terça-feira, 30 de julho de 2013

Síndrome de coitadinho



"Se você acha que é árdua a tarefa de ensinar, não sofra mais, procure outra profissão" (Profa Maria Tereza Égler Mantoan no congresso sobre SD em Londrina)

A minha infância aconteceu nas eras quase pré-históricas da televisão. A imagem era em preto e branco,  não existia controle remoto (era preciso levantar do sofá para girar o seletor de canais ou mudar o volume) e tínhamos limites de tempo para ver TV, geralmente no final do dia, antes do jantar.

Em compensação tínhamos os excelentes desenhos animados da Hannah- Barbera, dentre eles, um dos meus preferidos eram as aventuras de Lippy & Hardy (no original, Lippy the lion and Hardy har-har). Talvez poucos se lembrem dos planos mirabolantes de Lippy mas, certamente muitos vão se lembrar do bordão de Hardy (uma hiena depressiva que nunca ria): “Oh, dia, oh, céus, oh, azar...não vai dar certo”.

É inevitável, quando ouço ou leio algumas pessoas, me lembrar de Hardy. Pessoas que não tendo a oportunidade de escapar da convivência com pessoas com deficiência (ou porque são os pais da criança ou porque a lei os obriga a tê-los dentro dos contextos sociais, em especial a escola), aproveitam todas as oportunidades possíveis para lamentar o fato. 

Geralmente através de metáforas, elipses e outras figuras de linguagem que oferecem  a possibilidade de dizer as coisas sem parecer politicamente incorreto ou não soar como um pai ou mãe desnaturados.

O discurso dá a impressão de que um raio caiu na cabeça dessas pessoas e, não só o resto do mundo precisa ter pena delas (até mais do que ter pena de quem tem a deficiência) como oferecer algum tipo de compensação pelo sofrimento  que elas passam.

As compensações são das mais variadas espécies. Psicológicas, morais, financeiras e, de acordo com a crença, até mesmo teofânicas (Deus precisa me premiar de alguma forma pelo que eu estou passando).

Claro que não deixa de ser verdade que esse tipo de pessoa se queixaria da vida em outras situações bem menos traumáticas mas nada como uma boa “desgraça” para levar a síndrome de coitadinho até o infinito.

Quando eu penso em que mundo nós queremos que nossos filhos, alunos ou amigos com deficiência sejam incluídos não posso me imaginar como sendo, eu mesmo, pai ou professor, um ser especial e com benefícios diferentes de todas as demais pessoas do mundo.  

As pessoas com deficiência, eventualmente, podem demandar adaptações no mundo que permitam que elas usufruam de todos os direitos que tem como seres humanos (não como seres especiais). Eu, como pessoa que me relaciono diretamente com elas, sou apenas mais um no meio da multidão.

E deixemos o estilo Hardy para os desenhos animados.

Descrição da imagem: desenho da hiena Hardy em sua típica expressão de sofredora.

terça-feira, 2 de julho de 2013

O cego que me fez ver o mundo

Ele não era só mais um companheiro de militância e de debates (ótimos debates). Ele era o cara que, ironicamente, me fez enxergar um monte de segundas intenções por trás da lutas. Eu posso dizer que vi mais longe pois me apoiei nos ombros de um gigante.

Ele não era apenas um parceiro de textos inclusivos e xiitas. Era o homem que colocou a acessibilidade digital na rede e na cabeça de pessoas e de empresários. E me tornou um xiita da acessibilidade, passo imprescindível para a inclusão.

Não poucas vezes discutimos com argumentos conflitantes. Numa delas ele chegou a ficar muito bravo comigo, mas eu não iria perder a parceria dele por uma divergência, passei a mão no telefone e nos entendemos. Sempre nos entendemos.

Ele me deu o título de "cego honorário", uma honra que eu vou carregar pelo resto dos meus dias. Eu o chamava de meu guru da acessibilidade. Também fazia parte do meu conselho de notáveis, pessoas a quem eu recorria (e ainda recorro) quando tenho mais dúvidas que certezas.

Conversávamos muito, especialmente através das mídias digitais que ele manobrava com maestria. Não poucas vezes pelo bom e velho telefone e para a minha alegria, nos ocasionais, mas prazeirosos encontros que tivemos pessoalmente.

E não foram poucas as vezes que ele me deu apoio pessoal e solidariedade em momentos complicados pelos quais passei.

Nessa semana eu vou para o Rio e estava nos meus planos visitá-lo no hospital onde, mais uma vez, ele lutava pela vida. Dessa vez ele perdeu.

O MAQ, Marco Antonio Queiroz, era um amigo de verdade, mais do que tudo que eu pudesse falar dele. E amigos de verdade são uma raridade.

Que o seu legado e a sua luta possam ter ficado nos corações e mentes de quem conviveu com ele.

A sua lembrança ficará para sempre em mim, o síndico da bengala mais legal que passou na minha vida.

Descrição da imagem: foto do MAQ com sua eterna expressão de bom humor.