quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Especiais, ordinários e outras exclusões

Vocês não conseguem imaginar como eu adoro esse mundo da inclusão, um mundo de fraternidade e de desprendimento das pessoas.

Gente que se preocupa com cada um dos grupos que, historicamente, foi segregado ou desprezado na sociedade.

Aliás, se preocupam tanto que se dedicam a criar programas, atividades e eventos para promover essa tal de inclusão.

São tão específicos e perfeccionistas que eu sou obrigado a reconhecer minha incapacidade cognitiva em compreendê-los. Peço ajuda aos amigos.

Por exemplo: eu recebi um convite para uma festa "inclusiva" para adultos especiais (seja lá o que signifique essa palavra).

Os especiais podem levar acompanhantes ordinários (afinal, esse é o antônimo de especial), mas eles ficarão em ambientes separados, para que cada grupo se socialize entre supostamente iguais.

Muito inclusiva a proposta.

Mas não foi só essa que eu ouvi essa semana, a outra é um congresso para surdos negros, que é uma pérola rara de inclusão.

Alguém poderia alegar que, pelo menos, os surdos estão incluindo os negros, ou que os negros estão incluindo os surdos.

Nem uma coisa, nem outra. No momento em que criam um congresso tão específico o que eles estão fazendo é justamente se dividir, e jogar o outro num canto qualquer.

Um negro surdo é menos negro? Um surdo negro é mais ou menos surdo que um surdo de outra etnia?

Apesar de não ser nem negro, nem surdo, fui me informar mais a respeito. Deveria ter ficado quieto para não me aborrecer.

O site está repleto de imagens e de programação em flash (afinal, é para surdos e não para cegos).

A ficha de inscrição está em LIBRAS, portanto surdos usuários da língua portuguesa não podem se inscrever, eles que esperem o congresso dos negros surdos oralizados.

O caminho para inclusão continua sendo bloqueado pelos grupos de excluídos, muito mais do que pelo resto da população.

Enquanto as pessoas com deficiência preferirem se congregar em guetos vai ser muito difícil convencer o resto do mundo que a inclusão é algo bom para todo mundo.

Ah...e antes que alguém tente me explicar a lógica desse apartheid contemporâneo eu peço encarecidamente que me poupe desse trabalho.

Descrição da imagem: foto de um rosto de mulher com lágrimas escorrendo pelos olhos

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

De filho para pai

Pai

Eu sei que você está em estado de choque. Mal eu acabei de nascer e vieram te contar que eu tenho um nome diferente daquele que você me deu. Eu ouvi o médico falando que eu sou Down. Não sei bem o que é isso, mas percebi que não é bom. Você e a mamãe choraram muito e ainda estão com cara de velório.

Eu estive me olhando e não encontrei nada que parecesse estranho. Não tenho antenas nem parafusos. Mas todo mundo que entra no quarto me olha com cara de espanto e, para vocês com cara de pena.
Tenho certeza que esse momento vai passar e vocês vão me tratar como qualquer outro filho, mas eu fiquei preocupado com algumas coisas que eu ouvi, por isso achei melhor te escrever antes que seja tarde.

Disseram que eu não vou conseguir fazer um monte de coisas. Como é que tem a coragem de falar isso? Eu não tenho nem um dia de vida e já estão me condenando? Pai, não acredite em ninguém. Mas acredite em mim. Tenho certeza que, se você e a mamãe confiarem que eu vou fazer de tudo, vocês vão me ajudar em cada conquista.

Pai. Se eu demorar um pouco mais para fazer as coisas que as outras crianças fazem, não fique ansioso, isso só piora a situação. Brinque bastante comigo, deixe eu tentar fazer de tudo. Me dê a mão quando eu precisar, mas não me impeça de aprender e conseguir.

Também ouvi um doutor geneti-qualquer-coisa te dizer que você deve procurar umas entidades excepcionais, que eu vou precisar ir para uma escola especial. Pelo que eu entendi, são lugares onde pessoas que nasceram com alguma coisa diferente vão. Até parece bonito, mas isso quer dizer que não vão deixar eu brincar com crianças de todos os tipos? Que eu não vou poder aprender nada além de convivência social?

Gostei daquele casal que veio aqui com a menininha que também tem a tal da síndrome que eu tenho. Aquele que falou que ela vai numa escola escola. Você reparou que ela veio ler o meu nome na pulseira da maternidade? É verdade, ela não sabia o que queria dizer RN. Mas os pais dela explicaram direitinho.

Eu sei que, se você acreditar em mim, e me mandar para uma escola comum, você e a mamãe vão ter mais trabalho. Em compensação, eu vou ter a chance de ser um adulto de verdade no futuro e não um peso que vocês tenham de carregar para o resto da vida. Não é melhor dar trabalho agora no começo?

Dizem também que você terão de enfrentar pessoas mal educadas e preconceituosas. Mas você não me defenderiam de qualquer forma se eu não tivesse o que tenho?

Além do que, você sabe que filhos, normalmente, vivem além dos pais. Se vocês não pensarem nisso agora, o que acontecerá comigo quando vocês partirem?

Pai. Eu acredito e confio em você e na mamãe. Tudo que eu preciso é que vocês tenham essa mesma confiança em mim.

Beijos do seu mais novo filho.

Descrição de imagem : foto de um bebê com síndrome de Down no colo da mãe.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Nenhuma disposição em contrário

De todos os artigos da Resolução Nº4 de 24 de setembro de 2009, o mais importante é o Art 14 que diz: "....revogam-se as disposições em contrário".

(para ser lido como num jogral)

Todo ser humano, é humano

Revogam-se as disposições em contrário

Toda criança é um ser humano

Revogam-se as disposições em contrário

Direitos inalienáveis não são opcionais

Revogam-se as disposições em contrário

Educação é um direito inalienável

Revogam-se as disposições em contrário

Todas as crianças são humanas, e iguais em direitos a todos os outros

Revogam-se as disposições em contrário

As diferenças não diminuem a humanidade de nenhuma criança

Revogam-se as disposições em contrário

Toda criança na escola, escola para todas as crianças

Revogam-se as disposições em contrário

Nenhuma criança pode ser separada de outras crianças

Revogam-se as disposições em contrário

Acesso, permanência e qualidade

Revogam-se as disposições em contrário

Descrição da imagem: desenho de um adulto (professor) com crianças coloridas, sem uma, uma criança com deficiência.