sábado, 3 de abril de 2010

O Gérson de cada um



"Devemos lutar pela igualdade sempre que a diferença nos inferioriza, mas devemos lutar pela diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza"
Boaventura de Souza Santos.

Num dia desses, no supermercado aqui perto de casa, encontrei um rapaz fazendo compras. O adolescente, devia ter uns 15 ou 16 anos, andava pelas gôndolas, olhava alguns produtos e colocava alguns no seu carrinho. Nada muito diferente do que qualquer um faz, exceto o fato que o menino tinha síndrome de Down o que, por motivos mais que óbvios, me chamou a atenção.

Como não é o único jovem que já vi no meu bairro fazendo suas atividades de forma independente (sempre vejo um outro, mais velho, caminhando sozinho na rua) fiquei feliz com sua liberdade. Me enganei. Não demorou muito para que surgisse a mãe com outros produtos e colocasse junto com os outros. De qualquer forma, o rapaz, em momento algum, demonstrou alguma dificuldade em ajudar nas compras.

Cruzei com os dois em outras gôndolas e, quase simultaneamente, em direção à fila do caixa. O supermercado não estava lotado, mas também não tinha caixas livres. A mãe não teve dúvidas, foi direto para o caixa preferencial, ou seja, seu filho era suficientemente capaz para ajudar a fazer as compras mas, para escapar da fila, ele virava um "deficiente".

Nesse momento me vieram à cabeça duas frases. A do professor português Boaventura Santos (que uso como epígrafe) e a da propaganda de uma marca de cigarros protagonizada pelo futebolista Gérson onde ele dizia que era preciso levar vantagem em tudo.

Frequentemente tenho visto cenas e lido relatos exatamente iguais a esses. Pessoas com deficiência ou pais de pessoas com deficiência que, debaixo do discurso de igualdade e de inclusão não perdem nenhuma oportunidade de levar vantagem em tudo.

Pessoas com capacidade econômica atrás de benefícios fiscais, pessoas que querem viajar a turismo caçando descontos beneficentes em passagens aéreas, pessoas sem nenhum problema de mobilidade furando filas.

Agem como se a afirmação de Boaventura fosse: devemos lutar pela igualdade quando ela nos convém e lutar pela diferença quando ela nos convém.

Os mais furiosos vão me responder dizendo que, se a lei permite, porque não aproveitar? Por que não levar vantangem em tudo, certo?

Errado. Cada vez que alguma pessoa usa sua deficiência como arma para obter vantagens ela reforça a percepção deficitária que o resto do mundo tem. Ela proclama para todos que as pessoas com deficiência precisam de tratamento diferenciado por que nunca alcançarão a autonomia. Reforça o discurso da exclusão.

As pessoas com deficiência precisam de respeito e respeito é algo que se conquista, não cai do céu.

Não podem nem se deixar vencer por imposição de condições absurdas (o artigo da Mara Gabrilli sobre esse tema é um bom exemplo disso) mas, também, não podem ser, elas mesmas, a abusadoras.

Claro, tudo é uma questão de bom senso que, infelizmente, é um produto em falta no mercado.

Descrição do vídeo: sentados num sofá, um homem entrevista o jogador Gérson a respeito do cigarro que fuma. Tanto o jogador como o entrevistador estão fumando. Durante a entrevista é mostrado o gol que Gérson marcou contra a Itália na final da copa do mundo de 1970 e, ao final aparece uma imagem com os diferentes maços de cigarro Vila Rica e seus preços.

8 comentários:

Vilma A. de Mello disse...

Falar mais o quê? você já disse tudo...ótimo texto

Valmir disse...

Muitos ainda não percebaram que tentar levar vantagem em tudo é que faz o mundo pior pra todos.

Tchela. disse...

Concordo com você, Fábio. Muitas vezes, as pessoas confundem direitos com vantagens. Não aguento aqueles que acham que a deficiência deve trazer vantagens àquele que a possui. Quer um outro exemplo? Conheço casos de gente que recebe pensão por invalidez e se acha no direito de reclamar de falta de vagas pra quem tem deficiência. Porém, quando esta vaga surge, não querem arriscar a troca do benefício por um salário, pois deixarão de ser incapaz perante a lei e se ficarem desempregados serão tratados como quaisquer trabalhadores, sem direito ao benefício novamente.

smmattos disse...

Fábio, bom dia!! Seres humanos, sempre querendo levar vantagem em tudo. Observo o atendimento das filas nos bancos e dos caixas preferenciais, é lindo, rs o cidadão usa o caixa para idoso e logo em seguida vai para o bar da esquina. A respeito da cor da pele, ninguém quer ser classificado desta forma até que apareça vagas preferenciais para pessoas de cor. E lá estarão eles, rs
Enfim, vai entender!
Bjs!

smmattos disse...

Fábio, estou nesta vida e nos últimos 14 anos já descabelei, já chorei muito. Falar de inclusão é algo terrível e que infelizmente não existe. Pq tudo deveria começar na própria educação, lá no ensino fundamental. Necessidades especiais é assunto pra ser ser falado dentro das salas de aula, eu penso. Pq todos aprendem inglês, espanhol e não sabemos falar a língua dos sinais? (libra. Inclusão e meio ambiente, todos querem solução e daí? não fazem nada pra mudar e sempre continua tudo como antes. O fato é que, felizmente, nos últimos anos, pelo menos ,já temos a consciência do que devemos fazer, antes nem isso.
Resta esperança....
Bjs!

Paulo Sergio Cavalcante disse...

Eu acho uma pena pessoas sem sensibilidade a necessidades especiais e as diferenças existentes entre os humanos. Demonstram incompreensão no discurso Bourdieu e principalmente desconhecimento sobre essas pessoas ditas especiais. É desumano até o questionamento e verifica-se o equivoco da classe média privilégiado pelo sistema vigente, desse país sexista, machista, homofóbica e que arrasta heranças do escravagismo.

Paulo Sergio Cavalcante disse...

É uma pena ver a insensibilidade de uma classe abastada herdeira de um processo escravocrata, que dita o pensamento vigente no país. País esse racista, machista, sexista e homofóbica. A incompreensão das necessidades e das demandas históricas de um povo plural. A censura que faz nesse blog deixando as expressões de quem pensa igual é outra forma de demonstrar como os privilégiados buscam manter seus privilégios é o perigo de uma história única.

Fábio Adiron disse...

Não entendi bem os últimos comentários, devem ser meus neurônios que ficam mais lentos à noite