domingo, 15 de fevereiro de 2009

Toma que o filho é teu

Esse texto é dedicado à Mônica, à Dulce, à Selene, à Suely, à Lígia, à Priscila, à Karina, professoras do Samuel e de mais duas ou três dezenas de outros alunos junto com ele. À Pat Karst Caminha, à Mara Sartoretto e a todas as demais anônimas que acreditam que inclusão acontece pelas mãos delas, dentro da sala de aula, com todas as crianças.

Assim não dá. Pensam que eu sou de ferro ou que tenho o dom da onipresença. Vou me queixar à secretaria extraordinária de Relações Paternais.

Imaginem só a minha situação. Eu trabalho mais do que a jornada oficial naquilo que é a garantia do meu sustento. Além disso, dou aulas à noite e, não poucas vezes aos sábados. Também tenho outras atividades voluntárias mas, como tal, não posso me queixar delas.

Minha vida já era complexa e eu resolvi casar e, dentro do casamento, tive filhos. Vocês sabem, ter filhos não é uma coisa fácil (fazê-los sim, mas essa é outra história), é preciso cuidar deles, alimentá-los, vestí-los, peregrinar em médicos a cada gripe, brincar e dar educação - a única forma que eu conheço de prepará-los para vida.

E não é que justo na minha classe, digo, na minha casa, veio parar uma criança com deficiência ?!? Tudo bem, já tentaram me convencer que é um anjo (contestei com argumentos teológicos que não é), que isso é excepcional, que pode acontecer em qualquer lugar (se pode acontecer com tanta frequência, então não é exceção) ou de que eu sou um pai especial - imagino que o resto da família seja todo formado de pessoas ordinárias...

Me pergunto sempre : o que é que eu posso fazer por esse alienígena que surgiu na minha vida? Como é que vou dar conta dele e do resto da família?

Tanta gente me falando que é uma questão de atitude, de valorização da diversidade...mas a pimenta não está nos olhos deles.

Imagine só que outro dia meu filho me desobedeceu, brigou com a irmã e, se eu não sou esperto era capaz de jogar areia numa outra criança no playground.

Por isso tenho de bater o pé e reclamar os meus direitos (se ele quiser os dele, ele que se defenda), a partir de agora eu quero me forneçam um "pai auxiliar".

Claro que não pode ser qualquer um, eu quero um pai auxiliar com habilitação de especialista. Senão como é que ele vai poder entender os laudos e as necessidades especiais desse meu filho?

E não me venham com essas coisas de pai de apoio em contraturno. Quero um auxiliar exclusivo para a minha casa.

Um auxiliar que me permita dar a atenção que os filhos sem deficiência precisam, caso contrário eu os estarei excluindo.

Um auxiliar que não deixe que o barco do casamento e dos filhos ordinários naufrague.

Um auxiliar que esteja preparado, pois eu não fui preparado para lidar com essas crianças (nem consegui entender o laudo que falava de CIF não sei o que...). Até fui nuns cursos de formação, mas achei tudo uma demagogia.

Um auxiliar que entenda técnicamente da síndrome do meu filho, afinal, deve existir uma paternologia específica para cada cromossomo que ele tem a mais.

Mas um auxiliar que não esqueça que o pai regente sou eu... senão vai ter encrenca.

Quando é que vão entender que pai comum lida com filho comum? Que os especialistas cuidem dos especiais. Ele são tão estranhos, não é mesmo ?

Que as faculdades comecem a preparar os futuros pais para essa realidade, agora, nós pais mais antigos não merecemos essa árdua missão, a menos que estejam querendo me castigar pelos meus pecados.

Que a secretaria paternal crie leis, decretos, normas e portarias que garantam o fornecimento gratuito de pais especialistas como auxiliares de todos os pais comuns e, de preferência ainda me pague um extra pela dor de cabeça.

Ou, pelo menos, que me expliquem como é que tem outros pais por aí que estão dando conta do recado.

15 comentários:

Cristiana Soares disse...

ótimo, ótimo, ótimo! eu tb quero uma mãe auxiliar especialista!

ZéMoa disse...

Quer um pai uxiliar então?? E você tem dinheiro para pagá-lo? Sim, pergunto porque isso custa dinehiro e se a tua ordinária família não tem condições de ajudá-lo nessa árdua tarefa voce vai ter que pagar. Do contrário vai bater em outra freguesia.
Falei???

Fábio Adiron disse...

Zé Moa

Você esquece que eu sou um pai público?? Que o erário se encarregue dessa despesa.

Maria disse...

Hoje conheci uma menina chamada Gisele, 12 anos e muita conversa e simpatia pra quem quisesse ou pudese ou sei lá o que estar com ela. Pois bem, enrolei e cheguei perto, perguntei se ela estava fazendo um morro de areia e ela rarpidinho: não, to só brincando com a areia...
Felizmente minha irmã lembrou de fotografar e a mãe da Gi (apesar de na despedida dizer: obrigada por dar carinho a ela...:/ )não se importou com as fotos.
Não acredito em nada que não seja "junto, igual mesmo que diferente". Caramba, será que um dia o mundo será de todas as pessoas MESMO? Raça, cor, credo, peso, dente branco ou amarelo, será que um dia isso tudo deixará de determinar quem é melhor?
Voltei da praia triste com isso Fabio, acho que nem entendi o texto... Nada de auxiliar, imagina só...

Unknown disse...

Adorei! Espero que outras "secretarias" e outras profissões também leiam o seu desabafo.
Bjs,
K

Anônimo disse...

Quero mais...auxiliar, especialista, estagiário,...
O que mais me cutuca é ouvir "Essas crianças" como se fosse sei lá o que, isso até mesmo antes de ser apresentada a "essa criança". Será menos criança, menos gente, ou ????
Temos "alunos de inclusão", que inclusão é essa que não abandona rótulos, só substitui por outros tantos.
É criança. É aluno. É filho. É gente antes de qualquer outro adjetivo ou julgamento.
Faz bem ler seus textos, são claros, precisos, diretos.
Quando crescer quero escrever assim.
Abraço
Val

Anônimo disse...

Fabio

Eu, assim.. De repente posso me candidatar.. Tenho o Rodrigo que atesta minhas capacidades e a Isabel que costuma as colocar em prova a cada 5 minutos..

Por outro lado é muito triste quando percebemos que, no âmbito familiar, há pais titulares que nem auxiliares são..

Abs
Lucio

Manu disse...

Adorei!!!! Gostaria que algumas professoras da minha filha lessem esse texto... Só corria o risco de elas não perceberem a ironia e acharem que vc está endossando o discurso delas kkkkkkk... Parabéns!

Unknown disse...

O pai da Amanda acumula duas tarefas: "pai e pai auxiliar" e ele vale por muitos professores, psicólogos, padagogos que já conhecemos em nossa árdua caminhada da inclusão. No final de semana, com uma paciência que não sei de onde ele tira tanta disposição, ele repassa as tarefas que as professoras da escola não conseguiram dar conta do recado e a Amanda consegue então, finalmente, aprender. Admiro estes pais e mães auxiliares que se desdobram e se multiplicam.
Também gostaria que as professoras lessem este artigo e eu correria o risco de perceber que elas não entenderiam a sua mensagem. Parabéns, Fábio!
Cris (mãe e mãe-estagiária)

Anônimo disse...

Parabéns mais uma vez e adorei a idéia de pais auxiliares, KKKKKKKKKK!!!

Seria cômico se não fosse trágico, mas infelizmente pessoas que pensam assim esistem. Esistem não só nas escolas, mas também dentro de uma empresa quando se contrata alguém com deficiência.

É como se ao contratar tal mão de obra significasse contratar um funcionário a mais, porque aquele sozinho não será capaz de executar suas tarefas.

Mas um dia chegamos lá, eu tenho fé e gostaria de ainda estar por aqui para experienciar esta inclusão.

Abraços e esperançosos de que um dia teremos pessoas melhores, com idéias melhores num mundo bem melhor para se viver.

Verônica Mambrini disse...

Fábio, tudo bem? Estou fazendo uma matéria sobre inclusão. Cheguei ao blog por uma feliz indicação de uma lista de discussão da qual participo e acho que uma conversa com você acrescentaria muito à reportagem. Se puder conversar comigo alguns minutos, peço que me mande um fone de contato para o veronica@istoe.com.br.
Desde já, agradeço!
Abraços

carmen disse...

Fábio, que posso falar a respeito, quando os meus filhos são só ordinários, e já dão tanto trabalho???

Só posso me solidarizar, pois sei que é muito árdua esta tarefa em tempo integral...

Que Deus lhe dê muita força, graça, sabedoria, para lidar com esta situação tão "requerente" em todos os aspectos.

E eu, como pai-mãe por anos, após meu marido ter "dado no pé"", por haver "descoberto que não servia para ser esposo nem pai" (sic), tive que aprender a me virar sozinha, pois a família fica de longe, a olhar, e a criticar o que você fez ou deixou de fazer...

Abçs e força!!!
bjs

Anônimo disse...

Fábio
Parabéns pelo texto, adorei, está simplesmente genial!!!!
Abraços

Jacki Rodrigues disse...

Olá Fabio,
Vc não imagina o quanto "ganhei o dia" após a leitura desse texto.
Que bom que conheci o seu blog!!
Abraços

Anônimo disse...

Fabio,
Percebo um "leve" tom irônico nas suas palavras. Ironia tem raízes gregas: Sócrates não era apenas irônico, mas um cínico (havia mesmo a escola cínica). Nestas raízes filosóficas, a ironia é um exercício de inteligência.
Não estamos na Grécia: nos distanciamos deste mundo de debate das ideias, e, ao nos manifestarmos pelo caminho contrário do que caminham nossas idéias, a impressão que pode ficar é a de sarcasmo e depreciação.