quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Quem pode aprender o que ?


Bem antes do Melero (que eu e muitos outros temos como referência) , um educador, psicólogo e ativista americano negro chamado Kenneth Bancroft Clark já declarava que "Crianças que são tratadas como ineducáveis, quase que invariavelmente, tornam-se ineducáveis."

Na época ele se referia aos negros americanos marginalizados, colocados em classe especiais (sim, porque afinal, eles eram outra raça, com necessidades específicas, padrões de aprendizagem próprios...) e , a priori, definidos como pessoas que não eram educáveis.... não tinham a mesma capacidade dos brancos, eram mais intuitivos que racionais e, pior, estavam num estágio inferior de civilização.

Ah...também os negros eram considerados pessoas que só podiam aprender trabalhos manuais e tarefas repetitivas.

E diziam que eles não tinham capacidade de abstração...

Claro que, como não eram educados, continuavam sem educação. Sem educação não tinham trabalho. Sem trabalho não tinham sequer perspectiva de vida....e continuavam marginalizados. Clark foi o primeiro professor negro do City College em Nova York, depois acabou sendo convidado também para dar aulas em Columbia, Harvard e Berkeley

Nos seus estudos, Clark concluiu que a segregação provocava danos psicológicos às pessoas e seus estudos levaram à decisão da Suprema Corte Americana que baniu a educação segregada.

Quando eu falo a respeito dos negros as pessoas certamente concordam comigo que essa situação não era provocada pela cor da pele, mas pela sociedade que os cercava. Poderia falar das mulheres (que foram segregadas antes, e ainda o são em alguns países) e também todos concordariam que o problema é da sociedade e da cultura.

Por quê que, quando falamos que "o ser deficiente" tem um componente social e cultural que provoca essa situação em relação à educação (ou seja, a tal da especialização), ficamos tão resistentes à essa afirmação ???

Ah...porque a pessoa com deficiência tem um componente biológico específico....ué (ou uai, como diriam os mineiros), mas as mulheres também tem componentes biológicos diferentes dos homens ? vamos separar de novo a educação em classes por gênero ?? Ah....porque a pessoa com deficiência tem um laudo médico...(já ouvi tanto isso de professores), se o problema for de laudo médico, também podemos fornecer a respeito dos negros (tem melanina em excesso).

O nosso modelo "pseudoeducativo" que defende essa escola "especial" é meramente assistencial e caritativo. É um modelo que define a deficiência das pessoas como única causa dos seus problemas de aprendizagem, tudo isso apoiado médica e psicologicamente. Esse mesmo modelo que nunca busca uma possível causa na sociedade e na cultura. O modelo de intervenção (sim, porque é uma intervenção e não uma estratégia pedagógica) é individualizado e o currículo definido pelo déficit, ressaltando as incapacidades e não nas possibilidades dos alunos.

Por isso que eu também defendo que esse é um problema ideológico, mais do que um problema pedagógico, pois está focado na homogeneidade e não na diversidade. Na defesa de uma estrutura sócio-cultural que não pode ser mudada (status quo). Mudança implicaria em desestruturar os modelos de ensino e avaliação de séculos (até porque, a escola foi uma das coisas que menos evoluiu estruturalmente na nossa história). Ideológico porque combate o modelo assistencialista (que é fundamentalmente um modelo baseado na crença de que fazer bem ao próximo significa tratá-lo como um coitadinho que merece nossa pena).

Ou confiamos que as nossas crianças (e qualquer criança) seja capaz de aprender ou vamos educá-los para serem adultos inúteis, marginalizados e dependentes (dos pais, do "paizão" governo ou de entidades que os acolham).

Todos vão aprender matemática ?? Duvido. Eu, até hoje, não consegui entender um monte de coisas que me ensinaram (não sei para que serve saber o que é um dígrafo ou uma oração coordenada assindética)...e duvido que qualquer pessoa seja capaz de se declarar conhecedor de todas as ciências, artes e ofícios...

Matemática suficiente para a autonomia para todos (seja com calculadora, computador ou sorobã). Algoritmos para alguns. Português, ciências, literatura, história....para todos...e que cada um vá adiante naquilo que gostar mais, mas que a nenhum seja sonegada a oportunidade de conhecer tudo e de todas as formas.

Descrição da imagem : uma mãe pássaro se apoia na cabeça de um filhote para dar de comer a outro - alguns são bem tratados e outros desprezados.

8 comentários:

Claudia Grabois disse...

MUITO BOM!!!

Anônimo disse...

Como sempre MUITO BOM!!! Coisa tão simples e tão dificil de entender para muita gente.

Quando voltar de férias vou divulgar no nosso blog Pais21.blogspot.com (bem recente), porque sei que tb há ainda muitos pais q têm este problema, não falando de educadores, professores e...

Parabéns Fábio.

Anônimo disse...

Obrigada, Fábio, normalmente eu me reservo a fazer comentários, mas decidi que precisava fazê-lo. Vc como sempre conseguiu exprimir perfeitamente o que acontece, ppalmente nas escolas. Como não tenho a sua retórica e não consigo exprimir o que eu sinto em argumentos, pego todos os seus textos e mando pra profª da minha filha. Quem sabe eu consigo fazê-la enxergar aquilo que a maioria dos "educadores" parece não querer ver. Mais uma vez, valeu!!!

Anônimo disse...

O problema da educação não está no Fulano, está no Sicrano que não sabe ensinar.È òbvio que quem lucra com isso é o Beltrano, que diz saber ensinar o Fulano em suas inúmeras escolas " especiais".

Anônimo disse...

Fábio...Sempre é muito bom ler seus textos..no men insana, aqui, no grupo sd..seus argumentos batem tão fundo em mim que se tornam nossos...eu te agradeço muito, por mim, pela minha filha e por todos que de alguma maneira se sentem felizes ao encontrarem seus pensamentos tão bem colocados em palavras por outra pessoa...
bjs
kiki

Maria disse...

preconceito seja ele de qualquer tipo eu não sirvo pra discutir, perco completamente o respeito e vou direto pra ignorância. não tolero.
parabéns fabio. mais uma vez.
um grande abraço.

Débora Marinacci disse...

Olá Fábio.
Concordo plenamente com o texto. Sou educadora e acredito na inclusão; juntos todos aprendem mais: respeito, participação, partilha, hipóteses, apropriação do conhecimento...
Há um grande crescimento para todos. Crescer envolve descobertas, dores, conquistas, alegrias...
Os educadores precisam estar abertos aos desafios, buscar informações, orientações, ter conhecimento de causa; envolver-se e entregar-se, para que juntos: pais, alunos e educadores trilhem um caminho que possibilite amplitude, conhecimento e crescimento.
Ninguém nasce sabendo; nem tão pouco, seres humanos têm manual de instrução. Portanto, há que se ter coragem, para enfrentarmos os desafios com sabedoria, discernimento, responsabilidade e coerência.
Incluir é ampliar horizontes; dar vez e voz!
Débora

Anônimo disse...

No meu entender qualquer criança ou adolescente pode aprender. Tudo é uma questão de método.
Se nossos educadores insistirem em tratar seus alunos como uma massa de alunos, com certeza nunca teremos inclusão.
Por outro lado, se eles se interessarem a conhecer como o cérebro aprende e "customizar" o ensino, posso afirmar que "Nenhuma criança ficará para trás".
Os americanos já fazem isto há anos e nós, o que estão fazendo os educadores a respeito:
Apenas dizendo que o luno é indisciplinado e os pais são culpados.
Será que são os pais?