"Um navio no porto é seguro, mas não é para isso que os
navios foram feitos." William Shedd
Caro leitor: você chegou a esse texto movido pelo seu
interesse pelas questões que envolvem a inclusão na escola. Caso não tenha sido
interesse, pode ter sido pela necessidade o que, no final das contas, chega no
mesmo objetivo.
Desse lado do papel ou da sua tela de computador está uma
pessoa que há anos debate o tema e tenta propor caminhos que facilitem a sua
vida e orientem como lidar com o assunto, do outro você. Professor, gestor, pai
ou apenas um curioso. De qualquer forma, pessoas conversando com pessoas e, por
isso mesmo, tomamos a liberdade de falar na primeira pessoa do singular, assim
nosso papo fica informal.
Vamos começar?
Preconceito
Já que estamos a sós, não precisamos nos fingir de
politicamente corretos, combinado? Eu tenho preconceitos, você também. Todas as
pessoas são preconceituosas o que varia é que grupo incomoda cada um de nós.
Para algumas pessoas cor e raça é um problema. Para outras é classe social ou
nível intelectual.
O preconceito pode ser direcionado a pessoas com
deficiência, pessoas com comportamento que julgamos inadequados, pessoas que
tenham cometido crimes. São tantas as variações do preconceito como é a
variedade do ser humano.
Não se ache uma pessoa vil por ter seus preconceitos. Freud
já explicava que faz parte da natureza humana, segundo ele, ao contrário do
preceito bíblico de amar o próximo como a si mesmo, costumamos amar o próximo
desde que ele seja o mesmo que nós.
O problema do preconceito não é você preferir um loirinho de
olhos azuis ou uma negra para namorar. Não é você ter amigos que gostem das
mesmas coisas que você. Também não é você não querer ter os mesmos modos ou
comportamentos que algumas pessoas.
O preconceito se torna um problema quando você impede que
determinados grupos de pessoas tenham acesso aquilo que faz parte dos seus
direitos inalienáveis como seres humanos, como talvez aconteça na sua escola.
O preconceito é um problema quando você se recusa a ensinar
um aluno, partindo do princípio que pessoas “desse tipo” não vão aprender
mesmo. Quando você faz isso, você está fazendo com que o seu preconceito fraude
os direitos individuais. Isso deixa de ser preferência e passa a ser crime.
Diversidade
Já que concordamos que todas as pessoas têm direito à
educação em todos os níveis, vamos conversar um pouco sobre quem são essas
pessoas e o que é diversidade.
Afinal de contas, o que é essa tal diversidade que tanto
ouvimos falar? Como é que ela se manifesta? O que isso implica na organização
das escolas e das aulas?
Se formos até um dicionário vamos encontrar muitas
definições. Eu não vou cansá-lo com semântica ou etimologia, mas aprendemos que
existem duas maneiras de olharmos a diversidade.
A primeira delas parte da desigualdade natural que existe
entre todas as pessoas. No entanto, os seres humanos possuem mais coisas em
comum do que diferenças, ou seja, essencialmente somos todos semelhantes com
pequenas variações.
A desigualdade natural muitas vezes é aparente, quando
observamos apenas os aspectos físicos, mas também existem desigualdades
naturais que não estão à flor da pele. De qualquer forma essa variação é
objetiva, perceptível de uma forma ou de outra e não obrigatoriamente carrega
consigo um juízo de valor.
Mas também existem as desigualdades sociais. Essas são
socialmente construídas, estão carregadas de juízo de valor e podem mudar de
acordo com o local ou com a época da história.
Esse julgamento social, estabelece uma hierarquia entre
seres humanos onde alguns são considerados ideais e os demais são classificados
em outros degraus da pirâmide. Esse pensamento é formado nas nossas mentes pela
educação que recebemos em casa, na escola, nos grupos de amigos, uma
transmissão que vem de longa data e se solidifica de tal forma que, mesmo que
não usemos essa terminologia, olhamos para as pessoas como cidadãos de 2ª. 3ª
ou 4ª categoria.
Pessoas que, nas nossas mentes, são inferiores, estão cheias
de defeitos, afinal, não são iguais a nós. Quando encontramos uma pela frente,
nosso olhar (ou o nosso pensamento) se direciona imediatamente para aquilo que
esse outro tem de déficit, o que ele precisaria corrigir em si mesmo para poder
se tornar um de nós – seres de primeira.
O curioso é que isso pode acontecer com você também:
dependendo do lugar onde está, você pode tornar-se um ser de segunda ou de
terceira, isso sempre variará segundo o ponto de vista.
Você acha que estou exagerando? Lembre-se da última vez que
encontrou com um menino de rua ou com uma criança cega, sua primeira reação não
foi de pena? Não olhou para os defeitos dessa criança antes mesmo de admitir
que ela fosse apenas um ser humano?
Por isso que dizemos que esse olhar deficitário é um
problema ideológico, o que se esconde atrás dessa atitude é a rejeição da
diversidade como valor humano e a perpetuação dos preconceitos entre as pessoas,
determinando a priori que essas desigualdades são insuperáveis.
Essa incompreensão da diversidade implica que os educadores
pensem que os processos de ensino deveriam se dividir de acordo com a escala
hierárquica que construímos na nossa sociedade.
Passamos a acreditar que é melhor que existam especialistas
em lidar com crianças de rua, outros que entendam de pessoas com deficiência
(na verdade vários, um para cada tipo de deficiência), pessoas que sabem
ensinar em cárceres. Da mesma forma que, no passado, a sociedade defendia
escolas separadas para meninos e meninas.
Antes, várias pessoas não tinham acesso à educação, pois
eram vistas como ineducáveis; tempos depois, foi surgindo a preocupação pela
sua educação, mas a segregação continuava pois tal educação era paralela à
educação regular. Hoje, embora se proponha que todos os alunos devam estudar,
preferencialmente, em escolas regulares, são muitos os que torcem seu nariz ao
ver um aluno com transtornos de desenvolvimento ou com deficiência em salas
comuns
Pior, como educadores, perpetuamos esse sistema de castas de
aprendizagem. Chegamos até a defender que a escola pública é boa mesmo para os
pobres. Isso não deixa de ser um reflexo da nossa própria crença de que a
elite, por sua capacidade superior, deve conduzir esse monte de gente ignorante
que existe por aí?
Ah...você está começando a perceber que o que você faz na
sua escola é uma prática discriminatória. Que é uma forma de manter a tutela
sobre aqueles que a sociedade considera inferiores? Espero que você perceba que
é de dentro da sua sala de aula que essa construção histórica pode mudar. Que a
escola pode e deve ser boa para todos.
É a cultura da diversidade que vai nos permitir construir uma escola de qualidade, uma didática de qualidade e profissionais de qualidade. Todos teremos de aprender a “ensinar a aprender”. A cultura da diversidade é um processo de aprendizagem permanente, onde TODOS devemos aprender a compartilhar novos significados e novos comportamentos de relações entre as pessoas.
Para isso, nada mais importante que esse compartilhar
constante entre profissionais, familiares e comunidade. Um dos maiores entraves
da prática docente é o cartorialismo da classe: há sempre 2 ou 3 que fazem seu
trabalho de forma extraordinária, e outros 7 que o fazem de qualquer jeito.
A cultura da diversidade é uma nova maneira de educar que
parte do respeito à diversidade como valor. E que traz no professor a
emergência de seu potencial criativo e criador.
Tudo bem. Você ainda pode escolher quem vai namorar.