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Pafúncio, o personagem dos quadrinhos, um homem branco de meia idade, vestido de terno e fumando um charuto |
Pafúncio é o nome fictício para o ser real que vou descrever aqui. Como é uma pessoa conhecida e renomada e o meu objetivo aqui é didático e não de “lacrar” ninguém, vou mantê-lo anônimo.
Pafúncio é uma pessoa que eu respeito muito, ou melhor, respeitava até sábado passado. Músico brilhante e de carreira importante, professor muito querido pelos seus alunos e defensor da arte e da cultura.
Eu o acompanhava em seus canais digitais e sempre aprendia muito com ele. Eventualmente comentava algo e ele sempre teve a educação de responder.
Também é uma pessoa de posições políticas fortes e com as quais eu, na maioria das vezes, concordava.
No sábado passado ele estava muito furioso com algumas dessas questões políticas e publicou dois posts em seguida:
(descrição da imagem - reprodução de um post que diz: "O mito falando para Jovem Pan, hoje, Será possível que tenha ainda um bando de cegos que o apoiam?"
(descrição da imagem - reprodução de um post que diz: "...E o pior que ainda tento falar com os cegos...que idiota que sou.)
Claro que como ogro inclusivo eu não poderia deixar isso passar batido. Mandei para ele uma mensagem educada explicando por que não se deve usar a deficiência como um adjetivo. É da minha índole sempre tentar explicar as coisas para as pessoas e não atacar com os dois pés no peito.
Para detalhar melhor, enviei o link de um artigo que escrevi junto com o saudoso MAQ em 2008 (se quiser ler o original clique aqui) chamado “Deficiência não é adjetivo”.
Apesar da resposta dele também ser educada, foi absurda demais para que eu a levasse a sério. Segundo ele, o uso de “cego” “era apenas uma metáfora, um uso quase poético e que evitar esse tipo de palavra nesse contexto empobrecia a língua.”
“Bando” de cegos é poético? Será que é um acaso a palavra bandido ter a mesma origem? É uma idiotice metafórica falar com cegos? Não me parece que a cegueira foi colocada de forma, no mínimo, neutra. Foi pejorativa mesmo.
Fico imaginando se ele usaria da mesma forma metafórica e poética, termos que denotassem preconceito de cor, raça, nacionalidade, gênero ou orientação sexual.
Claro que não! Mas em relação às pessoas com deficiência não é preconceito ou desprezo, é metáfora, é riqueza da língua.
Respondi que nossa língua, que talvez ele não conheça suficientemente bem por ser estrangeiro, é rica o suficiente para não precisar ser inconveniente. E me desconectei desse ser que se tornou abjeto para mim.
O que fazer?
Durante a minha caminhada no universo das pessoas com deficiência eu dei várias mancadas. Um mundo que me era completamente estranho até ser envolvido por ele.
A coisa mais importante que eu aprendi foi que sempre devemos ensinar as pessoas antes de criticá-las. Continuo agindo dessa forma, como aconteceu nesse caso.
Tive excelentes professores. Pessoas cegas, surdas, com deficiência física, com deficiência intelectual, com autismo. Aprendi com o Paulo, com o MAQ, com a Naira, com a Anahi, com a Tchela, com o Gregor, com a Leandra, com o Francisco, com a Flávia, com a Jéssica, com a Izabel. Recentemente ganhei novas professoras a Marcela Jahjah e a Daniele Avelino. A lista seria imensa se citasse todos.
Se acontecer algo parecido com você, não seja um Pafúncio, autossuficiente e arrogante:
1. Entenda que quem chama a atenção não é seu inimigo, mas alguém que quer te ajudar e evitar mancadas
2. Reconheça a mancada. Pode acontecer com qualquer um
3. Se fez isso por escrito, edite o que escreveu
4. Procure não repetir o erro
5. Eduque outras pessoas.
Quanto ao Pafúncio, provavelmente continuará sendo um excelente profissional no que faz e continuará com muitos contatos e seguidores (certamente eu não vou fazer falta). Como ser humano tornou-se irrelevante para mim.
*Pafúncio é um personagem de quadrinhos criado por
George McManus em 1913, o nome original das tiras era Bringing up father e, no
Brasil, Pafúncio & Marocas