sexta-feira, 16 de outubro de 2009

De filho para pai

Pai

Eu sei que você está em estado de choque. Mal eu acabei de nascer e vieram te contar que eu tenho um nome diferente daquele que você me deu. Eu ouvi o médico falando que eu sou Down. Não sei bem o que é isso, mas percebi que não é bom. Você e a mamãe choraram muito e ainda estão com cara de velório.

Eu estive me olhando e não encontrei nada que parecesse estranho. Não tenho antenas nem parafusos. Mas todo mundo que entra no quarto me olha com cara de espanto e, para vocês com cara de pena.
Tenho certeza que esse momento vai passar e vocês vão me tratar como qualquer outro filho, mas eu fiquei preocupado com algumas coisas que eu ouvi, por isso achei melhor te escrever antes que seja tarde.

Disseram que eu não vou conseguir fazer um monte de coisas. Como é que tem a coragem de falar isso? Eu não tenho nem um dia de vida e já estão me condenando? Pai, não acredite em ninguém. Mas acredite em mim. Tenho certeza que, se você e a mamãe confiarem que eu vou fazer de tudo, vocês vão me ajudar em cada conquista.

Pai. Se eu demorar um pouco mais para fazer as coisas que as outras crianças fazem, não fique ansioso, isso só piora a situação. Brinque bastante comigo, deixe eu tentar fazer de tudo. Me dê a mão quando eu precisar, mas não me impeça de aprender e conseguir.

Também ouvi um doutor geneti-qualquer-coisa te dizer que você deve procurar umas entidades excepcionais, que eu vou precisar ir para uma escola especial. Pelo que eu entendi, são lugares onde pessoas que nasceram com alguma coisa diferente vão. Até parece bonito, mas isso quer dizer que não vão deixar eu brincar com crianças de todos os tipos? Que eu não vou poder aprender nada além de convivência social?

Gostei daquele casal que veio aqui com a menininha que também tem a tal da síndrome que eu tenho. Aquele que falou que ela vai numa escola escola. Você reparou que ela veio ler o meu nome na pulseira da maternidade? É verdade, ela não sabia o que queria dizer RN. Mas os pais dela explicaram direitinho.

Eu sei que, se você acreditar em mim, e me mandar para uma escola comum, você e a mamãe vão ter mais trabalho. Em compensação, eu vou ter a chance de ser um adulto de verdade no futuro e não um peso que vocês tenham de carregar para o resto da vida. Não é melhor dar trabalho agora no começo?

Dizem também que você terão de enfrentar pessoas mal educadas e preconceituosas. Mas você não me defenderiam de qualquer forma se eu não tivesse o que tenho?

Além do que, você sabe que filhos, normalmente, vivem além dos pais. Se vocês não pensarem nisso agora, o que acontecerá comigo quando vocês partirem?

Pai. Eu acredito e confio em você e na mamãe. Tudo que eu preciso é que vocês tenham essa mesma confiança em mim.

Beijos do seu mais novo filho.

Descrição de imagem : foto de um bebê com síndrome de Down no colo da mãe.

6 comentários:

Vilma A. de Mello disse...

Quanta verdade dita de uma forma suave e doce

Um abraço

Andrea Tikhomiroff disse...

Que lindo isso, Fábio!!! Emocionante, verdadeiro... perfeito!

Beijos!

Marco Mussi disse...

Fábio, nossa pequena Valentina tem 1 mês de idade e você refletiu em suas palavras exatamente o que pensamos. Obrigado!

Anônimo disse...

Muito bom! Parabéns pela sua sensibilidade, concordo com a Vilma. É tão prazeroso ler os seus textos!
A nossa vida é uma caixinha de "boas" surpresas, só depende do nosso olhar, ele muda quando nos colocamos no lugar do outro e assim simplificamos a vida.
Penso que independente do filho nascer com SD, o desenvolvimento dele vai depender muito das oportunidades que nós pais, oferecermos juntamente com o amor incondicional.
Abraço,
Gláucia.

Kiki disse...

Querido Fábio,

Como diria a minha filhotinha Sofia: "Excelente"...Você e a Sofia têm o poder de quebrar qualquer idéia preconceituosa...e olha que você nem tem Down, rsrsrs...
Beijos
Kiki

Tomás disse...

Fabio Adiron,

A cada dia que passa ficamos mais impressionamos com o seu pensamento, é exatamente o que eu e minha esposa sempre pensamos.
Quando as vezes nos sentimos cansados em nossa luta para ajudar as pessoas com Sindrome de Down, ler um texto assim é uma injeção de animo, renasce a vontade de continuar tentando fazer esses pais entenderem que só eles tem nas mão as chaves da felicidade de seus filhos com Sindrome de Down.

Abraços,

Tomás André e Célia Regina,
Pais da Bruna Teresa que trabalha a onze anos no Mcdonalds.
Dirigentes do "Felicidade Down"
Sorocaba-SP.