele, graças indicação da Elis, no Twitter e irei replicá-lo lá. Um abraço, Zé Roig.

Claudia Grabois disse...

Bem lembrado Marta, e quando se trata de exclusão de alunos na rede pública, parece proibitivo falar.
Exlusão de milhares de alunos e muitos acham melhor calar,principalmente a sociedade civil, sempre a postos.
Eu não fico indignada em relação a Geisa, acho justo que o assunto seja tratado com dignidade, por que violência contra a mulher, não!
Uma coisa não exclui a outra, violação de direitos deve ser combatida e o que aconteceu com a moça em questão foi vandalismo,discriminação e os estudantes devem ser punidos.
Acho que são poucas as entidades ou ativistas que começam com os manifestos e isso precisamos ampliar.
Todos temos responsbilidade. E não importa se de entidade ou não, quando se trata de injustiça social e violação de direitos, quanto maior a manifestação, melhor.
Quanto ao Conselho de Odontologia, tenho reunião amanhã, mas acredito que essa atitude vai além do fato do jovem ter sindrome de down
Já encontrei pessoas pobres com todos os dentes extraidos por que o dentsta achou melhor, ou que não tinha jeito e eles aceitaram.Isso faz parte da miséria,da exclusão social, da discriminação.
Depois da reunião sobre o caso do jovem que teve os dentes arrancados, darei notícias.
Fabio, adorei o seu artigo!

beijos

Lena Lemos disse...

Amei!!!!!

Narli Resende disse...

Fabio, achei seu texto de uma clareza absurda. É sempre mais fácil punir as vítimas em nome de uma maioria que muitas vezes se comporta de modo irracional como se fossem manadas de touros furiosos. Neste caso mais uma vez fica comprovado que o "diferente" incomoda, constrange, irrita... então a solução é excluir.
Para os ditos normais, o normal é a falta de educação? a falta de respeito? a falta de solidariedade? a falta de compreensão? Pensando por esse angulo, sou muito feliz sou diferente.
Narli mãe do José 13 anos - diferente graças a Deus