sexta-feira, 4 de junho de 2010

Educação líquida, mas não certa

Esse texto é dedicado a Carlos Eduardo Fantoni Ribeiro, que me trouxe de volta as idéias de Bauman

Zygmunt Bauman é um sociólogo de mais de 80 anos e, apesar da idade avançada é chamado de o profeta da pós modernidade, um dos poucos dos nossos contemporâneos que ainda tem idéias inovadoras.

Uma das suas mais conhecidas idéias é a definição da sociedade atual como sendo a era da modernidade líquida. Segundo a interpretação de Bauman nada mais é permanente, pelo contrário, tudo é permanentemente desmontado e reconstruído e, mesmo a reconstrução já é feita com a perspectiva da transitoriedade.(Sem ter a menor idéia de quem era Bauman, escrevi em 1982 meu manifesto mutantista, texto que reproduzi no meu blog de assuntos aleatórios em agosto de 2007).

Bauman define as modernidades anteriores como sendo sólidas, ou seja, quando a sociedade passava por transições e grandes mudanças, a perspectiva da nova ordem era a de que essa se solidificasse como o novo status quo, que fosse o fim da busca pelas soluções para todos os males do mundo. As modernidades do passado desmontavam as realidades herdadas com a intenção de torná-las melhores.

A modernidade atual é incapaz de manter sua forma. Como todos os líquidos suas moléculas não tem coesão suficiente para se solidificar. As instituições, referências, estilos de vida, crenças e filosofias mudam antes mesmo de terem tempo de se plasmarem.

Tudo é volátil, flexível e, para muitos, o pior é que tudo é imprevisível. As pessoas são levadas a se movimentarem num espaço em que flutuam, onde o bem e o mal são relativos, onde não existem certo e errado, apenas formas diferentes de fazer as coisas. Não existem mais projetos de vida, como propunham os existencialistas, não existe mais uma identidade fixa, vive-se a cada momento sem que haja sentido numa perspectiva de longo prazo.

Isso implica num exercício de filosofia. Quem é o ser? Na modernidade sólida era um cara dividido entre o bem e o mal, na líquida passa a ser alguém que se movimenta entre os mais diversos polos possíveis A explicação mais direta talvez seja a diferença entre o comportamento da sociedade na guerra fria em contraposição ao de hoje nas redes sociais. A maneira de ver o mundo, de tomar posição (era muito mais dicotômica) é diferente de uma sociedade onde tudo é relativo no tempo e no espaço (inclusive a ética), a fluidez desse relativismo é que fez o Bauman falar em liquidez da modernidade

Quando olho para escolas e professores totalmente perdidos com a entrada de alunos com as quais eles não fazem a menor idéia de como lidar, gente que sempre esteve à margem da educação, que sempre foi excluída (e aqui não me refiro apenas às pessoas com deficiência, os excluídos são muitos mais do que imaginamos), eu percebo que, assim como outras modernidades, a escola não está sequer próxima das mudanças que acontecem na sociedade.

Howard Gardner - aquele que mesmo das inteligências múltiplas - costuma dizer que as nossas escolas (não só as brasileiras, mas do mundo todo) continuam a preparar as nossas crianças e jovens para viver no século XIX...

A escola se enraizou nas suas crenças e convicções e, tirando as inovações tecnológicas, nunca conseguiu acompanhar o desenvolvimento da sociedade. Escola que continua tentando impedir o desenvolvimento de novas idéias e soluções, até porque o seu objetivo é o enquadrar seus alunos no status quo. Por princípio, a escola é a principal inimiga de tudo que é moderno, criativo e inovador. (tem dúvidas a respeito? repare nos TCC´s de cursos de pedagogia cujo único objetivo é o de reproduzir o que já foi dito por alguém)

Quando confrontados com a realidade social a escola se confunde toda e adota a postura de rejeitar não só as idéias diferentes como os alunos que coloquem em xeque a solidez das suas apostilas e rigidez das suas avaliações.

Quando um novo professor sai da faculdade e se defronta com a vida real e o estado de liquidez da mesma, constata que não foi preparado para isso. E não foi mesmo. Seu erro é acreditar que a preparação vai se dar nas mesmas instituições que não o prepararam de forma adequada anteriormente.

Só no contato com a realidade líquida é que o professor vai aprender a navegar pelo espaço sem procurar o chão. E vai entender que seu espaço de trabalho não carece de bolas de ferro amarradas nos pés.

Descrição da imagem: foto de Zygmunt Bauman, um senhor idoso, calvo e com os cabelos das têmporas brancos, em posição de oração

9 comentários:

Fernanda Mexas disse...

Que maravilha de texto!!!

Tenho um filho portador de Síndrome de Down e cada vez mais me espanto com a falta de preparo das escolas e suas professoras mesmo com a minha outra filha que possui 46 cromosomas.

Obrigada por proporcionar uma leitura tão rica.

O Tempo Passa disse...

Bauman... taí o cara, meu! Ele afirma coisas que eu só sentia, mas não conseguia verbalizar. Mas é isso aí! Modernidade líquida. E certa!

Rita disse...

Olá! Em uma reunião de HTPC os professores acharam absurdo um deficiente visual passar em um concurso para professora da pré escola. Bem;eu achei elas preconceituosas, pois nem sabiam do contexto, mas enfim, queria saber sua opinião, mais até, se pudesse escrever algumas palavras para que na próxima HTPC ler para todos.O que acha?

Natália Lopes disse...

Fábio, gostei muito do seu texto.

Imagino que, se por um lado, a escola não acompanha o desenvolvimento da sociedade, ela também é, em parte, o espelho de um determinado contexto social, no qual visões de mundo antigas e atuais, ultrapassadas e modernas, rígidas e fluidas coexistem.

Nesta semana, vi uma notícia sobre o projeto de lei (PL 6651/09) que pretende aprovar o fim da idade limite para pessoas com deficiência intelectual frequentarem a escola regular. Sem desconsiderar a boa intenção do projeto, logo pensei nas pessoas nessa condição, dentro de uma escola, sem prazo determinado para dela saírem, em busca de um “aprendizado ideal”.

Como confrontar isso com esta realidade líquida??

Gabriela disse...

Quando você diz que a escola é a principal inimiga de tudo o que é moderno, você dá a impressão que não acredita nela. Pois reconhecer que a escola parou no tempo e não se atualizou pode significar justamente que se acredita nela e que, portanto, ainda existe esperanças de que ela recupere o tempo perdido. Mas quando você a sentencia parece que você desiste de reabilitá-la. Como se faz com um criminoso que se condena à pena de morte. Eu sou a favor da escola! Não dessa, claro, mas de outra que ainda vamos descobrir qual é.

Fábio Adiron disse...

Dona Castanha

Eu também acredito que a escola é o lugar do aprendizado. Essa que está aí e que não procura se adequar ao mundo real já está condenada, e não por mim.

Porém acredito que alguns educadores vão transformar essa realidade. Torço por isso.

Conhecimento Ilimitdo disse...

Fábio, estou "te conhecendo" agora, mas sei que o meu elógio é muito pequeno diante do seu conhecimento, da sua bagagem, mas ouso a dizer que adorei os textos do seu blog, que já me fazem acreditar que você é um grande admirador da verdadeira educação, é bom saber que mesmo sem conhecê-lo pessoalmente eu possa sentir isso, eu sou professor dos anos iniciais do ensino fundamental, espaço da vida escolar do aluno e tempo da escola que realmente acontecem tantas situações que são confrontadas com as suas ideias, do pouco que eu pude perceber, mas muito obrigado por existir e ser um militante da verdadeira inclusão na educação e na sociedade também.

Josandra Rupf disse...

Passei para conhecer seu blog e já me apaixonei.
Tem me ajudado muito, proporcionando um leitura rica e informativa.
Um grande abraço e tudo de bom.
Visite também o meu blog http://professorinhamuitomaluquinha.blogspot.com

Patricia disse...

Muito interessante seu Blog! Continue. Quero mais!
Patrícia
http://sombrasecataventos.blogspot.com