quinta-feira, 9 de abril de 2009

Xiita Convidado - A raiz da inclusão


Texto escrito em resposta a uma pessoa que reclamou de radicalismos inclusivos


Gil Pena*

Ser radical é uma necessidade, não no sentido do fundamentalismo, mas no sentido da profundidade, do enraizamento, de ir às raízes, não a uma causa raiz única e terminal, mas, como já aprendi, ao rizoma, nas suas múltiplas ramificações.

Nâo há grande utopia na proposta de inclusão. Apenas o reconhecimento de que temos que aprender a conviver com a diversidade, e de que os espaços públicos, como a escola, são espaços de convivência e de aprendizado. Se essa é uma questão pacífica, não há utopia nenhuma.

Aprender com a diversidade, conviver, significa que os interesses ou preferências individuais não prevaleçam sobre os interesses do grupo ou da sociedade ou do outro. A noção de diversidade não combina com esse individualismo pós-moderno, em que o que vale é o que vamos ganhar com isso ou no qual podemos escolher qualquer coisa, como fundamento de uma liberdade democrática que se dirige apenas ao interesse de um indivíduo.

Não é possível pensar na diversidade pensando dessa maneira. Quando eu me decidi pela inclusão, pela noção da diversidade, não o fiz por causa do eventual ganho que poderia ter eu ou minha filha com relação a isso. Mas porque acredito que esse é o caminho. E pode até ser o mais penoso, para mim ou para ela, pois é um caminho que temos de abrir, não uma estrada pronta, larga e asfaltada.

Foi o que eu quis dizer quando eu disse que aprender é construir caminhos, em texto que está no blog disdeficiencia. Essa construção não se faz sem ruptura ou conflito, gasto de energia, esforço, o que pode gerar certo desconforto a princípio, compensado com a conquista do trabalho feito.

Se a opção é evitar o desconforto a qualquer custo, o melhor é mesmo desistir, manter nossa vida confortável, preocupar-nos com nós mesmos, com o que temos a ganhar, ao invés de considerar que há o outro, de quem suprimimos o espaço, mas o espaço dele não estava lá mesmo quando eu cheguei, não vou me movimentar, não me venha com o conflito, deixe as coisas como estão.

Nesses dias, passou um filme na televisão, tendo como enredo, a abolição do tráfico de escravos na Inglaterra. O debate se produzia pelo interesse individual, a situação econômica das cidades, que não poderiam, de uma hora para outra, se verem privadas do tráfico. E esse argumento prevaleceu, em que pese todo o desrespeito humano que significou a escravidão. Em geral, nós temos uma certa convicção do "direito adquirido", mesmo que seja sobre o espaço ou a vida das outras pessoas, e não concebemos claramente que esse espaço é usurpado, que o subtraimos do bem comum, em nome do nosso conforto individual.

Essas questões têm de ser vistas com radicalismo, em profundidade, nas suas múltiplas implicações. É preciso ver o outro, superar esse individualismo pós-moderno. Pensar também na coletividade, no compartilhamento do espaço, no respeito ao planeta, como espaço que dividimos, no futuro da humanidade, não como utopia, mas como um caminho que abrimos nessa direção.

A mudança não se faz sem o trabalho de contruir uma nova realidade. Apenas a troca de experiências em um espaço como esse, não produz a mudança, se continuamos a perceber a realidade que nos cerca como dada. É preciso colocar-se fora da experiência, para assisti-la, criticá-la, para depois atuar, transformando a experiência e a realidade. O distanciamento da realidade, nos é possibilitado nesse diálogo, por que a visão que o outro me oferece dessa mesma realidade, desloca o meu olhar para outra perspectiva, e posso vê-la de outro modo, agora como autor dessa realidade não como mero ator.

É contraditório que pretendamos possuir liberdade de escolha, quando optamos por atuar por um script que nos foi dado.

*Gil Pena é médico patologista e pai. Dedica-se a estudos na área da educação, dentro da linha do Projeto Roma.

Descrição da imagem : página de um livro de botânica mostrando diversos tipos de raízes diferentes

5 comentários:

Cristiana Soares disse...

SENSACIONAL! PERFEITO!

Aleléx disse...

A abordagem mais ponderada que já li sobre inclusão. Bookmarquei para poder indicar, quando necessário.

Anônimo disse...

Prezado Fábio e Gil, este texto traz tudo que gostaria de dizer. Parabéns!! gustavoestevao@uol.com.br

Ana Célia disse...

Olá.
Criei um blog para discutir sobre sindrome de down, inclusao e educação especial.
Adicionei seu blog nos meus links.
Se voce puder, adicione o meu também!
Trocaremos figurinhas! hehe
até mais!

Joseane Oliveira dos Santos disse...

Boa noite Fábio,
pra mim você é a pessoa que melhor aborda a inclusão.. pelo misto de irreverência, criticidade, conhecimento, experiência...
Quando terminamos de ler o que você escreveu pensamos:"PERFEITO!"

PARABÉNS!!!
Fiz uma postagem dedicada ao teu blog.
Confira em:
http://arteducadora.blogspot.com/