segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Direito de matar

Em todas as declarações dos direitos humanos desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, até a Convenção Internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência em 2006, existe a figura dos direitos inalienáveis.

Os direitos humanos são as faculdades, liberdades e reivindicações inerentes a cada pessoa unicamente com o fundamento da sua condição humana. É verdade que nem todas as pessoas acreditam que as pessoas com deficiência sejam humanos. Eles tem "características" que fazem deles outros tipos de pessoas.


Vida, educação, saúde e oportunidades de trabalho são direitos inalienáveis : ninguém, sob nenhum pretexto, pode privar outro sujeito desses direitos e independentes de qualquer fator particular : raça, nacionalidade, religião, gênero, orientação sexual e presença de deficiência.


Ninguém, nesse caso, é ninguém mesmo. Nem os pais têm o direito de privar os filhos desses direitos. Nem as próprias pessoas têm o direito de se privar desses direitos.


Mas muitos têm defendido o "direito" de impedir crianças de frequentar escolas, em igualdade de condições com todas as demais crianças. Alegam livre arbítrio dos pais, livre arbítrio dos próprios alunos.


Aliás, diga-se de passagem, o termo livre arbítrio também costuma ser muito mal utilizado, seja na religião, na filosofia e no direito. Virou passe livre para o vale tudo, a justificativa para garantir privilégios e sinecuras, a desculpa para não dar satisfação a ninguém.


Acredito que as pessoas que querem o livro arbítrio de privar os outros dos seus direitos inalienáveis seriam as mesmas capazes de matar seus filhos, em nome da liberdade de escolha (e, na verdade, muitas matam mesmo, basta olhar para o crescimento do número de abortos), afinal, a vida é apenas outro direito inalienável.


Iludem-se achando que estão defendendo um direito, quando estão apenas defendendo um modelo de exploração econômica, uma forma nada sutil de tutela sobre as pessoas com deficiência, um grupo de instituições que se apoderaram do direito de outras.


São essas pessoas que lutam de todas as formas, inclusive a manipulação política por baixo dos panos, para manter seus alunos segregados, seus pacientes cativos e o seu negócio lucrativo.


Inclusão é e sempre será ampla, geral e irrestrita. O que passar disto é discriminação e abuso dos direitos humanos.

Descrição de imagem
: foto de um bebê dormindo com uma arma apontada para a sua cabeça

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Comédia de erros

Antes de começar a ler esse texto saiba que:

1. Eu sou contra a produção, venda e consumo de drogas.

2. Eu não tenho nada pessoal contra policiais, aliás, tenho amigos tanto na polícia militar, como na civil

3. Eu não sou filiado a nenhum partido, nem simpatizante de algum partido (mas cada dia sou mais anti-simpatizante de todos eles)

Isso dito gostaria de comentar o circo formado em torno do episódio polícia x estudantes da USP.

Como bem notou o Jayme Serva no dia em que a polícia prendeu os caras que estavam mandando ver num baseado dentro da cidade universitária, essa históiria não ia acabar bem.

A polícia entrou na USP depois da ocorrência de assaltos e latrocínios dentro do campus. Porque a universidade tem seguranças para impedir que as pessoas joguem bola no gramado (mesmo sendo um espaço público pago com os seus impostos), mas não para impedir crimes.

Assumindo sua incompetência em administrar o campus, o reitor e o conselho universitário chamaram a polícia para dentro da universidade. Sabidamente uma relação historicamente desconfortável.

Essa polícia, que deveria garantir que criminosos não atuassem, preferiu prender contraventores miúdos. Poderia muito bem ter confiscado a droga, jogado no lixo e mandado os moleques de volta para a sala e notificar a escola. Preferiram criar caso.

Ato contínuo, a comunidade de estudantes se revoltou e pediu a saída da polícia. Ato contínuo começaram as mensagens chamando os estudantes de "maconheiros". Uma generalização estúpida como costumam ser todas as generalizações.

Mas, parte dos estudantes, a maior parte, foi contra a paralisação. Democraticamente encerrada em assembléia. Nesse momento o debate sobre a presença da polícia poderia ter voltado à política universitária.

Se não fossem os eternos pseudo-revolucionários da esquerda albanesa , também conhecidos como maus perdedores, que resolveram invadir e se instalar na reitoria. Além de não terem mais o que fazer, ainda conseguiram acabar com a imagem dos alunos da USP (generalizações, de novo).

A Justiça, atendendo pedido da reitoria (cuja competência para negociação é tão alta quanto a temperatura média da Lapônia) autorizou a polícia a executar a reintegração de posse.

Como se tratava de uma imensa milícia revolucionária armada até os dentes, ou seja, 70 estudantes universitários, a polícia chegou com 400 homens armados, escopetas e tropa de choque. Um espetáculo deprimente e ridículo. A mesma polícia que não se prepara assim para reprimir o tráfico de drogas nos drive-throughs da Av Roberto Marinho (rip).

Pior, isso ainda alimentou o debate eleitoral de 2012. Nosso governardorzinho defendeu a brutalidade, no melhor estilo Erasmo Dias (se você não sabe quem é, procure no Google) e o ministro da educação, candidato a prefeito, veio dar palpite onde não devia.

Espero agora pelas próximas cenas. Quem sabe o FHC defendendo a discriminalização da cannabis (poderia também defender o descriminalização dos corruptos, afinal, a culpa é só dos corruptores), ou o PSTU propor a extinção da polícia.

Agora, como bem disse a Cristiana Soares, é nessas horas que a gente sabe quem é quem na nossa lista de contatos do Face. De um lado os defensores da repressão, de outro a turma do vale tudo. Um pouco de análise crítica, quase de ninguém.

A maior de todas as comédias dos erros é descobrir que tem muita gente sem nenhum conhecimento da história do país e, de outro, gente que não entende a mudanças que estão acontecendo.

Conclusão: nenhuma. Os fascistas vão continuar sua marcha pela tradição, família e propriedade. Os comunistas vão continuar usando o boné do Che Guevara.

Salve-se quem puder.

PS: Nesse momento, acabo de ler que a assembléia dos estudantes da USP decretou greve, a partir de amanhã. Será que vão chamar a Tropa de Elite para resolver o caso?

Descrição de imagem: foto de uma jovem com a mão na boca, vaiando. A moça usa um nariz de palhaço

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Segregação travestida de inclusão


para Ginez Garcia que me ofereceu o mote

Quase diariamente eu preparo um resumo de notícias a respeito de deficiência, inclusão, educação e temas correlatos chamado Novidades do dia. Para editá-lo recebo links de colaboradores e também notícias pelos Alertas do Google.

Dia sim, outro também, aparece alguma notícia a respeito da criação de novos centros de formação, capacitação, preparação (ou qualquer outro nome bonito que queiram dar) de pessoas com deficiência. São criados pelos poderes públicos, prefeituras e estados, por organizações não governamentais e pelo setor privado.

A notícia sempre destaca a colaboração que esse tipo de centro vai dar à inclusão dos "coitadinhos dos deficientes" (não, eles não usam essa expressão, mas é exatamente esse o tom do discurso).

Alguns centros são para pessoas com deficiência em geral (mas só para pessoas com deficiência), outros para pessoas com deficiências específicas.

Exemplos típicos de segregação em nome da inclusão como bem notou o Ginez Garcia.

Ainda existe muita gente que acha que incluir é preparar as pessoas com deficiência para serem aceitas na sociedade, uma deslavada mentira.

Incluir é preparar a sociedade para conviver com todas as pessoas (independentemente de raça, sexo, classe social, deficiência ou qualquer outro fator de exclusão)

Para que centros profissionalizantes segregados? Não bastaria que as escolas profissionalizantes recebessem todos os tipos de pessoas?

Por que gastar rios de dinheiro com a construção de infraestrutura nova se é muito mais barato fazer as adaptações necessárias nos locais já existentes? (quem é que ganha com isso?)

Formação escolar ou profissional de pessoas com deficiência em ambientes separados do resto do mundo traz duas consequências óbvias:

A primeira é que essas pessoas com deficiência serão formadas para continuarem "deficientes", incapazes de viver autonomamente fora de contextos protegidos (e depois vão trabalhar em cooperativas de trabalho protegido recebendo esmolas a troco de trabalho escravo)

A segunda é que as pessoas sem deficiência nunca estarão preparadas para receber as que tem deficiência, pois a convivência nunca existiu. O que, certamente, continuará a alimentar a industria de "sensibilização" para receber esses alienígenas.

Infelizmente, as próprias pessoas com deficência ainda acreditam que isso é um benefício, que depois vai ser retribuído com votos.

A sociedade, que defende que os fins justificam os meios, agradece por não precisar mudar seu status quo.

Descrição da imagem: desenho de uma casa presa por correntes e fechada com um cadeado