terça-feira, 30 de junho de 2009

Por quê sou contra um estatuto


"Triste não é mudar de idéias... Triste é não ter idéias para mudar!" Barão de Itararé


Ressurgiu essa semana a discussão sobre a necessidade ou não de um estatuto especial para as pessoas com deficiência. O motivo é um projeto de lei (na verdade vários projetos que foram apensados) com essa proposta. O projeto que está em discussão é um lixo. Quanto a isso há consenso geral em todo o movimento em defesa das pessoas com deficiência. Ele apenas serve aos interesses daqueles que vivem da exclusão e da segregação. Por isso, nem vou entrar no mérito do mesmo.

Acredito que a discussão de fato é, mesmo que o projeto fosse bom, seria necessário um estatuto? (seria necessário qualquer estatuto?)

Do ponto de vista legal, temos uma infinidade de leis específicas para pessoas com deficiência. Algumas boas, muitas ruins ou antiquadas. Algumas garantidoras de direitos, outras apenas concessão de privilégios. O problema não é a falta de leis, mas a falta do cumprimento delas. Temos muitas leis que nunca foram regulamentadas. Outras tantas que, apesar de regulamentadas, não são fiscalizadas. Pior, uma grande parte das leis não tem mecanismos de punição para quem as descumpre, o que as torna completamente inóquas.

No ano passado conseguimos a ratificação da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, com status de norma constitucional. Certamente é uma convenção discriminatória (lembrando que discriminar significa "fazer distinção") pois assume a existência de uma categoria diferente de seres humanos que não estariam cobertos pela declaração universal do direitos humanos. Mesmo assim foi um grande passo para uma população que, antes, não só não era considerada humana, como também não tinha acesso a direitos.

Nesse contexto a convenção passa a ser a diretriz para qualquer lei que venha a ser criada e para a revisão das leis que a contrariem.

Os defensores do estatuto entendem que existe a necessidade de se fazer uma consolidação das leis a respeito das pessoas com deficiência, e o estatuto seria o instrumento para isso. Durante um tempo eu também acreditei nisso.

Um estatuto é uma lei orgânica ou regulamento especial por que se rege um Estado, corporação, associação, companhia, etc. Ele serve para regular questões essenciais, questões referentes a comportamentos, atitudes das pessoas dentro de uma sociedade comum.Oras, se a sociedade é comum a todos, para que uma lei que proteja especialmente alguns? Ah, dirão alguns, porque são grupos historicamente discriminados, porque são cidadãos em estado de maior fragilidade.

Nesse caso não seria o suficiente aplicar a lei que serve para todos? Os direitos de todos não são válidos para as crianças, para os idosos, para qualquer cor ou etnia? Não serão bons inclusive para as pessoas com deficiência? Uma sociedade que não precise ser dividida em castas não é o nosso sonho de sociedade inclusiva?

Como o próprio Estado não cumpre as leis que tem, passa a inventar novas leis (que também não são cumpridas). Isso não passa de estratégia caça-votos (claro, se não fosse, porque então os legisladores se pegam de tapas para ter seu nome na lei?) ou estratégia diversionista - enquanto a gente fica anos discutindo a lei, ganha-se tempo para não cumprir as que existem.

Pergunta-se então: a quem serve uma sociedade que o estatuto quer edificar? Um país dividido em “castas” promoveria justiça para todos os excluídos das oportunidades econômicas, políticas, sociais e culturais? Seria a promoção da “casta” o melhor remédio contra a discriminação?

O que a sociedade precisa não é de mais leis, mas de criar e reforçar os instrumentos de controle para que as leis sejam de fato cumpridas. Isso está longe de acontecer. Numa sociedade em que cada um está preocupado só com o seu quintal não vai acontecer nunca.

Controle social dá trabalho, exige comprometimento, visão comunitária e isenta de preconceitos. Impossível numa sociedade em que todo mundo pratica alguns tipo de discriminação social.

É mais cômodo se deixar envolver pelas nuvens de fumaça.

Descrição da imagem : desenho cômico de um poleiro de pássaros em vários andares, quanto mais embaixo no poleiro, mais cocô os pássaros debaixo recebem na cabeça.

5 comentários:

Manoel Negraes disse...

Caro Fábio, boa noite!



Gostaria de brevemente expor minha opinião em relação ao Estatuto.

Também sou contrário a sua criação desde o início. Primeiro, porque como você bem colocou, acho que o caminho para a consolidação de nossa participação social é o cumprimento de algumas leis avançadas e a revisão de outras atrasadas, que só reforçam preconceitos e privilégios.

Infelizmente, sempre senti falta no movimento em defesa das pessoas com deficiência de um debate em torno da revisão de algumas leis e, sobretudo, da preocupação em se discutir a efetivação de direitos sociais de forma mais ampla no Brasil. Por exemplo, buscar uma educação inclusiva de qualidade a partir de uma educação de qualidade para todos e não o contrário. Como podemos lutar por uma educação boa para quem tem deficiência sem ter a preocupação e o foco na melhoria da educação como um todo, para todos?

Em segundo lugar, vejo um Estatuto, nesse caso, como um conjunto de normas para a defesa dos direitos de um grupo que não tem como se defender e exercer sua cidadania com autonomia, como, por exemplo, as crianças e os adolescentes, que já possuem o seu, um Estatuto que por sinal não é respeitado depois de quase vinte anos de existência. Mas, nós, pessoas com deficiência, e representantes do movimento não queremos justamente autonomia e independência?

Também, para mim está cada vez mais evidente o interesse de políticos que, por anseios pessoais ou representando grupos conservadores, defendem a criação do Estatuto. E estes grupos, infelizmente, ainda possuem grande representatividade não só no Congresso, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores, mas também no próprio movimento em defesa das pessoas com deficiência.

As deficiências têm suas particularidades (que com certeza devem ser levadas em consideração), mas muitas questões que as envolvem estão presentes na vida da maioria da população brasileira, que espera por serviços públicos de qualidade na educação e na saúde, saneamento básico, urbanização, mais emprego, menos violência, mais cultura, acesso à informação, entre outras coisas.

Por isso, acredito cada vez mais que o caminho não é a busca por um Estatuto, que será mais um livro na minha estante de leis, distante da realidade como é a Constituição Federal, e sim a incorporação de nossa luta em um debate amplo em busca da efetivação cada vez maior dos direitos básicos e da cidadania de todos. A fragmentação só enfraquece esta luta.

Digo isso porque, além do exposto acima, também sinto a necessidade de um diálogo e de uma articulação com os demais movimentos sociais, como os que existem em defesa dos direitos da população negra e GLBTT, das mulheres e outros. Por que isso não ocorre? Nossas “diferenças” são puras e isoladas? Já está na hora de ultrapassarmos as fronteiras de nossos movimentos e descobrirmos que nossos objetivos são próximos ou os mesmos.

Bom, é isso. Sei que posso receber muitas críticas também, mas espero encontrar alguns que tenham idéias parecidas com as minhas.
Parabéns pelo blog!


Abraços!

Naziberto Lopes de Oliveira disse...

E porque eu sou a favor está aqui mesmo... sou a favor de uma consolidação de Leis boas e extermínio e pulverização das Leis de fachada, de oportunidade, de oportunismo, que não servem para nada. E como os amigos favoráveis já vem defendendo e que já vimos defendendo ha tempos também, se o estatuto ou uma consolidação é segregadora, então rasguemos a Conveção e fiquemos apenas com a Lei maior, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens e ponto final.

Paulo Romeu disse...

Fábio,

também com todo respeito, claro.

Até onde conheço da história da humanidade, as pessoas com deficiência
sempre foram tratadas como uma casta inferior. Na grécia antiga, chegavam a
ser mortas logo após o nascimento; até meados do século passado, eram
escondidas das visitas...

Em minha opinião, a Convenção veio justamente para modificar esta situação
de uma vez por todas e, como disse a Regina, se a convenção é um estatuto
internacional, em que medida um estatuto nacional elaborado com base nela
nos diminuiria?

Márcio Aguiar disse...

Gente!!!

Também com todo o respeito, não podemos fazer da Convenção "um mito".

A Convenção é um tratado internacional de princípios. Para nós, aqui no Brasil, na prática, é pouca a diferença. Tirando a equivalência constitucional, muitos dos princípios previstos ali já são contemplados na nossa legislação. Até na 7853/89 já existia penalidade para quem descumprisse a Lei por conta da Deficiência. A definição de Pessoa com Deficiência, a criminalização da discriminação, a capacidade legal, entre outros, são pontos a destacar, mas ela, sendo tratada a exemplo das Leis brasileiras, ou seja, sem sair do papel, não vale de nada.

O Brasil é um país avançado em sua legislação. Mas aqui também temos problemas. Justamente por que a Lei não se efetiva. Um Diploma Legal com equivalência Constitucional dá status, dá IBOPE, aumenta o nosso poder de argumentação "para fora". Mas e os pares? Eu mesmo, adoro a Convenção, a uso constantemente nas minhas argumentações, mas na prática, sabemos até onde podemos ir. Até uma denúncia na ONU não tem assim este efeito todo. Se fosse assim, as diversas denúncias que o Brasil sofre quanto a exploração sexual infantil, as condições em que nossos presos são "armazenados", já nos teria imposto um embargo econômico, um bloqueio de exportações, enfim... um ataque da Marinha Americana, uma intervenção na Amazônia...

Sem trocadilhos, mas Estatuto ou não, Convenção, Consolidação, enfim, estamos falando de papel. Porém, precisamos refletir quanto ao nosso papel. Toda a energia se perderá se não pensarmos na efetivação. Para que queremos o Estatuto, a Convenção, a Consolidação, mais Leis? Para que queremos este debate? Vamos criar mais um Diploma Legal para ficar nas Bibliotecas Públicas para consulta?

Sou contra um Estatuto e sou fã da Convenção. Desculpem o pragmatismo.

Abraços,

Celina Bartalotti disse...

"Uma sociedade que não precise ser dividida em castas não é o nosso sonho de sociedade inclusiva?"
Acho que essa questão que você coloca é a essencial. Enquanto a sociedade for dividida em categorias não podemos realmente falar em inclusão.

As leis existem e são bem claras na garantia dos direitos. Talvez realmente o estatuto possa unificar essas leis em um único documento, mas continua sendo consolidação das leis que já existem, com pequenas alterações.

A verdadeira inclusão virá das mudanças atitudinais. Eu trabalho com inclusão escolar há muito tempo e percebo que a lei garante o direito da criança estar na escola (espaço físico), mas não garante o direito da criança de ser ensinada, de participar efetivamente do processo pedagógico. Aí, como dizem, são outros quinhentos, aí entra a superação das barreiras atitudinais.

Penso que o Estatuto pode até ser um marco político, tornar mais visíveis algumas questões, mas sinceramente não acho que vá mudar algo substancialmente. Veja, fala-se muito do ECA (e mal) por conta de menores infratores, meninos de rua, que e aparecem na mídia, que incomodam. Já do estatuto do idoso pouco se fala, quase ninguém conhece e pouco efeito tem no que diz respeito a mudanças efetivas nas questões que são pertinentes a essa parcela da população.