terça-feira, 28 de abril de 2009

Até onde vai o seu preconceito?

"Eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano. Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais..." (Martin Luther King)


Nós costumamos usar de uma forma bastante generalista a palavra preconceito. Falamos em preconceitos raciais, religiosos, culturais. Mas será que sempre usamos esse termo de forma correta ? Será que em outras vezes não estamos sendo nós mesmos preconceituosos ao taxar o outro como sendo ele o preconceituoso ?

A psicologia social parte do princípio que todos nós temos algum tipo de atitude[1] – um sistema de experiências e comportamentos – e , para cada uma delas formamos um conceito racional associado a sentimentos e emoções que nos levam a uma determinada tendência de comportamento em relação a uma pessoa, objeto ou evento. Ou seja, todos nós temos alguma predisposição a olhar algo de uma forma pré-estabelecida, dentro de uma atitude que é composta de cognição, sentimentos e comportamentos.

Desta forma, entende-se o preconceito como uma atitude negativa que um indivíduo está predisposto a sentir, pensar, e conduzir-se em relação a determinado grupo de uma forma negativa previsível. O preconceito é um fato difuso e sem muitas explicações que tenta legitimar ou justificar os atos de cada pessoa.

Assim como as atitudes em geral, o preconceito tem três componentes: crenças; sentimentos e tendências comportamentais. Crenças preconceituosas são sempre estereótipos negativos. Segundo alguns estudiosos o preconceito é o resultado das frustrações das pessoas ( e de pessoas autoritárias e intolerantes) que em determinadas circunstâncias podem se transformar em hostilidade.

Ao olhar para o mundo através de uma lente de categorias rígidas, elas não acreditam na natureza humana, temendo e rejeitando todos os grupos sociais aos quais não pertencem, assim, como suspeitam deles. O preconceito é uma manifestação de sua desconfiança e suspeita.

Não existe um caminho único para resolver essa questão, mas existem três maneiras mais efetivas para erradicar o preconceito.

1. Disseminação de informações científicas sobre o objeto do preconceito, assim as bases de julgamento errôneo pode ser removidas.

2. Demonstrar de forma frequente fatos sobre as pessoas que julgamos diferentes. Assim pode-se associá-los a situações favoráveis. A convivência, através de uma atitude comunitária é , talvez a forma mais adequada de se reduzir o preconceito.

3. Remoção de condições sociais e econômicas que criam dificuldades e frustrações.

Investigações de grande profundidade demonstraram que pessoas continuamente frustradas são mais aptas de desenvolver preconceito, porque elas tem uma maior necessidade de um bode expiatório contra aqueles de sentimentos reprimidos de hostilidade que possam ser expressados.

Cada indivíduo que desejar tomar parte na tarefa de remover o preconceito da sociedade pode fazê-lo, tornando-se bem informado sobre as descobertas da ciência a cerca do assunto, participando continuamente em atividades que estimulem a convivência na diversidade, ajudando a melhorar aquelas condições sociais gerais que trazem frustrações e dificuldades a muitos grupos de pessoas, e encorajando outros a juntar-se a ele nestes empreendimentos.

Mas há, ainda, outro fator importante para o sucesso de qualquer projeto destinado a remover o preconceito - uma fonte de motivações para causar a ação corretora, apesar da resistência que a mudança provoca. As convicções intelectuais devem ter uma confirmação emocional, antes que resultem em ações efetivas.

A humanidade deve possuir um desejo de superar o resíduo de superstições e das noções infundadas sobre pessoas e coisas, às quais muitos estão propensos a aceitar como uma simples verdade, porque elas tem sido muitas vezes repetidas pelos parentes, companheiros, e amigos íntimos.

Experimente entrar no mundo das pessoas a respeito de quem você tem alguma forma de preconceito, certamente a experiência da empatia vai ser a maior motivação que você pode encontrar.

[1] SOUZA , Regina Célia de . Atitude, preconceito e estereótipo. Website Brasil Escola
http://www.brasilescola.com/psicologia/atitude-preconceito-estereotipo.htm

Descrição da imagem : foto de um patinho amarelo sendo largado para trás por um grupo de patinhos negros.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Fora da lei

Essa semana li novamente a afirmação de uma diretora de escola particular alegando que educação é dever do Estado e, portanto, a escola particular não é obrigada a seguir as leis da inclusão (se bem que não conheço escola particular que não use o direito comercial para cobrar mensalidades atrasadas, ou seja, a lei só é boa quando me convém)

A única conclusão que eu chego sobre esse discurso é que a iniciativa privada está acima da lei, ou seja, apesar de todas as escolas estarem subordinadas às Leis da Educação, somente as escolas públicas precisam cumprí-las.

Ou seja, vale tudo!

Os hospitais privados podem se recusar a atender pessoas com deficiência, idosa, com doenças graves, por que saúde é dever do Estado e não da iniciativa privada.

Os ônibus poderão recusar passageiros com deficiência, porque transporte é dever do Estado e não das empresas particulares.

As estradas privatizadas poderão acabar com as leis de trânsito, afinal a garantia à vida é um dever do Estado e não das empresas particulares.

Os fundos de pensão dos bancos podem se recusar a pagar seus pensionistas, por que aposentadoria é dever do Estado.

Felizmente, não vale tudo, pais e mães que são sérios estão levando essa discussão para os tribunais.

Caso contrário ou desprivatizamos os direitos inalienáveis das pessoas ou é melhor mudar para um país onde as leis valham alguma coisa.

Eu acho mais fácil a população mudar o país do que mudar toda a população de país.

Descrição da imagem : Um homem com dinheiro na mão pergunta para a estátua da justiça (em trajes sadomasoquistas) : "Moça, quanto é o programa?"

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Oh dúvida cruel...

Algumas perguntas me assaltam de vez em quando. Quem souber as respostas me avise :

1. Por quê é que todas as saídas de emergência de prédios são escadas? Pessoas com cadeiras de rodas não são inflamáveis em caso de incêndio?

2. Por quê empresas que arrotam responsabilidade social ameaçam tirar suas fábricas do Vietnã só porque o salário mínimo de US$59 aumentou 10 dólares?

3. Por quê os elevadores tem o painel de andares em braille, mas não tem alto falante para anunciar onde estão? Pessoas cegas podem saber para onde ir mas não podem saber que chegaram lá?

4. Por quê as escolas dão aulas de educação ambiental defendendo as florestas, mas escolhem material didático descartável gastando um monte de papel à toa?

5. Por que os autores de livros defendem a liberdade de difusão de informação, mas tem arrepios quando alguém fala de livro digital?

6. Por que é que os defensores da inclusão responsável não assumem a responsabilidade quando as pessoas que "educaram" de forma tão especial por 20 anos não sabem ler e escrever?

Descrição de imagem : três meninos conversando sobre um quarto que está longe, dizendo: "Não vamos deixá-lo entrar para a turma : soube que ele é preconceituoso!"

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Xiita Convidado - A raiz da inclusão


Texto escrito em resposta a uma pessoa que reclamou de radicalismos inclusivos


Gil Pena*

Ser radical é uma necessidade, não no sentido do fundamentalismo, mas no sentido da profundidade, do enraizamento, de ir às raízes, não a uma causa raiz única e terminal, mas, como já aprendi, ao rizoma, nas suas múltiplas ramificações.

Nâo há grande utopia na proposta de inclusão. Apenas o reconhecimento de que temos que aprender a conviver com a diversidade, e de que os espaços públicos, como a escola, são espaços de convivência e de aprendizado. Se essa é uma questão pacífica, não há utopia nenhuma.

Aprender com a diversidade, conviver, significa que os interesses ou preferências individuais não prevaleçam sobre os interesses do grupo ou da sociedade ou do outro. A noção de diversidade não combina com esse individualismo pós-moderno, em que o que vale é o que vamos ganhar com isso ou no qual podemos escolher qualquer coisa, como fundamento de uma liberdade democrática que se dirige apenas ao interesse de um indivíduo.

Não é possível pensar na diversidade pensando dessa maneira. Quando eu me decidi pela inclusão, pela noção da diversidade, não o fiz por causa do eventual ganho que poderia ter eu ou minha filha com relação a isso. Mas porque acredito que esse é o caminho. E pode até ser o mais penoso, para mim ou para ela, pois é um caminho que temos de abrir, não uma estrada pronta, larga e asfaltada.

Foi o que eu quis dizer quando eu disse que aprender é construir caminhos, em texto que está no blog disdeficiencia. Essa construção não se faz sem ruptura ou conflito, gasto de energia, esforço, o que pode gerar certo desconforto a princípio, compensado com a conquista do trabalho feito.

Se a opção é evitar o desconforto a qualquer custo, o melhor é mesmo desistir, manter nossa vida confortável, preocupar-nos com nós mesmos, com o que temos a ganhar, ao invés de considerar que há o outro, de quem suprimimos o espaço, mas o espaço dele não estava lá mesmo quando eu cheguei, não vou me movimentar, não me venha com o conflito, deixe as coisas como estão.

Nesses dias, passou um filme na televisão, tendo como enredo, a abolição do tráfico de escravos na Inglaterra. O debate se produzia pelo interesse individual, a situação econômica das cidades, que não poderiam, de uma hora para outra, se verem privadas do tráfico. E esse argumento prevaleceu, em que pese todo o desrespeito humano que significou a escravidão. Em geral, nós temos uma certa convicção do "direito adquirido", mesmo que seja sobre o espaço ou a vida das outras pessoas, e não concebemos claramente que esse espaço é usurpado, que o subtraimos do bem comum, em nome do nosso conforto individual.

Essas questões têm de ser vistas com radicalismo, em profundidade, nas suas múltiplas implicações. É preciso ver o outro, superar esse individualismo pós-moderno. Pensar também na coletividade, no compartilhamento do espaço, no respeito ao planeta, como espaço que dividimos, no futuro da humanidade, não como utopia, mas como um caminho que abrimos nessa direção.

A mudança não se faz sem o trabalho de contruir uma nova realidade. Apenas a troca de experiências em um espaço como esse, não produz a mudança, se continuamos a perceber a realidade que nos cerca como dada. É preciso colocar-se fora da experiência, para assisti-la, criticá-la, para depois atuar, transformando a experiência e a realidade. O distanciamento da realidade, nos é possibilitado nesse diálogo, por que a visão que o outro me oferece dessa mesma realidade, desloca o meu olhar para outra perspectiva, e posso vê-la de outro modo, agora como autor dessa realidade não como mero ator.

É contraditório que pretendamos possuir liberdade de escolha, quando optamos por atuar por um script que nos foi dado.

*Gil Pena é médico patologista e pai. Dedica-se a estudos na área da educação, dentro da linha do Projeto Roma.

Descrição da imagem : página de um livro de botânica mostrando diversos tipos de raízes diferentes

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Nossa inclusão cotidiana


Eu adoro falar em seminários, congressos, fóruns. Aliás, quem me conhece, sabe que eu adoro falar.

O que não significa que eu não seja um ótimo ouvinte. Não acredito em ninguém que ache que não tem mais nada a aprender, em qualquer campo do conhecimento.

Nos últimos dias estive em duas situações onde tive a oportunidade de fazer as duas coisas. Uma, no seminário de educação inclusiva que aconteceu durante a Reatech. Outra em dois encontros com professores da EMEI João Paulo II.

Sem nenhum demérito ao primeiro (aliás aprendi muito com o Prof Davi, de Portugal), tenho de reconhecer que aprendi mais no segundo.

Essa EMEI (caso alguém não saiba, significa Escola Municipal de Educação Infantil, que abrange crianças de 3 a 6 anos) está num contexto onde teria tudo para não dar certo. Fica num bairro pobre já nos limites extremos da zona oeste de São Paulo - muita gente já ouviu falar na Parada de Taipas e nunca esteve perto de lá. Funciona em 3 turnos e com classes no limite máximo do número de alunos dessa idade.

Durante quase 5 horas eu conversei com duas turmas de professores, merendeiras, condutores e outros profissionais da escola. Como de hábito falei muito, como de hábito ouvi muitas coisas interessantes - e não existe nada mais interessante do que ouvir como a inclusão acontece na vida real, especialmente onde as situações de exclusão são múltiplas e complexas.

Aprendi, de uma professora, que ela tem um aluno com uma síndrome genética cujo laudo médico dizia que ele não teria possibilidade de fazer um monte de coisas, inclusive de falar. Só que, com ela, o menino fala. E não estava se referindo a simplemente pronunciar uma ou outra palavra esporádica, mas de construir frases, rebater argumentos de forma simples, mas lógica.

De outra professora, com um aluna com um Transtorno Global do Desenvolvimento, que ela, por conta própria, leu tudo que poderia a respeito da deficiência da menina e que até enxerga nela muitas das características apontadas nos livros, mas que nenhuma das receitas de bolo que ela leu funciona, pois a menina não é um produto de confeitaria. O dilema dessa professora nesse momento é: como é que ela convence a mãe da menina a mantê-la numa escola comum (está na última série da EMEI) ao invés de matriculá-la numa instituição segregada.

Fui questionado por uma merendeira a respeito de tratamento diferenciado para as crianças com deficiência. A pergunta era muito simples, mas cheia de conteúdo conceitual : tem um menino que não gosta de bolacha e só quer comer pão. Como ele tem deficiência, eu dou pão para ele... mas e as crianças "normais" que também não gostam de bolacha? Por que eu não posso fazer a mesma coisa? Ou eu dou pão para todos que não gostam de bolacha, ou todos (incluindo a que tem deficiência) ficam sem nada.

Outra pessoa veio me contar de um moleque cujo desenvolvimento, depois que foi para a escola, deu um salto de qualidade que surpreendeu os próprios pais que não acreditavam que ele fosse conseguir fazer ou aprender muita coisa.

Saí de lá com a certeza que, apesar das muitas dificuldades atitudinais, estruturais e financeiras, a inclusão pode acontecer em qualquer lugar, desde que os profissionais envolvidos nessa questão estejam sinceramente interessados em seres humanos. Que estejam abertos à reflexão. E que acreditem que ninguém pode ser abandonado pelo caminho.

Ah...você gostaria de saber o que foi que eu falei? Nada que fosse mais relevante do que o que eu ouvi.

Cheguei em casa bastante cansado, depois desse tempo todo em pé e de enfrentar o trânsito pesado da cidade. Mas hoje eu durmo feliz.

Descrição da imagem: crianças na fila de entrada da EMEI João Paulo II, do bairro de City Jaraguá em São Paulo

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Caça às bruxas

Inclusão implica em tirar as pessoas de quem não quer largar e entregá-las para quem não quer receber. Eugênia Fávero


Sempre falo que é próprio da natureza humana procurar culpados pelos males que nos afligem. Não é diferente no movimento inclusivo que tende sempre a uma simplificação ao apontar o dedo na direção de um culpado.

Afinal, a quem é que interessa a sociedade excludente em que vivemos? Por que será que tantos não têm interesse na inclusão de todos.

Não interessa à famílias, afinal é mais cômodo encontrar um lugar onde possam largar os filhos para que alguém tome conta e esse comportamento não depende de classe social, a diferença apenas é que os ricos pagam para alguém cuidar e os pobres esperam que isso venha do pai governo (como vem a "aposentadoria" das pessoas com deficiência que faz com que muitos pais não queiram, de forma alguma, que os filhos sejam autônomos, sob pena de perder essa renda).

Não interessa aos educadores. Inclusão implica em mudança de atitude. É um desafio à competência de escolas e de professores. E sempre é mais fácil dizer que as dificuldades são de aprendizagem...

Não interessa aos "especialistas" da deficiência. Além de colocar em risco seu faturamento, ainda coloca em xeque sua autoridade "divina" de definir o destino das pessoas.

Não interessa à classe política que vive de currais eleitorais baseados em tipo de deficiências ou em instituições assistencialistas.

Na verdade, só interessa às próprias pessoas com deficiência que, através dos diversos níveis de educação podem chegar à autonomia e à vida independente.

Mesmo esses, assim como passarinhos que nascem em gaiolas e acham que a felicidade é ter alpiste suficiente, são abafados pelo status quo que trabalha fortemente para que eles não tenham consciência disso e se satisfaçam com um punhado de privilégios, aos quais dão o nome de "conquistas".

Na próxima vez que você se sentir tentado a apontar o dedo em direção aqueles que você considera os bruxos da exclusão, pense um pouco se o seu comportamento não faz parte do mesmo clube.

Descrição da imagem : quadro retratando a execução de uma suposta bruxa na fogueira