A Laurinha não pode participar do jogo de queimada, pois não vê quem detém ou onde está a bola. Minha filha não aguenta mais jogar queimada a cada aula de educação física e faz o possível para ser eliminada do jogo o mais rapidamente possível. O que não deixa de ser uma forma de auto exclusão.
Não sei exatamente o que se aprende nas faculdades de educação física desse país, mas imagino que, ao contrário do que acontece nas escolas, não deve ser somente as regras do jogo de queimada.Até entendo que é uma brincadeira que facilita a vida dos professores, não é necessária uma quadra, basta um terreno plano e uma bola. Também entendo que é um jogo que estimula a rapidez de movimento, a destreza, domínio e cooperação.
Mas será que os professores não percebem que não é um jogo adequado para todo mundo? (e nem estou me referindo somente às crianças com deficiência). Será que não reparam que as crianças se entendiam com o jogo depois de anos fazendo a mesma coisa? Ah sim... reparo que existe criatividade nesse campo. Algumas vezes jogam queimada de 3 bolas. Muito original.
Tirando o enfado das crianças sem deficiência, o que fazer então com aquelas que tem deficiência?
A essa altura do campeonato (para usar um termo esportivo), não é possível que os profesores de educação física nunca tenham ouvido falar em inclusão. Também não deixa de ser verdade que, assim comos muitos outros educadores, ainda estão arraigados a práticas pseudo educativas cheias de preconceitos e focadas nas incapacidades das crianças (modelo deficitário).
Partem do princípio que as pessoas com deficiência são seres subnormais portanto deveriam ser encaminhadas para classes especiais, um tipo de segunda (ou será terceira) divisão da educação. Para que esse modelo caritativo não soe tão feio usam nomes como jogos especiais, paradesporto. Estão apenas dizendo que a criança não cabe no mesmo espaço das demais que podem ser atletas competitivos.
Esquecem que educação física é, antes de mais nada, educação. "As necessidades básicas das pessoas com deficiência são o reconhecimento e o direito de serem atendidas adequadamente. Eles têm os mesmos direitos que o resto das crianças: manipular, conhecer, experimentar, brincar, relacionar-se, sentir, emocionar-se, desfrutar, rir...viver. Não estamos falando de caridade: estamos falando de direitos de pessoas".*
Claro que as atividades esportivas precisam ter algum objetivo além de escapar das boladas do adversário. Da mesma forma que um objetivo em educação física não é aquele que só é alcançado no jogo final de uma competição. Aliás, nem acredito que a educação física se limite a jogos competitivos, que seja apenas vencer quem está do outro lado. Por que é preciso existirem vencedores e perdedores? Será que não existem atividades físicas que desenvolvam um modelo cooperativo? Será que nenhum professor de educação física nunca pensou nisso?
Para isso é preciso olhar o mundo com outros olhos, não basta aplicar fórmulas prontas ou dividir os times para o jogo de queimada. É preciso ver todas as crianças como detentoras de direitos, inclusive o de participar da educação física. É preciso fazer com que a educação seja prazeirosa.
Nesse o momento, não existirão mais exclusões, nem das pessoas com deficiência, nem das que não tem deficiência. E a educação física será, de fato, educação de qualidade para todos.
*Melero, Miguel Lopez. A Educação Física e as Pessoas com Deficiência: Outro Modo de Culturização Para a Melhora da Qualidade de Vida
Descrição da imagem: desenho de crianças jogando queimada, um jogo onde uns tentam acertar uma bola nos demais.
15 comentários:
Só para se ter uma idéia da formação dos professores de ed. física, meu último professor de educação física na faculdade queria nos ensinar a didática da lateralidade para as crianças com um abridor de latas, quanta imaginação e falta de preparo...
Fábio.
A questão do Jogo de queimada vai para além da exclusão em algumas situações, chega ao ponto da perversidade.Começa com a escolha do time, onde "os menos fortes" são escolhidos por último e até lá a autoestima do aluno acaba de vez. Pior ainda quando o aluno com deficiência é considerado " café com leite". Realmente, não dá!!!
Beijos.
Fábio, eu era a "lesma" da Educação Física na minha época de escola. Os professores estimulavam os alunos a rirem de mim. Isso me gerou tantos complexos, que eu cheguei a pegar recuperação, por falta, em Educação Física, porque eu simplesmente fugia das aulas e ninguém tomava qualquer providência em relação a isso. Viu só como são muitos os excluídos? Beijos.
Sou profª de EF e, entre outros conteúdos, trabalho com os alunos maiores o jogo de queimada sim. E devo dizer, q. eles adoram.
Existem formas de tornar o jogo de queimada inclusivo.
Na oficina pedagógica q. ministrei para profs de todas as disciplinas em Capivari, uma das atividades consistia em propor adaptações para que pessoas com deficiência física/motora, visual ou surdez pudessem participar da brincadeira.
Além disso, um professor criativo é capaz de fazer muitas variações para que o jogo se torne interessante para todos os alunos.
Não existe só a queimada com três bolas, mas outros tipos, tais como: queimada xadrez, queimada diamante, combarreira, etc.
E ainda não exigem material de difícil acesso. O professor pode "lançar mão" de bola de meia e garrafas pet, por exemplo.
É claro que cabe aos profs de EF se dedicarem a fazer um bom planejamento, se atualizarem com cursos, leitura, etc.
Duvido que exista algum aluno que goste de educação física.
Por todos os motivos expostos neste blog e por que não vejo estímulo nenhum à verdadeira "Educação Física". Não há inclusão nenhuma até hoje!!! Queimada eu jogava na rua de casa e era proibida de jogar na escola por ser deficiente. Bonito, né?
Eu nunca fiz edicação física, era dispensada, por ser paraplégica. Em casa, adorava participar das brincadeiras com bola. Ricardinho não deficiência e detesta educação física. Diz que o professor só sabe dar futebol e ele sempre fica de lado. Existem tantas coisas legais e inclusivas que poderiam ser feitas com os alunos...mas dá trabalho, né?
Beijo
Prezados,
Infelizmente essa situação faz parte de uma hipótese que eu tenho. Ainda não existe inclusão plena da pessoa em condição de deficiência dentro do sistema educacional. A Lei existe, as literaturas estão aos montes nas prateleiras, as crianças estão nas escolas, e os professores... alguns poucos estão preparados.
Além disso, existe também o fato do profissional estar ou não se sentindo responsável pela formação educacional do seu cliente - o aluno. "Muitos cumprem tabela!"
Parece até que estou dando um tiro no pé, pois sou professor de Educação Física (EF) e atuo em escola, e também no treinamento de atletas paraolímpicos, mas vejo e ouço muita coisa negativa relacionado as aulas de EF. É bem verdade que diante de outras discussões a EF passa por uma busca constante de identificação - uns a chamam de área da educação, enquanto outros a definem como área da saúde. Isso provoca discussões dentro da academia, e o que deveria ser repassado de importante aos futuros profissionais não é dito.
Um exemplo são as aulas da disciplina de Educação Física Adaptada, as mesmas são opcionais no currículo. E isso não somente acontece na EF, acontece na graduação em pedagogia, matemática, física, química, entre outras...
Não sei se estou conseguindo ser claro sobre a minha opinião, o que eu quero dizer que o problema da inclusão educacional vai muito além da EF, ele abrange um sistema inteiro, que ao meu ver é obsoleto e muitas vezes sem sentido. Quanto aqueles que se sentiam inferiorizados nas aulas de EF, infelizmente passaram por aulas de professores sem criatividade e perspectivas de educação. Felizmente tive em minha vida bons profissionais que me mostraram o quanto a EF poderia ser benéfica para toda a minha vida, e isso eu repasso para os meus atuais alunos.
Sempre tenho esperança de novas perspectivas surgindo na educação, e na EF também. Mas acho que nossa geração, e talvez a próxima ainda "batam de frente" com a queimada sem sentido pedagógico, excluindo os mais fracos e/ou os em condição de deficiência.
Abraço a todos!
Fábio, às vezes fico indignada com a falta de criativa de alguns professores. Não sou professora de EF,um dia fui para a quadra com uma turma para brincar de queimada. Logo disseram fulano não joga pois não pode correr, fulana também não, pois não enxerga a bola, outra por ser cadeirante.
Expliquei para eles que seria diferente, pois jogaríamos em duplas, e assim foi, eles vibraram e a cadeirante foi comigo , ela só faltou saltar da cadeira pela sua euforia.
Eles estranharam por eu entrar na brincadeira. Todos os jogos podem ser usados com estratégias diferentes, eu sempre falo: "a regra é ninguém de fora". O ideal é incutir nos alunos a cooperação, a solidariedade.
MGraças
Fábio , muito interessante essa observaçao que voce fez , digna mesmo de uma reflexão .
E como saí em busca de informações sobre essa disciplina, descobri que a mesma foi a que mais sofreu mudanças de conteúdo nos últimos 10 anos . A educação fisica pode ser considerada como forma de manifestação cultural tratando dos diversos tipos de danças, pode abordar a questão dos hábitos saudaveis, alongamento , yoga , tudo isso é educação física . Aquela idéia de ficar 1 hora suando em quadra e depois voltar pra sala é totalemnte ultrapassada . Nessas aulas se deseja estimular o cooperativismo entre os colegas, fortalecer os laços de amizade, desenvolver auto estima, e sobretudo elas devem ser prazerosas e gratificantes . Imagine quantas possibilidades !
Um abraço, Rosangela
Sou pedagoga, não tenho especialização em Educação Física, mas sei que o aluno é matriculado na escola por inteiro, corpo e cérebro e por isso deve ser trabalhado em sua totalidade.Eu sou péssima em todos os esportes, fui dispensada da educação física na 5ª série porque tinha convulsões e nos anos seguintes usei a mesma desculpa embora já nem tomasse nenhum remédio. Quando ingressei no magistério percebi que as aulas de Ed. Física poderiam ser uma grande ferramenta para atingir meus objetivos em todas as áreas, então fui atrás de bons livros e profissionais. Meus alunos sempre amaram as aulas, todos participavam e muitas vezes, com alunos autistas era a partir dessas aulas que eu conseguia criar vínculo. Sempre fui a professora "louca" que leva 40 crianças para a quadra, ou outro espaço disponível e "inventa moda", meus alunos sempre foram beneficiados com isso, então acredito que faço o certo.
Fábio,
Uma das coisas mais legais que aprendi com um professor de "Iniciação Musical", quando fiz a faculdade de Licenciatura em Música, foi "nunca se deixe seduzir pelo 'dom'. É lindo quando a gente vê que na classe tem uma criança muito musical, que aprende rápido os ritmos, canta com afinação... mas não podemos esquecer que a aula é para todos, a educação musical tem que ser oferecida igualmente para todos na sala". O problema da maioria dos professores de educação física que tive eram apaixonados pelos "atletas natos", aquelas crianças cheias de vigor que gostavam de saltar, correr e derrubavam todos os outros na queimada (aqui na Bahia a gente chamava de "baleado") Uma vez eu vi um médico falando durante uma entrevista que os professores tem que ficar de olho naqueles alunos, justamente, mais gordinhos, mais lentos, menos condicionados, pois uma "educação física" de verdade pode ajudá-los bastante na relação com o próprio corpo e evitar o sedentarismo mais tarde. Sinceramente, da forma que eu conheço, Educação Física ainda é uma das coisas mais exclusoras na escola. Se pudessem, muitos professores só teriam em suas classes futuros Ronaldos, Daianes e cia. Eu não tenho deficiência, e nunca me senti acolhida numa aula de educação física. E nunca gostei de queimada tb.
Educação Física, mais uma grande ferramente que teima em ficar dentro da "caixa de ferramentas".
Do jeito que é usada, jamais servirá para estimular a atividade física como um componente da vida.
Olá Fábio!
É inadmissível que as pessoas ainda sejam discrimidas e excluídas de atividades sociais por uma diferença.
Somos todos seres humanos, e por isso o que nos enriquece são nossas particularidades.
ótima iniciativa do blog!
Olá, Fábio!
Tudo bem?
Encontrei o seu blog numa busca no Google sobre aparelhos auditivos.Grata surpresa deparar-me com o tema educação inclusiva, pois estou fazendo pós-graduação nessa área!
Considero um tema fascinante e ao mesmo tempo, temeroso falar em inclusão quando muitos professores não querem ter trabalho, ou seja, furtam-se em aprender mais para melhor ensinar.Quando se fala em incluir pessoas com necessidades especiais nas aulas de Educação Física, então, é uma luta! Porque alguns professores lecionam para os alunos ditos 'normais', esquecendo-se que não existem classes homogeneas e que o ser humano é singular e plural, em todos os aspectos. É...Esparta não é aqui! Um abraço fraterno!
Como fico triste com estes comentários sobre a Educação Física Escolar. Sinto muito por não termos tido bons profissionais de Educação Física em nosso tempo de escola e mais triste ainda por que a maioria das pessoas que aqui postaram seus comentários ainda não tiveram o prazer de conhecer bons profesores de Educação Física, por que eu lhes garanto: eles existem e não são poucos. Trabalho há 10 anos com Educação Física em escolas regulares e especiais (públicas e particulares). Lhes garanto que o trabalho com qualquer diferenciação dos alunos nas aulas de Educação Física ficam mais salientes. Ou seja, o gordinho, o cego, o lento, o surdo, o baixinho, o deficiente mental, TODOS dentro das aulas Educação Física ficam mais expostos, quer sejam as atividades competitivas, cooperativas, circulares ou, queimada. Ah, diga-se de passagem, os alunos AMAM QUEIMADA, aliás, criança AMA BRINCAR E JOGAR. O que se faz necessário é contornar as situações, trabalhar valores, aceitação, sociabilização com as turmas. É um trabalho contínuo e a longo prazo, que bons professores de Educação Física vem fazendo. Uma pena que muitos ainda não tenham tido a felicidade de encontrá-los, ou então, só consigam ver as atividades realizadas com maus olhos, sem acompanhar os planejamnetos diários destes profissionais.
Fabiane Schwade Januário
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