quarta-feira, 30 de julho de 2008

O mito da idade mental

Volta e meia circula nas nossas caixas postais um e-mail contendo um poema atribuído a um aluno da APAE, apresentado como “Príncipe Poeta”. Sem entrar no mérito sobre o poema, esse texto tem uma questão muito séria que não podemos deixar passar em branco que é a nota de rodapé que encerra a mensagem dizendo que é um rapaz de 28 anos com idade mental de 15 (arghhh). Esse negócio de escrever sobre idade mental é um preconceito claro de quem originalmente produziu o texto.

O conceito de idade mental não faz sentido, ele é um rapaz de 28 anos com comportamento de 28 anos

Até o início do século XX não havia formas de se quantificar atributos da inteligência, o que começou a se tornar possível quando Alfred Binet, um psicólogo francês, desenvolveu a primeira escala de desenvolvimento infantil. Milhares de crianças foram observadas sistematicamente, possibilitando a identificação e a descrição das tarefas que podiam ser desempenhadas em cada etapa do desenvolvimento cronológico infantil.

Desta forma, a escala passou a constituir um referencial descritivo do que se podia esperar de uma criança, com desenvolvimento normal, em cada etapa de seu desenvolvimento. Passou, também, a possibilitar que se avaliasse, através da observação sistemática, se uma criança apresentava um desenvolvimento estaticamente normal, em termos cronológicos, ou se seudesempenho era mais adiantado do que o esperado para a idade.

Em continuidade ao seu trabalho, Binet, associando-se a Théodore Simon, construiu o conceito de idade mental, informação derivada da contraposição das tarefas desenvolvimentais que uma criança era capaz de cumprir, com sua idade cronológica.Embora inicialmente utilizado para identificação de crianças com menor desenvolvimento mental, aos poucos passou a servir também para identificar as crianças que apresentavam uma idade mental mais alta que as demaiscrianças da mesma idade.

Avançando no estudo da inteligência infantil, Lewis M. Terman, educador e psicólogo norte-americano, reviu o instrumento criado por Binet e publicou, juntamente com a Universidade de Stanford, em 1916, a Escala de Inteligência Stanford-Binet. Terman desenvolveu o conceitode QI (quociente de inteligência), índice que se propunha sintetizar a quantificação da inteligência, através do estabelecimento de uma relação entre a idade mental da criança e sua idade cronológica (idade mental/idade cronológica x 100).

Como a ciência não pára e se encontra em constante processo de construção e produção de novos conhecimentos, novas idéias e reflexões foram sendo produzidas sobre a questão da inteligência. Cientistas começaram a defender que as capacidades intelectuais podiam e deviam ser medidas separadamente, e que um único “score”, tal como o QI, não ajudava a identificar a capacidade de desempenho da pessoa, em diferentes habilidades e capacidades envolvidas com o comportamento inteligente. por exemplo, levou muitos pesquisadores a considerar a inteligência como mais do que uma habilidade ampla e unitária.

Mais recentemente, outras novas concepções surgiram na literatura sobre inteligência. Sternberg propôs uma teoria triárquica sobre a inteligência humana, que defende que o desempenho intelectual compreende três partes: a inteligência analítica, apresentada por aqueles que mostram um bom desempenho em testes de aptidão e de inteligência; a inteligência sintética,apresentada por pensadores não convencionais, que são criativos, intuitivos e apresentam alto nível de insight; e a inteligência prática, apresentada por aqueles que lidam de forma extraordinariamente eficiente com os problemas da vida cotidiana, bem como com os problemas do ambiente de trabalho.

Em 1991, Ramos-Ford e Gardner propuseram uma nova forma de considerar a inteligência, ou dotação, através de uma teoria que tem sido mencionada como a teoria da inteligência múltipla. Os autores definiram inteligência como uma habilidade, ou um conjunto de habilidades, que permite a um indivíduo resolver problemas ou fenômenos que são característicos de um momento ou de um contexto cultural específicos, ou que são deles conseqüentes.

Como se pode perceber, a concepção de inteligência foi se ampliando no decorrer do tempo, com implicações importantes para a prática educacional, e mais especificamente, para a prática pedagógica do professor, em sala de aula, especialmente no que se refere à identificação das necessidades educacionais especiais do aluno e ao seu ensino.

Além disso, reconhecesse que a mente se constitui muito mais do que de inteligência....ou seja um adolescente de 14 anos, mesmo que não tenha acumulado a mesma quantidade de conhecimento que seus pares, pode sentir, se comportar e agir como... um adolescente !

Acontece que, durante muito tempo, as pessoas com deficiência eram segregadas e, sem contato social, não tinha o aprendizado das relações de ação e comportamente. Eles eram considerados"ingênuos" e, claro, o eram, pois não conviviam com outras crianças e não aprendiam a ser maliciosos (no bom sentido).O ser humano é imprevisível nas suas possibilidades de desenvolvimento. Temos que considerar também as condições orgânicas da pessoa.

Condições orgânicas não se limitam a genética. São todas as características do ponto de vista biológico, onde a genética aponta possibilidades. Mas, como já disse Reuven Feuerstein, "os cromossomos não têm a última palavra". O ser humano se constitui na interação dos aspectos biológicos e sociais. Então, não dá pra falar em potencial, seja genético, orgânico, social, o que seja.

Podemos pensar em condições mais ou menos favoráveis. Quando as condições são desfavoráveis em um aspecto, temos que investir muitíssimo nos outros. A preocupação deve ser sempre com o ponto de partida, com as oportunidades que cada pessoa tem para se desenvolver. O ponto de chegada, poucas vezes é previsível. O ser humano surpreende!" (Maria Sylvia Cardoso Carneiro).

Ainda que a gente não possa excluir questões genéticas no desenvolvimento, tanto o Feuerstein como Miguel Lopez Melero já provaram que a inteligência e o conhecimento são coisas que se constroem, independentemente do fator genético. Não existe determinismo social (que exclui qualquer fator inato dos seres humanos), mas usar a terminologia "potencial genético", remete aodeterminismo biológico, que sempre foi muito mais nocivo para a humanidade.

O grande erro é acreditar que exista qualquer tipo de determinismo e que a vida humana pode ser "determinada" exclusivamente por um único dos seus aspectos. Cada aspecto é relevante (genético, cultural, social, econômico), mas nenhum deles, sozinho, leva a uma solução para todas as questões.

Enquanto acreditarmos que só a genética, ou só o social, ou só o econômico, definem a pessoa, vamos continuar a criar mostruosidades conceituais, como continuar falando em idade mental.

Descrição da imagem - cartoon de um orientador falando com um estudante : "Nós percebemos que você foi melhor no seu teste de QI do que em todas as provas. Mas você não pode se graduar em QI!"

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Xiita convidada - Envelhecer...O que é isso?

Naira Rodrigues*

Quando eu era adolescente, lá pelos meus 14 ou 15 anos, vivia sonhando com os 40 anos...Em como seria ter 20 ou 25 anos a mais...

Era engraçado, pois tinha certeza absoluta que estaria muita bem casada, com dois filhos, um casal preferencialmente, claro, teria um corpo perfeito, pois faria muita ginástica e seria uma profissional muito bem sucedida...

Ainda não cheguei aos 40, porém, tenho claro que minhas previsões estavam bastante equivocadas...

Tenho 2 filhos lindíssimos, 2 meninos, já fui casada, hoje tenho uma relação estável que me faz feliz, mas não é exatamente um casamento de princesa...O corpo??? Se com 15 anos eu queria ficar longe das academias, imagine se hoje que pouco tempo tenho até para comer, gasto minhas energias com malhações ou cuidados puramente estéticos...

Profissionalmente estou muito bem, me considero bem sucedida, mas batalho muito para sustentar minha família, pois como milhares de mulheres, desempenho vários papéis ao mesmo tempo...

Agora, escrevendo tudo isso, minha vida começa a passar como um filme, quantas transformações, quantas conquistas e quanta mudança de paradigmas...

Não sei se falo de envelhecimento ou de maturidade, mas acredito que as duas coisas estejam intimamente relacionadas. Acho que tenho um certo desgaste, talvez provocado pelo tempo, talvez pelos excessos, certamente, sinto-me, apesar do tal desgaste, mais madura, mais centrada e muitíssimo mais segura e feliz.

Será que estou sendo gentil comigo mesma? Será que a realidade não bateu à minha porta?

Sei lá, sei que já não consigo mais ficar horas, muitas horas caminhando sobre meus altíssimos saltos, adoro um sapato confortável, pois meu equilíbrio já não é o mesmo.

Minha bengala me serve, além de guia, também de apoio, muitas vezes para descer ou subir escadas, ou para me segurar quando tenho minhas tonturas na rua.

Entretanto, sinto-me mais confortável ao andar em qualquer lugar, não empino o nariz diante de uma pergunta menos elaborada de alguém que nunca viu uma mulher cega, tenho mais paciência, acho que estou mais tolerante com as pessoas e, talvez, comigo também.

Admito que ver meus filhos crescer, além de maravilhoso é doloroso, pois sinto que estão formando suas próprias opiniões, seus paradigmas e preparando-se para seguir seu rumo, não posso nem pensar nisso que começo a chorar.

Chorar...Choro por qualquer coisa, com uma reportagem na tv, com uma notícia emocionante, com as perguntas de meu filho que, aos 10 anos me diz que logo estará na adolescência e vai namorar muito...

Acho que o choro está virando minha marca registrada, pois até dando aulas, quando os alunos me pedem para contar experiências do meu trabalho com inclusão, então me lembro do quanto avançamos, lembro-me do meu primeiro vestibular, quando tive que apresentar um laudo médico, com a assinatura do médico registrada em cartório para poder fazer prova “especial”, não em Braille, mas oral e que hoje, temos alunos cegos, surdos e com todo o tipo de deficiência em todos os espaços educacionais, com a garantia legal de equiparação de oportunidades.

Sei que temos muito a avançar, muitas conquistas, mas em menos de 20 anos, tanta coisa mudou, as pessoas com deficiência já podem ter referências de outras que já passaram por todo um caminho e hoje estão por aí, contando suas histórias de conquistas, ou, apenas com sua presença na sociedade fazendo acontecer a tal “inclusão”.

Bem, mas eu falava de envelhecer, ainda não cheguei a uma conclusão do que seja, mas acredito que o processo da vida nos proporciona trocas, deixamos nosso vigor físico de lado e ganhamos uma energia interior valiosa. Trocamos a preocupação extrema com as curvas do corpo e conquistamos o real prazer de ser, exatamente quem somos.

Trocamos a quantidade pela qualidade nas relações sexuais, não sei as outras mulheres da minha idade, mas prefiro uma noite muito intensa e apaixonada, do que todas as noites cumprindo tabela...

E assim caminhamos, com menos rigidez, com mais flexibilidade em todos os sentidos.

Acho que o fato de ser cega ando tendo algumas dificuldades adicionais, minha orientação espacial já não é a mesma, meu equilíbrio, minha tolerância ao cansaço, se bem que isso deva ser por conta de um hipotireoidismo que me acompanha desde a adolescência...

Minhas preferências mudaram muito, troco qualquer balada noturna por um delicioso dia em família, na praia, no parque...

Adoro festas, como sempre gostei, mas prefiro festas infantis, são mais divertidas, com comidas mais gostosas. Ai será que estou me tornando uma chata de plantão???

Na verdade, acho que equilibro melhor minhas atividades sociais, um pouco de cada coisa, sei lá, ou será que aproveito melhor cada momento?

Ainda tenho dúvidas, muitas dúvidas, sei que meu processo de envelhecimento está apenas começando, o que será que me espera pela frente?

*Naira Rodrigues é fonoaudióloga , professora de educação inclusiva na Unisantana e militante de movimentos de defesa dos direitos das pessoas com deficiência.

Descrição da imagem : duas pessoas idosas caminhando juntas numa praia

Um convite para jantar

Volte um pouco no tempo, uns vinte anos, por exemplo. Se você fosse receber amigos para jantar e eles lhe dissessem que eram vegetarianos você ia ficar sem saber o que fazer para eles comerem. Se você fosse o vegetariano, provavelmente seria considerado um chato e acabaria recebendo poucos convites para jantar. Num país de cultura carnívora como o nosso você estaria excluído.

O que isso tem a ver com as pessoas com deficiência ? Quando falamos que a inclusão de pessoas com deficiência representa um progresso para todos, que é uma prova de desenvolvimento assim como ter água potável nas casa ou um bom sistema de saúde, mudamos as referências para esse debate.

Apelar para o senso comum de ética ou de bondade é um erro. Seria ótimo se isso levasse as crianças para dentro da escola, ou os adultos para trabalhos decentes. Seria bom se os prédios, livros e sites fossem acessíveis, porque isso é a coisa certa a se fazer, mas não está acontecendo. Então o negócio é apelar para os próprios interesses das pessoas sem deficiência

Nos últimos anos entramos em contato com as mais variadas culinárias, mesmo em cidades menores encontramos restaurantes japoneses, chineses, vegetarianos. E não é porque ganhamos imigrantes desses países ou porque eles tem direito a sua própria dieta, mas porque as outras pessoas descobriram que a comida é saborosa e vale a pena comprar.

Nós também precisamos promover a inclusão dessa forma : de uma maneira que as pessoas a queiram.

Por que aquele executivo malhado vai se preocupar com rampas ou elevadores ? Ele ama escadas, adora fazer um “step”, o que ele ganha com rampas e elevadores ? Mas um dia ele chega cheio de pastas, carregando o notebook, cópias de uma apresentação...e eis o elevador. De noite se quiser passear no shopping com o filho pequeno, usa o carrinho e sobe a rampa. Ah, e ele tem pais, avós e um dia será um deles.

Por que pais com filhos ditos “normais” vão se preocupar se a escola aceita ou não crianças com deficiência ? Bem, pelo menos pelo fato de que os seus próprios filhos terão uma educação melhor. Um professor que é capaz de ensinar uma pessoa com algum tipo de dificuldade certamente é um professor mais criativo e melhor qualificado em estratégias pedagógicas.

Por que um cidadão saudável, produtivo e com um bom emprego vai se preocupar com a contratação de pessoas com deficiência ? Pessoas desempregadas, com ou sem deficiência, são um dreno na economia do país, as pessoas que tem emprego acabam pagando mais impostos para sustentar uma gama de benefícios os que não tem emprego. Dinheiro que poderia ser investido em benefício de todos e não só de alguns.

Isso assusta os empregadores ? Não deveria, se fala tanto em congressos de recursos humanos que horários flexíveis e trabalho em casa geram mais satisfação e consequentemente aumentam a produtividade.

A inclusão faz sentido em vários aspectos. Precisamos parar de apelar para a caridade das pessoas. Vamos reforçar e apelar para o egoísmo delas, e que elas possam aproveitar com gosto esses novos sabores.

Descrição da imagem : uma mesa preparada para a refeição, junto a uma janela de onde se vê a rua

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Todas as ONGs deveriam ser extintas

Em 1945, os vencedores da Segunda Guerra Mundial concordaram em que era preciso algum tipo de organização supranacional e supragovernamental para “preservar as gerações futuras do flagelo da guerra” . Nacionalismos agressivos só tinham produzido desgraças e mais de 50 milhões de mortos em combates, bombardeios, massacres, bombas atômicas, soluções finais etc. Era preciso recuperar o internacionalismo. A criação da ONU partiu da trágica constatação de que sistemas de potências (centrais, nazistas, fascistas, democratas, comunistas etc.) foram responsáveis por duas guerras mundiais e mazelas adjacentes. De certa forma, foi a primeira ONG a ser criada com o objetivo de combater a injustiça e reduzir desigualdade econômica e social.

Na sua esteira vieram suas agências (Unicef, Unesco, OIT, OMS) sempre com o mesmo intuito de resolver de forma internacionalizada, aquilo que os governos locais não davam soluções. Crianças abandonadas, culturas relegadas ao décimo terceiro plano de prioridades, trabalho do trabalho, desastres na saúde pública.

No Brasil, as ONGs assistencialistas surgem também nessa época e, durante a ditadura militar outros movimentos cresceram muito como conseqüência do desmantelamento das instituições políticas clássicas, como os partidos, os sindicatos, os diretórios acadêmicos de estudantes, as entidades de bairro, assim como a interrupção abrupta de experiências educacionais e culturais junto às comunidades tradicionais e populares. Esses vazios acabaram ocupados, inicialmente de forma semi-clandestina por grupos de base, pouco estruturados, quase sempre de caráter político-religioso, que surgem nas periferias das cidades e no campo como canais de demandas das classes populares.

Estes grupos vão se constituir, num primeiro momento, com as reivindicações dos trabalhadores no âmbito da produção (salários, participação na produtividade, previdência social, etc.) e no âmbito do consumo de serviços coletivos (saúde, transporte, saneamento básico, educação etc.). Depois, estes focos se diversificam, passando a abranger outras dimensões da vida social. urgem, assim, as novas questões sociais, definidas a partir do gênero, do étnico, da livre opção sexual, da natureza; da ecologia e da deficiência.

Qualquer pessoa que se oponha às boas intenções dessas organizações pode parecer um ser de outro planeta. Afinal, todas elas (ou quase todas) lutam pela justiça social, pelos direitos dos cidadãos e pelo bem de todos. Acabamos criando uma dependência “química e psicológica” desse tipo de estrutura à medida que deixamos de acreditar que quem deveria promover o bem estar de todos possa fazê-lo. Pior, esse ceticismo faz com que deixemos de exigir dos nossos governantes os nossos direitos que estão assegurados em leis que não são cumpridas, e nos resignamos a apoiar, e até participar, de organizações que quebram nossos galhos no curto prazo.

O objetivo de toda ONG ao ser criada deveria ser sua auto-extinção, ou seja, à medida que alcançam suas metas de correção de rumos da sociedade deveriam fechar as suas portas. A única que eu conheço que tem essa proposta como lema é a Associação Carpe Diem que já abre sua página na Internet afirmando que “Esse site não deveria existir”.

Além disso, muitas delas, também não têm interesse nenhum que a sociedade seja justa e igualitária, porque perderiam o seu sentido e, com isso, seus dirigentes e funcionários perderiam suas sinecuras e sua visibilidade política e social. Para evitar esse desastre trabalham fortemente pela manutenção das desigualdades e da tutela que exercem sobre os seus “assistidos”.

O mundo só vai ser realmente um lugar bom de se viver quando nós não precisarmos mais de nenhuma delas. A começar pela ONU.

Descrição da imagem : detalhe do quadro "O retirantes" de Portinaria, uma família fugindo da seca.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Xiita Convidada - Preparar para incluir


Vilma A. de Mello*

Preparando para incluir:

Freqüência ligada, contadores acertados, começa a contagem regressiva...
5,4,3, 2, 1 e...Opa! Para! Que o professor é irresponsável!
Novamente:
5, 4, 3, 2, 1 e... Opa! Para! Que o pai não está participando!
Mais uma vez:
5, 4, 3, 2,1 e....Opa ! Para! Que a escola não está preparada!
Outra vez:
5, 4, 3, 2,1e... Opa! Para que é o aluno que não está preparado!
Só mais uma vez, acho que agora está tudo certo:
5, 4, 3, 2, 1 e... Opa! Para tem algo errado nessa lei, precisamos consultar o advogado!

Vamos fazer um intervalo para os ajustes:

1, 2, 3,4 e, Vão os professores se prepararem!
1, 2, 3,4 e, Vão os pais para dar aquela força!
1, 2, 3,4 e, Vão as autoridades prepararem as escolas!
1, 2, 3,4 e, Vão respeitar esse aluno!
1, 2, 3,4 e, Vão cumprir a lei!

Parece que ainda não está legal, está faltando alguma coisa..., ou sobrando...Vamos ver:

Meu entendimento sobre inclusão é muito simples, nem dá para comparar a mandar foguetes para o espaço, até porque geralmente mandam foguetes para o alto, na vertical, e inclusão é uma relação horizontal, é olhar para o lado e ver seu semelhante nem igual e nem diferente, mas apenas um ser humano.

Mesmo que professores se preparem, mesmo que os pais estejam apoiando, mesmo que o governo dê condições físicas nas escolas, mesmo que as leis ditem a inclusão, ela jamais sairá do papel se nós enquanto sociedade não colocarmos as pessoas com deficiência em nosso meio, igual em direitos e deveres. Inclusão não deve ser por abrigação, nem com hora marcada, inclusão deve ser um hábito, que não depende apenas de condições externas, mas principalmente da nossa prática diária de incluir.

*Vilma A. de Mello é estudante de pedagogia na Universidade Norte do Paraná- UNOPAR e mãe de uma criança com Síndrome de Down

Descrição da imagem : foto de uma ampulheta com o tempo se esgotando

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Criando um irresponsável


Responsabilidade, nos explicam os dicionários é a obrigação de responder por certos atos próprios ou alheios ou por alguma coisa que lhe foi confiada.

Descartando os seus conceitos comerciais (onde a responsabilidade pode ser limitada ou ilimitada, dependendo da organização societária de uma empresa), a obrigação de responder pelos seus atos pode ser de caráter civil ou penal.

Responsabilidade civil é uma obrigação, imposta pela lei, pela qual se tem de responder perante um terceiro pelos prejuízos que se lhe tenha causado. Responsabilidade penal é a obrigação imposta pela lei de alguém responder por certos atos (delitos, crimes, etc.) sofrendo as sanções nelas estatuídas, caso se prove que os praticou.

Quando eu ouço algumas pessoas repetindo o chavão de que a inclusão precisa ser feita, mas com responsabilidade concluo que responsabilidade não faz parte da formação humana dos professores e, pelo jeito, também não é uma matéria do currículo dos cursos de pedagogia e, dessa forma, precisam ser lembrados constantemente dessa necessidade nas suas práticas profissionais.

Eu não sou professor por formação, mas me coloco no lugar deles e acho isso uma ofensa. Me soa como se alguém dissesse que eu posso falar, desde que com honestidade (ou seja existe um pressuposto que eu seja desonesto ou que os professores sejam um bando de irresponsáveis).

Irresponsabilidade civil é a das pessoas que insistem em não cumprir as leis do país. Pessoas que se perpetuam causando prejuízo a milhares de outras pessoas que não são alfabetizadas (em nome de uma suposição de que não tem capacidade para isso), que não são qualificadas para o trabalho e não terão como se sustentar, que não são preparadas para a autonomia e onerarão seus familiares ou o estado, ou ambos. Pessoas que deveriam ser responsabilizadas civilmente e pagar todos os danos que causam às pessoas que excluem e ressarcir o estado pelos danos futuros.

Irresponsabilidade penal dos pais por cometerem o crime de deixar seus filhos sem escolaridade regular e comum - é crime de abandono intelectual (Art 246 do Código Penal).

Irresponsabilidade penal das escolas (Lei 7.853/89) que recusem, suspendam, adiem, cancelem a inscrição de aluno....por motivos derivados da deficiência que tem.* Se todos os pais de pessoas com deficiência estivessem realmente lutassem pelo futuro dos seus filhos, muitos diretores de escola estariam respondendo por processos criminais e, quiçá, na cadeia (o crime é punível com reclusão de 1 a 4 anos)

Eu prefiro manter a minha "irresponsabilidade" de levar meu filho todos os dias para a escola "irresponsável" que o educa, onde ele já foi alfabetizado, está aprendendo os mesmos conteúdos que os colegas (afinal, é tão gente quanto as outras crianças), tem os mesmos direitos e os deveres "irresponsáveis" de todas as pessoas.

Se cidadania, autonomia e educação fazem parte da irresponsabilidade apregoada pelos defensores do preconceito e da segregação, eu vou educar meu filho a ser um irresponsável de marca maior.

*Lei 7.853/89
Art. 8º Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa:
I - recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta;
II - obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo público, por motivos derivados de sua deficiência;
III - negar, sem justa causa, a alguém, por motivos derivados de sua deficiência, emprego ou trabalho;
IV - recusar, retardar ou dificultar internação ou deixar de prestar assistência médico-hospitalar e ambulatorial, quando possível, à pessoa portadora de deficiência;
V - deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de ordem judicial expedida na ação civil a que alude esta Lei;
VI - recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil objeto desta Lei, quando requisitados pelo Ministério Público.

Descrição da imagem : Samuel, meu filho, fazendo uma demonstração de química na feira de ciências da sua escola;

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Xiita Convidada - Equívocos sobre a exclusão

Tereza Cristina Rodrigues Villela

Vejo com indignação esse uso generalizado de comportamentos que ameaçam ao bem-estar de todos, como pretexto para que a inclusão seja feita ou não, apenas quando o educador assim desejar, sendo chamada de “inclusão responsável”.

Vamos falar sobre o que é responsabilidade docente então. Falo como pessoa com deficiência e como educadora, que começa a atuar em educação especial, procurando subsidiar a inclusão dos alunos que atende, em período contrário ao que freqüentam as escolas regulares, embora não tenha especialização na área, porque ainda sou graduanda do curso de Pedagogia.

Creio que mais irresponsável do que "jogar" crianças com ou sem deficiência em uma sala de aula e deixá-las à mercê de um ensino que não respeita seus saberes e não estimula suas potencialidades, é mantê-las em escolas sem conviver com os colegas de sua geração com e sem deficiência e também não ter suas capacidades estimuladas.

Acho uma pena que ainda estejamos discutindo se é direito legítimo de toda criança estar nos mesmos ambientes que seus pares, ao invés de discutirmos como isso pode ser feito.
E não consigo entender por qual razão os educadores que afirmam não ter subsídios do Estado para dar uma boa aula preferem cobrar que este envie os alunos com deficiência às escolas especiais em período integral, ao invés de exigir o preparo que afirmam não ter, como se não estarem preparados servisse como subterfúgio para não se prepararem.

A meu ver, a formação de professores deixa muito a desejar na questão principal que é o olhar para o aluno; ainda dependemos muito do bom-senso do educador, que muitas vezes não tem conhecimentos básicos para ensinar quem quer que seja, tomando as aulas como forma de aprendizado constante tanto dos alunos como de si próprio, tendo metas globais de desenvolvimento, ou seja, pensando na questão das inteligências múltiplas, nas diferentes formas de comunicação e expressão, tanto por parte do aluno, como por parte do educador para a socialização do conhecimento.

Não é fácil, mas é possível e aos poucos vamos conseguindo com conhecimento das etapas do desenvolvimento humano, diálogo sobre práticas que obtiveram bons resultados e muita pesquisa, mas sobretudo com uma mudança de olhar da deficiência, dificuldade de aprendizagem, do aluno-problema, para o ser humano rico em potencialidades, com metas que o desafiem.Conhecimentos específicos sobre as deficiências ajudam e muito, claro, mas sua falta não pode limitar as possibilidades de quem quer que seja.

Supondo que haja casos em que a inclusão seja impossível: quem pode ser tão matematicamente capaz de mensurá-los a ponto de que saibamos que a inclusão lhes traria malefícios, ou que seria negativa para os colegas de sala de aula? Aliás, os estudos apontam justamente para o contrário disso, nos locais em que a inclusão é efetiva e não fictícia.

A inclusão não serve apenas para socialização, como alguns professores desinformados pensam e, claro, fica muito mais difícil fingir que as turmas são homogêneas quando a diversidade torna-se gritante e a cultura em muitas escolas e universidades, como é socialmente, ainda não está voltada à diversidade. Mas isso não pode servir de pretexto para que a inclusão não seja feita e incentivada, tanto quanto não se pode pretender fechar escolas pelo fato de muitas delas não terem profissionais qualificados.Creio, discordando de muitos educadores e pais, que a redução do número de alunos em sala de aula auxiliaria sim na melhoria da qualidade da educação, mas concordo; não se pode atribuir toda a responsabilidade pelo fracasso escolar, que muitas vezes é de "ensinagem" à superlotação das salas.

O grande problema da educação brasileira, creio eu é que tornou-se uma batata quente; os pais atribuem seu fracasso aos educadores, que por sua vez o atribuem aos familiares e ao estudante, que é sempre "um problema" do outro ou de si próprio, mas nunca do professor.

Se as escolas não forem capazes de envolver as famílias na educação de seus filhos, tendo o respeito necessário para ouvir e acatar sugestões, continuaremos nesse ambiente, em que, no caso dos estudantes com deficiência há ainda mais um componente para que escola regular e família, por desconhecimento ou por comodismo queiram mandá-lo pelo maior tempo possível: a escola especial, que serve como pretexto para que o aluno não seja "problema" nem da escola e nem da família, afinal, ele não aprende mesmo...

Admitindo que haja alunos com comportamentos impossíveis de se lidar, isso ainda assim não serviria para tamanha negativa à inclusão... E é o que ocorre; tenho acompanhado alunos com baixa visão, para quem bastaria uma mudança de contraste de letra e fundo ou ampliação de textos e os professores, mesmo contando com orientações, continuam dizendo que não sabem o que fazer, ou que é muito difícil, porque têm muitos alunos em suas salas e não estão preparados.

Pequenos estímulos e adaptações de materiais, ou na forma de ensinar a turma toda podem fazer toda a diferença. Mas é preciso que educadores e familiares estejam dispostos e abertos a isso.Na cidade em que vivo, muitas vezes, o diálogo resolve, vários educadores procuram parceria conosco e isso tem sido imensamente positivo, porque depois de algum tempo, desenvolvem suas próprias estratégias e nossa atuação vai se tornando menos necessária, mas muitas vezes, os educadores das escolas regulares são displicentes com os alunos que atendemos e os pais querem evitar briga judicial, para evitar trabalho, porque é desgastante para eles. E raramente resolve esclarecer-lhes sobre os direitos de seus filhos.

É necessário que se deixe de tomar os estudantes como joguete e que nosso olhar esteja voltado a eles enquanto seres humanos, se com ou sem deficiência, ou dificuldade de aprendizagem, isso, ao meu ver vem em segundo lugar.

Conseguimos que o Senado ratificasse a Convenção da ONU, mas ao que parece, teremos bastante trabalho para colocá-la em prática, como já é com a legislação existente...

Tereza Cristina Rodrigues Villela, graduanda do curso de pedagogia da Universidade do Sagrado Coração, em Bauru.

Descrição da imagem : uma roda de bonecos de papel dançando enquanto um boneco fica de fora da brincadeira.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Vidas paralelas

Os jogos Parapanamericanos acabaram. Ufa. Apesar da pouca cobertura da mídia, a que existia era para mostrar o lado heróico desses coitadinhos dos deficientes que "a despeito" das suas limitações, muitas vezes severas, conseguiram vencer na vida e ter os seus 5 minutos de fama (ah, você me corrige e diz que na frase do Warhol eram 15 minutos de fama, mas eu descobri que no caso das pessoas com deficiência 10 desses minutos foram amputados, ops, será que posso usar esse termo aqui ?).

Mas os jogos dividiram a opinião da comunidade das pessoas com deficiência. De uma lado aqueles que defendiam os jogos como uma forma de luta contra a discriminação. De outro (onde me incluo) aqueles que perceberam que os jogos eram ainda mais discriminatórios que o dia-a-dia.

O prefixo "para" , vem do grego e quer dizer algo que está "ao lado de" algo, paralelo a , mas que não é o mesmo algo, ainda que compartilhe parte da sua essência. A parapsicologia estuda os eventos psíquicos, assim como a psicologia, mas se restringe aqueles que tem aparência sobrenatural. Um parâmetro é uma medida ou referência paralela ao que se mede. Um livro paradidático pode até ajudar no ensino, mas é considerado algo fora do eixo formal do aprendizado.

Uma das coisas que eu nunca esqueço das minhas aulas de geometria do ginásio é que as linhas paralelas só se encontram no infinito. Quando lembro que o Para-Pan é o que ocorre em paralelo ao Pan, isso só está me dizendo que as linhas paralelas ("normais" e "estranhos") nunca vão se tocar...exceto no infinito.

Porque é que precisamos ser "Para" , se nós acreditamos que não podemos continuar vivendo em mundos separados ??

Se eu aceito o Parapan, dentro da mesma lógica, eu aceito a Para-escola, o Para-emprego , o Para-seguro-saúde....

Por quê que atender a diversidade se eu posso isolar as pessoas em grupos homogêneos ??

Agora se eu luto por uma escola/emprego/sociedade de todos juntos respeitando a diversidade e as limitações de cada um, o que eu preciso é de uma vida que não seja "para-nada” com todas as pessoas incluídas.

Inclusão é traçar linhas diagonais, ortogonais , assimétricas, aleatórias. Rabiscar o papel da vida de uma forma que as linhas se toquem e se encontrem o tempo todo. Usar as mais variadas cores de grafite, tinta e o que mais houver.

Até o limite onde não se saiba mais qual linha teve origem aonde.

Descrição da imagem : céu estrelado com dois fachos de luz paralelos indo em direção ao infinito