sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Filhos, esses enjeitados

Por que alguém (no caso, alguéns) coloca um filho no mundo? Claro, muitos nascem, alegadamente, por descuido, como se as pessoas não soubessem exatamente como se dá o processo de produção.

Mas, pensando nos filhos gerados intencionalmente, eu já ouvi as mais diversas explicações.

Alguns alegam que os filhos são a reafirmação dos sonhos e de ver neles realizado tudo aquilo que um dia sonharam para si mesmos. Ou seja, não passam de instrumentos para manobrar suas próprias carências psicológicas.

Outro argumento sujeito as críticas é o da necessidade de satisfação do instinto materno: a recusa de uma mulher em procriar é vista quase que como uma ofensa social. Nesse caso a pressão social é um componente significativo. Alguns os têm por questões de sobrevivência econômica, acreditando que os filhos serão o suporte para a velhice. De novo, um argumento egoísta e, na maioria das vezes, falaz.

Existem casos de filhos que foram usados como possível amarra para casamentos falidos. Os pedantes alegam questões antropológicas de preservação da espécie. A psicologia de cozinha garante que é só para ter uma boneca de verdade para se brincar.

Nenhuma das explicações que eu li indicaram que alguém faça filhos pensando neles. Aliás, os que pensam no futuro das crianças são os que mais relutam em tê-los. A questão em que poucos costumam lembrar é a de que filho dá trabalho. E, cá entre nós, ninguém está muito a fim de trabalhar.

Os bichinhos precisam comer, são carentes de atenção, não poucas vezes ficam doentes. Para completar, uma hora tem de ir para a escola.

Esse é o momento em que os pais acham a sua tábua de salvação. Finalmente encontram um lugar para terceirizar as crias. E a escola que dê conta de fazer tudo aquilo que eles, pais, não estão dispostos a investir seu tempo.

O que é apenas mais uma demonstração do egoísmo original. Filho é ótimo, desde que não atrapalhe a minha individualidade, que não tome o tempo que eu poderia estar usando em atividades mais prazeirosas.

Se a situação já não é boa para os filhos em geral, piora muito quando o filho tem alguma deficiência. Aí é que os pais querem mesmo é se safar deles (claro, nem todos são tão cruéis a ponto de descartá-los), o trabalho é maior, o investimento de tempo muito maior, a necessidade de atenção é imensa.

Por isso não é nada surpreendente que tantos pais sejam contrários à inclusão de seus filhos em escolas comuns. Preferem se livrar deles das 7 às 18h largando em qualquer lugar que prometa que vai tomar conta deles, ainda que esses mesmos lugares não façam das crianças seres humanos de verdade. Jogam os filhos em depósitos de crianças com deficiência e, se pudessem, nem voltariam lá para buscá-las.

Preparar esses filhos para o mundo vai dar muito trabalho, até porque não vai ser tarefa exclusiva da escola comum, vai precisar do envolvimento deles, pais, que não tiveram filhos para ter esse tipo de compromisso.

O pior é que outros pais em cargos políticos estimulam essa lógica. Primeiro porque estão de olho nos votos dos pais insatisfeitos, depois porque muitos deles são, eles mesmos, os beneficiários dos sistemas de exclusão e segregação. O poder adora tutelar pessoas.

Os pais que querem criar seus filhos como seres humanos são chamados de loucos, radicais e até de xiitas.

Essa lógica perversa só muda quando a sociedade quer, só muda se os pais se mexerem para isso. Aí a escola se prepara, os professores se preparam, o mundo muda.

Descrição da imagem: foto de uma multidão numa manifestação política de defesa de direitos civis

4 comentários:

Vilma A. de Mello disse...

Puxa que texto forte...parabéns

Cristiana Soares disse...

adorei o texto, fábio!

"Os pais que querem criar seus filhos como seres humanos são chamados de loucos, radicais e até de xiitas."

eu já fiz muito o papel da "mãe ruim" perante as escolas por querer que elas não superprotegessem a luísa.

Profª Drª Marinalva S Oliveira disse...

Fábio,
Genial o texto. Reflete a discussão posta de uma forma clara e politizada.
Profª Drª Marinalva S Oliveira
Coordenadora do Núcleo de Educação e Cultura
Universidade Federal do Amapá

Regina disse...

Oi Fábio

Gosto muito de acompanhar teu blog. Parabéns pels colocações.
Esta discussão é fundamental para que a inclusão ocorra de fato.
Abç