quarta-feira, 23 de julho de 2008

Xiita convidada - Envelhecer...O que é isso?

Naira Rodrigues*

Quando eu era adolescente, lá pelos meus 14 ou 15 anos, vivia sonhando com os 40 anos...Em como seria ter 20 ou 25 anos a mais...

Era engraçado, pois tinha certeza absoluta que estaria muita bem casada, com dois filhos, um casal preferencialmente, claro, teria um corpo perfeito, pois faria muita ginástica e seria uma profissional muito bem sucedida...

Ainda não cheguei aos 40, porém, tenho claro que minhas previsões estavam bastante equivocadas...

Tenho 2 filhos lindíssimos, 2 meninos, já fui casada, hoje tenho uma relação estável que me faz feliz, mas não é exatamente um casamento de princesa...O corpo??? Se com 15 anos eu queria ficar longe das academias, imagine se hoje que pouco tempo tenho até para comer, gasto minhas energias com malhações ou cuidados puramente estéticos...

Profissionalmente estou muito bem, me considero bem sucedida, mas batalho muito para sustentar minha família, pois como milhares de mulheres, desempenho vários papéis ao mesmo tempo...

Agora, escrevendo tudo isso, minha vida começa a passar como um filme, quantas transformações, quantas conquistas e quanta mudança de paradigmas...

Não sei se falo de envelhecimento ou de maturidade, mas acredito que as duas coisas estejam intimamente relacionadas. Acho que tenho um certo desgaste, talvez provocado pelo tempo, talvez pelos excessos, certamente, sinto-me, apesar do tal desgaste, mais madura, mais centrada e muitíssimo mais segura e feliz.

Será que estou sendo gentil comigo mesma? Será que a realidade não bateu à minha porta?

Sei lá, sei que já não consigo mais ficar horas, muitas horas caminhando sobre meus altíssimos saltos, adoro um sapato confortável, pois meu equilíbrio já não é o mesmo.

Minha bengala me serve, além de guia, também de apoio, muitas vezes para descer ou subir escadas, ou para me segurar quando tenho minhas tonturas na rua.

Entretanto, sinto-me mais confortável ao andar em qualquer lugar, não empino o nariz diante de uma pergunta menos elaborada de alguém que nunca viu uma mulher cega, tenho mais paciência, acho que estou mais tolerante com as pessoas e, talvez, comigo também.

Admito que ver meus filhos crescer, além de maravilhoso é doloroso, pois sinto que estão formando suas próprias opiniões, seus paradigmas e preparando-se para seguir seu rumo, não posso nem pensar nisso que começo a chorar.

Chorar...Choro por qualquer coisa, com uma reportagem na tv, com uma notícia emocionante, com as perguntas de meu filho que, aos 10 anos me diz que logo estará na adolescência e vai namorar muito...

Acho que o choro está virando minha marca registrada, pois até dando aulas, quando os alunos me pedem para contar experiências do meu trabalho com inclusão, então me lembro do quanto avançamos, lembro-me do meu primeiro vestibular, quando tive que apresentar um laudo médico, com a assinatura do médico registrada em cartório para poder fazer prova “especial”, não em Braille, mas oral e que hoje, temos alunos cegos, surdos e com todo o tipo de deficiência em todos os espaços educacionais, com a garantia legal de equiparação de oportunidades.

Sei que temos muito a avançar, muitas conquistas, mas em menos de 20 anos, tanta coisa mudou, as pessoas com deficiência já podem ter referências de outras que já passaram por todo um caminho e hoje estão por aí, contando suas histórias de conquistas, ou, apenas com sua presença na sociedade fazendo acontecer a tal “inclusão”.

Bem, mas eu falava de envelhecer, ainda não cheguei a uma conclusão do que seja, mas acredito que o processo da vida nos proporciona trocas, deixamos nosso vigor físico de lado e ganhamos uma energia interior valiosa. Trocamos a preocupação extrema com as curvas do corpo e conquistamos o real prazer de ser, exatamente quem somos.

Trocamos a quantidade pela qualidade nas relações sexuais, não sei as outras mulheres da minha idade, mas prefiro uma noite muito intensa e apaixonada, do que todas as noites cumprindo tabela...

E assim caminhamos, com menos rigidez, com mais flexibilidade em todos os sentidos.

Acho que o fato de ser cega ando tendo algumas dificuldades adicionais, minha orientação espacial já não é a mesma, meu equilíbrio, minha tolerância ao cansaço, se bem que isso deva ser por conta de um hipotireoidismo que me acompanha desde a adolescência...

Minhas preferências mudaram muito, troco qualquer balada noturna por um delicioso dia em família, na praia, no parque...

Adoro festas, como sempre gostei, mas prefiro festas infantis, são mais divertidas, com comidas mais gostosas. Ai será que estou me tornando uma chata de plantão???

Na verdade, acho que equilibro melhor minhas atividades sociais, um pouco de cada coisa, sei lá, ou será que aproveito melhor cada momento?

Ainda tenho dúvidas, muitas dúvidas, sei que meu processo de envelhecimento está apenas começando, o que será que me espera pela frente?

*Naira Rodrigues é fonoaudióloga , professora de educação inclusiva na Unisantana e militante de movimentos de defesa dos direitos das pessoas com deficiência.

Descrição da imagem : duas pessoas idosas caminhando juntas numa praia

2 comentários:

Rita Mendonça disse...

Já são mais de 23h e acabo de chegar de mais um dia de luta. Somente um texto muito interessante me seguraria na frente do micro. E aqui estou eu, olhos vidrados, pensamento longe, refletindo sobre meu amadurecer/envelhecer, minha tolerância, minha filha, minha preferência repentina por festas de criança e suas guloseimas, minha solitude, minha
vida...
Obrigada pela oportunidade, Naira e Fábio.
Um cheiro. Ou melhor, dois cheiros.

Anônimo disse...

Depois de assistir uma aula sobre metodologia do ensino das artes, no auge dos meus 42 anos de idade, ler esse texto renova minha alma e me dá esperança!