Não passa uma semana em que não leia ou ouça alguém falando a respeito de incluir pessoas com a deficiência X ou Y na escola. O assunto passa por discussões em grupos, por teses de mestrado e doutorado e por infindáveis trabalhos de conclusão de curso (os TCC´s que aterrorizam nossos estudantes universitários).
Eu me lembro que nos primeiros anos do Samuel (meu filho que tem síndrome de Down) eu cheguei a flertar com essa idéia. Comecei a colecionar livros sobre matemática para crianças com SD, alfabetização para crianças com SD. Livros que, por sinal, eu nunca cheguei a usar e joguei todos fora em uma das minhas limpezas de biblioteca (não acreditava neles nem para encaminhar para outras pessoas).
Nunca usei porque, à medida que o Samuel avançava na escola, eu descobri que não existe uma coisa como matemática, português ou geografia para pessoas com síndrome de Down. A ortografia é a mesma para pessoas cegas, paraplégicas ou com síndrome de Down. Não existem tabuadas diferentes para surdos ou pessoas com autismo.
Da mesma forma que descobri que não existe um método pedagógico que atenda homogeneamente todas as pessoas que tem uma mesma deficiência. Meu filho aprendeu cedo a ler, o que não significa que todas as crianças com SD terão a mesma facilidade. Por outro lado, ele não tem a mesma habilidade visual, o que torna a geometria e as artes algo onde ele sempre sofre um pouco.
O que acontece é que os educadores acham que, da mesma forma como a educação é pasteurizada e homogênea para os alunos ditos "normais", devem existir métodos mágicos que resolvam todos os problemas educacionais daqueles que tem deficiência.
Esses educadores foram formados em escolas e universidades onde foram tratados como massa de pastel, não é para menos que repliquem o modelo. Chega a ser engraçado que, quando questionados sobre suas classes homogêneas, eles afirmem de pés juntos que não existem essas classes. Por outro lado ensinam, dão lição de casa e avaliam como se todos fossem idênticos.
A escola onde meu filho estuda teve outra aluna com SD (que saiu de lá porque a família mudou de cidade) e eles não demoraram mais que um mês para descobrir que o que tinham feito com o Samuel não servia para a outra menina. O estilo de aprendizagem das pessoas não está instalado no cromossomo 21.
Querer incluir pessoas por categorias é perpetuar o preconceito e a discriminação (preconceito e discriminação que. algumas vezes, são promovidos pelos próprios grupos excluídos). É alimentar a indústria de escolas segregadas, de livros especializados, de palestras pseudo-inclusivistas.
Enquanto escolas e educadores não perceberem que a inclusão é um assunto da educação, e não da educação das pessoas com deficiência, continuarão a trilhar o caminho errado. Educação inclusiva só existe se for boa para as pessoas com e sem deficiência, com e sem problemas sócio-econômicos, com e sem distúrbios, transtornos ou fragilidade social.
No momento que fizerem essa descoberta, certamente teremos mais gente discutindo educação de verdade e não essa nuvem de fumaça que temos hoje.
Descrição da imagem: história em quadrinhos onde dois meninos conversam. O primeiro diz: "Bolha, como é que você pode ser tão provinciano, reacionário, conservador e recalcado. Isso não te fazmal, não?". O segundo menino responde : "Não, eu tomo meus remédios" (na mão do segundo menino um frasco de pílulas de hipocrisia).
O Cartoon é de Benett
9 comentários:
Oi, Fábio!
Eu cheguei até aqui por causa da pesquisa para um trabalho do curso de especialização Tecnologias em educação... rsrsrsrs
Leio teus textos e me encanto com eles...
Concordo quando dizes que escolas e educadores precisam se dar conta de que "a inclusão é um assunto da educação".
Trabalho em escola pública de ensino médio há mais de dez anos... nunca tive um aluno com deficiência...
Trabalhava numa escola de periferia e mais da metade das crianças não chegava (chega) ao ensino médio...
A gente precisa reinventar a escola, para que ela seja para todos, de verdade!!!
Abraços!!!
"Educação inclusiva só existe se for boa para as pessoas com e sem deficiência"
falou tudo...
abraço
O mesmo argumento, serve, criteriosamente, para acabar com essa ideia maluca de reserva de vaga para negros. O problema não está na cor da pele, mas no montante investido em educação para todos e na forma de usar o investimento.
Também não passa uma semana que vc não relembre a todos que inclusão é para todos e que o preconceito e a discriminação muitas vezes são promovidos pelos próprios grupos excluídos!
Eu me considero resgatado e procuro explicar e difundir esse pensamento de inclusão real.
Um Abraço!
Gostei. Exatamente como penso. Não há teoria que substitua a ação. A questão para os acadêmicos: Quando vamos deixar de fragmentar o ser humano ?
Abç
Vera
Fábio , esse texto foi muito elucidativo e excelente como tudo que escreve . È justamente por esse motivo que professores ficam tão apavorados diante das diferentes demandas de aprendizado que alguns alunos apresentam , acham que precisariam ter feito cursos, especializações e etc, e na verdade as especificidades são muito poucas e fáceis de aprender , o dificil é ser um bom professor , com competencia para transmitir o mesmo conteúdo através de caminhos as vezes diferentes . Um abraço, Rosangela
Fabio vc poderia me passar seu email para trocarmos algumas ideias?
No aguardo,
O problema está na educação por si só, para os ditos "normais".
Diante da dinâmica que vivemos, onde os alunos são muito mais espertos e podem ter voz ativa, os professores se sentem ameaçados e percebem que não são mais detentores do saber. Por causa do fracasso que sentem na carreira, buscam, na verdade, culpados por esse fracasso. Como a inclusão é um assunto que vem sendo discutido e difundido nos dias atuais, é ela quem leva a "culpa" a inclusão! Ou melhor, os alunos "diferentes" que antes estavam separados.
Pois tem sim um professor:Léo Akio Yokomona que criou um ensino da matemática para crianças com Down. Achei muito interessante. Está no youtube
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