quarta-feira, 28 de abril de 2010

Em busca do Santo Graal

Tem horas que a pergunta é tão repetitiva que parece brincadeira de mau gosto. Todo mundo quer uma solução mágica, a resposta de uma única pergunta que resolveria todos os problemas do mundo.

Muitas vezes tenho a impressão que isso funciona como o último pedido dos condenados à morte. A resposta final dos shows de TV onde pode-se ganhar ou perder tudo de uma única vez.

O que todos querem saber qual é o maior empecilho para que a educação seja, de fato, inclusiva. Quando uso essa expressão estou sempre pensando na educação de todos. Educação das pessoas com deficiência não tem nada de inclusiva. Inclusão, ou é para todo mundo, ou não é.

Essa tentativa de simplificação não leva a lugar nenhum. Educação é algo muito mais complexo que a solução de uma charada.

Não adianta dizer que a boa formação de professores seria o suficiente para que a educação fosse boa. Infraestrutura física das escolas ajuda muito, mas também não resolve nada de forma isolada (conheço péssimas escolas em edifícios maravilhosos).

Pedagogia genial não funciona com professores medíocres. Projeto pedagógico exemplar não resolve as questões sociológicas.

Poderia escrever a noite inteira sobre todas as questões que envolvem a construção de um sistema educacional de qualidade e, certamente, não esgotaria o assunto. Currículo? Metodologia? Avaliação?

Mas eu acredito ter descoberto a resposta para a famosa pergunta.

O maior problema da educação é a busca incessante da receita de bolo que não falhe nunca. O bolo que atenda a todos os gostos, sirva para educar todas as crianças de forma homogênea e que, principalmente, não demande nem das famílias, nem dos alunos, nem dos professores, algum trabalho.

Que não obrigue as pessoas a pensar. Daqueles bolos de pacote de supermercado que é só adicionar leite e bater no liquidificador (se bem que, mesmo esses, muitas vezes dão errado também).

Educação se faz com seres humanos. Alunos, famílias e professores. Quando esse negócio chamado "ser humano" entra no processo, o bolo desanda. Cada um deles é diferente de todos os outros. Cada um assa numa temperatura diferente, cada um dá ponto num momento diferente.

O que não significa que a busca pelo santo Graal da educação não vai continuar. Ainda que todos saibam que o cálice mágico nunca será encontrado.

Descrição da imagem : pintura retratando uma mulher ruiva, supostamente Maria Madalena, segurando o cálice denominado de santo Graal

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Mais pior de ruim

Conversa típica de bar, mas também pode ser na cozinha de qualquer casa quando a família se reúne.

Basta alguém contar um "causo" qualquer para outro, logo em seguida, contar algo do mesmo estilo que seja melhor ou maior. Alguém conheceu um homem que pesava 120kg? Isso não é nada, o colega ao lado ou a prima já conheceram um de 150kg.

Quando o causo é alguma coisa ruim ou alguma desgraça, sempre vai ter alguém com a história de uma tragédia maior. Vence sempre o "mais pior de ruim". Faz parte da natureza humana ser o vencedor nas glórias ou nas desgraças.

Na comunidade que cerca as pessoas com deficiência não é diferente. A deficiência do meu filho sempre será mais grave que a do vizinho. O menino com dificuldade de aprendizagem de um professor sempre será muito mais complicado que o do outro.

Nesse caso, a vitória está com quem sofre mais por sua situação. Sua vida é difícil? A minha é muito pior.

Claro que isso embute uma estratégia muito conveniente, seja para os pais, seja para os professores.

Quando a inclusão daquela criança muito problemática funciona, pais e professores podem cantar suas glórias de como superaram uma situação tão adversa quanto as suas.

Quando não funciona, sempre estão protegidos pela comiseração que provocaram em relação a si mesmos. Se foram derrotados é porque as circunstâncias eram complexas demais para qualquer pessoa.

Dificilmente a gente ouve alguém dizer que não acha sua vida difícil. Que o desafio que tem pela frente é superável e, caso não consiga fazer algo, que não existe ninguém para culpar além dele mesmo.

É mais fácil se livrar de qualquer responsabilidade quando se erra e receber os louros quando se acerta.

Enquanto trabalharmos a inclusão de pessoas com deficiência como um fardo insuportável de carregar nunca chegaremos a lugar nenhum.

Continua sendo uma questão de atitude.

Descrição da imagem: cartoon onde uma escova de dentes diz: "às vezes acho que tenho o pior emprego do mundo", ao que um rolode papel higiênico responde: "cê que pensa..."

sábado, 3 de abril de 2010

O Gérson de cada um



"Devemos lutar pela igualdade sempre que a diferença nos inferioriza, mas devemos lutar pela diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza"
Boaventura de Souza Santos.

Num dia desses, no supermercado aqui perto de casa, encontrei um rapaz fazendo compras. O adolescente, devia ter uns 15 ou 16 anos, andava pelas gôndolas, olhava alguns produtos e colocava alguns no seu carrinho. Nada muito diferente do que qualquer um faz, exceto o fato que o menino tinha síndrome de Down o que, por motivos mais que óbvios, me chamou a atenção.

Como não é o único jovem que já vi no meu bairro fazendo suas atividades de forma independente (sempre vejo um outro, mais velho, caminhando sozinho na rua) fiquei feliz com sua liberdade. Me enganei. Não demorou muito para que surgisse a mãe com outros produtos e colocasse junto com os outros. De qualquer forma, o rapaz, em momento algum, demonstrou alguma dificuldade em ajudar nas compras.

Cruzei com os dois em outras gôndolas e, quase simultaneamente, em direção à fila do caixa. O supermercado não estava lotado, mas também não tinha caixas livres. A mãe não teve dúvidas, foi direto para o caixa preferencial, ou seja, seu filho era suficientemente capaz para ajudar a fazer as compras mas, para escapar da fila, ele virava um "deficiente".

Nesse momento me vieram à cabeça duas frases. A do professor português Boaventura Santos (que uso como epígrafe) e a da propaganda de uma marca de cigarros protagonizada pelo futebolista Gérson onde ele dizia que era preciso levar vantagem em tudo.

Frequentemente tenho visto cenas e lido relatos exatamente iguais a esses. Pessoas com deficiência ou pais de pessoas com deficiência que, debaixo do discurso de igualdade e de inclusão não perdem nenhuma oportunidade de levar vantagem em tudo.

Pessoas com capacidade econômica atrás de benefícios fiscais, pessoas que querem viajar a turismo caçando descontos beneficentes em passagens aéreas, pessoas sem nenhum problema de mobilidade furando filas.

Agem como se a afirmação de Boaventura fosse: devemos lutar pela igualdade quando ela nos convém e lutar pela diferença quando ela nos convém.

Os mais furiosos vão me responder dizendo que, se a lei permite, porque não aproveitar? Por que não levar vantangem em tudo, certo?

Errado. Cada vez que alguma pessoa usa sua deficiência como arma para obter vantagens ela reforça a percepção deficitária que o resto do mundo tem. Ela proclama para todos que as pessoas com deficiência precisam de tratamento diferenciado por que nunca alcançarão a autonomia. Reforça o discurso da exclusão.

As pessoas com deficiência precisam de respeito e respeito é algo que se conquista, não cai do céu.

Não podem nem se deixar vencer por imposição de condições absurdas (o artigo da Mara Gabrilli sobre esse tema é um bom exemplo disso) mas, também, não podem ser, elas mesmas, a abusadoras.

Claro, tudo é uma questão de bom senso que, infelizmente, é um produto em falta no mercado.

Descrição do vídeo: sentados num sofá, um homem entrevista o jogador Gérson a respeito do cigarro que fuma. Tanto o jogador como o entrevistador estão fumando. Durante a entrevista é mostrado o gol que Gérson marcou contra a Itália na final da copa do mundo de 1970 e, ao final aparece uma imagem com os diferentes maços de cigarro Vila Rica e seus preços.