quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Onde estão os meus deveres ?

Mais de uma vez eu já declarei minha posição a respeito da avidez por benefícios que ataca uma parcela considerável das pessoas com deficiência e seus familiares. Todos querem mais direitos, um vício que não é exclusivo das pessoas com deficiência, mas do povo brasileiro, criado debaixo de governos e leis assistencialistas que, espertamente, sabem que distribuir migalhas custa mais barato que oferecer condições dignas de vida para todos (Newton Cardoso tinha sua teoria política :. - “Faço política com pobre, porque pobre é barato...").

Para o meu desgosto recebo, com muito mais freqüência do que gostaria, pedidos de informações sobre os direitos. Querem saber se acompanhante tem direito a não pagar passagem de ônibus, se o irmão da pessoa com deficiência não pode também ganhar um, se o primo do concunhado do padrinho também não tem uma boquinha.

Quando o assunto é o LOAS (benefício pago pelo INSS a pessoas com deficiências severas e de famílias cuja renda per capita não ultrapasse 1/4 do salário mínimo) a situação beira a desonestidade, afinal, nessas horas e só nessas horas, todo mundo quer ser considerado "deficiente".

A última que recebi fez meu pâncreas se retorcer. Uma pessoa, candidata a vereadora de uma cidade pequena, me escreveu querendo saber se ela não poderia ser eleita com menos votos que os necessários, ou seja, queria uma lei de cotas eleitorais. Pior, disse que pretende defender os direitos dos "pacientes especiais" (sic), mas me pediu orientação sobre quais são os seus direitos como pessoa com deficiência, ou seja, vai fazer campanha prometendo o que desconhece.

Por que que ninguém me manda mensagens perguntando sobre os seus deveres ? Será que as pessoas querem tantos direitos acreditam que são seres de outro mundo e não estão debaixo de obrigações ? Será que dever é algo que todo resto da humanidade tem como dívida para as pessoas com deficiência ?

Eu sou pai de uma pessoa com deficiência e sei que tenho vários deveres, assim como sei que preciso preparar meu filho para viver num mundo onde todas as pessoas tem direitos e deveres, benefícios e obrigações.

Eu tenho dever de colocá-lo numa escola e o dever de lutar para que ele receba uma educação que o prepare para vida. Ele tem o dever de comparecer às aulas, respeitar colegas e professores, fazer sua lição de casa.

Eu tenho o dever de lhe garantir sustento, alimentação e saúde. Ele tem o dever de cuidar da sua higiene, de se alimentar corretamente, de cuidar da sua própria saúde naquilo que for da sua responsabilidade.

Eu tenho o dever de participar politicamente da sociedade (mas não a obrigação de participar partidariamente) de forma que essa represente também os meus valores. Eu tenho o dever de denunciar os abusos, a discriminação, a ilegalidade. Eu não tenho o direito de me preocupar só com o meu umbigo e acha que os resto do mundo que se vire.

Me lembro de uma história de uma americano, pai de uma pessoa com deficiência, que foi brigar com a escola que recusava o seu filho. Não adotou o discurso dos "meus direitos", mas disse ao diretor da escola que esta o estava impedindo de cumprir com os seu dever de educar o filho.

Antes de reclamar os seus direitos, por favor, faça um check-list pessoal e veja se você está cumprindo os seus deveres. Se sim, certamente você não deve estar atrás de migalhas. Bem vindo à minha tribo.

8 comentários:

DFDOWN disse...

Muito oportuno, Fabio. E impressionante a capacidade do ser humano de se preocupar apenas com os seus interesses. E o pior e que se acham no direito de passar por cima dos outros para garantir os tais direitos especiais...

Anônimo disse...

De vez em quando ouço o seguinte: "Meu filho é igual a todas as crianças..." ( pausa para o café) , Logo depois: " será que eu consigo o benefício do Inss já que ele é incapaz?", meu estoque de dipirona está se esgotando...

Anônimo disse...

Fábio, compartilho contigo a idéia sobre os "direitos e benefícios". Freqüentemente me perguntam por que não busco comprar um carro com o desconto para pessoa com deficiência (Luíza tem SD). Minha resposta é sempre a mesma:Acho contraditório eu querer inclui-la, lutar para que seja tratada igualmente e aceitar essa "esmola compensatória" so governo!

Rita Mendonça disse...

Lindo texto. Já espalhei pelas listas alagoanas.
Um abraço.

Rita

Unknown disse...

Parabéns, Fábio!
Suas idéias são sempre lúcidas e pertinentes. Na qualidade de profissional que se dedica ao estudo e aplicação de conhecimento sobre deficiências, assisto a um sem número de práticas e discursos que reduzem as pessoas a meros objetos da comiseração alheia e lucro fácil de alguns daqueles que, pretensamente, os "representam".
Não é de se admirar numa sociedade que prega o voluntariado, em detrimento à oferta de oportunidades de emprego.

Maria disse...

Parabéns!
E sobre as cotas para negros, Fabio? Não seria o mesmo caso? Se eles "devem ter espaço garantido" é porque são 'inferiores'... ai que frase nojenta escrevi para dizer que vejo isso de 'benefícios' como vejo a cota na faculdade para o negro, como se não tivesse capacidade igual ao branco de prestar vestibular.
Por mais que se queira que todos tenham uma vida mais tranquila, não entendo porque pais ou alguém da família precise de benefícios para ter um carro melhor (ouvi isso aqui na semana passada, em Brusque), como se a pessoa down é que fosse usufruir daquilo, como se os pais tivessem orgulho de mostrar a criança, ai que raiva me deu...
Parabéns, não sei usar palavras bonitas como tu, mas é isso mesmo.
Beijão.

Anônimo disse...

Quase que diariamente me deparo com crianças deficientes que sustentam a sua família (através do seu beneficio), isso é muito triste!!

Toledo disse...

Sr. Fábio, excelente texto. Como cadeirante, advogado militante, candidato à vereador, sei exatamente dessa filosofia de "cuidar apenas do umbigo". As pessoas só querem saber de seus direitos, porém raramente dão conta de seus deveres, pessoas com ou sem deficiência. Acredito que cabe à nós quando questionado dos direitos lembrá-los de seus deveres. Provavelmente não serei eleito, pois defendo que tenhamos que ensinar as pessoas a pescar e não dar-lhes o peixe simplesmente como ocorre atualmente na classe política, uma inversão de valores, uma distribuição de migalhas sob o título de trabalho...(enfim, há vereador que acha que seu trabalho é distribuir cesta básica ao invés de legislar)mas isso já é outra história...rs.