quarta-feira, 24 de junho de 2009

Eu quero ser deficiente*

Mais uma vez somos confrontados com uma série de projetos de lei, decisões jurídicas e debates sobre o que define deficiência ou não. De uma hora para outra todo mundo quer ser deficiente*. E não é só aqui no Brasil, em outros países também. Nesse mesmo momento debate-se nos Estados Unidos se obesidade é deficiência ou não.

O que leva pessoas que não tem deficiência a quererem ser deficientes? Pessoas com deficiência sofrem preconceito por sua condição, têm restrições de acesso a comunicação, mobilidade, aprendizado. São tratados de forma pejorativa (ou alguém gosta de ser chamado de deficiente?) e, na maior parte das vezes, o máximo que recebem do mundo é comiseração.

A questão que está sendo posta em jogo não é a condição funcional que define ou não as deficiências, mas o acesso a muitos dos privilégios que foram concedidos às pessoas com deficiência.

Por isso, nós, dos movimentos em defesa das pessoas com deficiência, deveríamos refletir seriamente sobre o que queremos: direitos ou privilégios ? O resultado da conquista de tantos privilégios (e tão poucos direitos) é que atrai a horda de pseudo deficientes em busca de uma fatia do bolo.

Façamos uma suposição básica : se todas as pessoas com deficiência tivessem acesso efetivo à saude e à educação desde a sua infância elas teriam a chance, como qualquer um , de serem qualificadas. Sendo qualificadas poderiam disputar vagas no mercado de trabalho em condições de igualdade. Mas esse direito não é garantido de fato (apesar de sê-lo de direito), logo criam-se compensações em forma de privilégios.

Como essas pessoas não tem acesso à educação e, consequentemente ao trabalho, acabam não tendo renda. Surgem outras compensações em forma de auxílios assistenciais, benefícios fiscais, redução de tempo de trabalho.

Privilégios ou direitos?

A palavra "direito" vem do latim directus: "que segue regras pré-determinadas ou um dado preceito. O que podemos exigir em conformidade com as leis ou a justiça de forma equalitária para todas as pessoas. Alguns direitos, mesmo que não tranformados em lei são considerados como sendo inalienáveis aos seres humanos, o direito à vida é o mais significativo deles. Mas também se incluem entre eles os direitos à liberdade, de opinião, à educação, ao trabalho digno.
Nem todas as leis ou preceitos legais garantem direitos similares para todos. Quando isso acontece temos um privilégio que é um direito ou vantagem concedida a alguém com exclusão de outros.

Privilégio é uma coisa tentadora. Quem é que não quer comprar carro sem imposto? Quem não gostaria de competir por empregos com vantagens sobre os demais? Quem não gostaria de poder se aposentar mais cedo? Quem não quer receber uma renda fixa mensal pelo resto da vida, mesmo quando o valor é ridículo.
Eu mesmo já fui questionado muitas vezes porque não uso a vaga reservada a pessoas com deficiência. Por que o faria se meu filho não tem dificuldades de locomoção? Por que eu pediria passe livre para o meu filho se eu tenho condições financeiras de pagar a passagem de ônibus ou de metrô?

Agora, alguém conhece alguém que não seja surdo que queira aprender Libras ou ter a garantia de intérprete? Alguém conhece alguém que não seja cego que queira aprender Braille? Alguém que não tenha deficiência física que prefira enfrentar as nossas calçadas numa cadeira de rodas?
Será que algum dos candidatos à deficiente gostaria de ser rotulado de deficiente intelectual?

O momento não é o de nos queixarmos em relação aqueles que querem uma boquinha nessa festa, mas de revermos nossa postura em relação ao que buscamos.

Se continuarmos a lutar por privilégios, daqui a pouco eu também vou me candidatar a um rótulo qualquer que me garanta. Acho que posso me enquadrar na categoria de obesos.

* uso a palavra "deficiente" de forma intencionalmente jocosa, uma vez que os candidatos à qualificação como pessoas com deficiência são apenas interesseiros em busca de privilégios, mas não querem ser confundidos de fato com as pessoas com deficiência.

Descrição de imagem : um homem estaciona na vaga reservada às pessoas com deficiência e sai andando com cara de "esperto"

10 comentários:

Arimar disse...

Fábio.
Realmente a coisa está ficando prá lá de "abusada". Concondei plenamente quando o Nazi escreveu ao colega: "a deficiência é uma excelente fonte de renda. E quanto mais dependente a deficiência melhor. Por isso a dependencia é tão largamente alardeada e defendida por muitos.
Nos ajudem a ajudar esses coitados!!"
Parece que não só alguns políticos querem ir na janelinha do bonde, mas até alguns educadores , com seus discursos que "tiram lágrimas", mas não levam a nada. Ou se levam é a continuidade da tutela, do discurso vazio .E tudo isso, sem a mínima acessibilidade.Pode?

Unknown disse...

Tem toda a razão Fábio! mas talvez o próprio Estado seja o maior incentivador desses abusos. Uma pessoa com deficiência para receber auxílio do INSS tem que ter uma família vivendo em total situação de miséria além de passar por inúmeras situações vexaminosas, além doque, o beneficio só é dado para famílias que não tenham renda familiar maior que 2 salarios. Vc acha realmente que esse auxílio vai para o deficiente??
Não sei no exterior mas no Brasil é mais fácil quem não precisa conseguir o benefício através de " contatos" do que relamente quem tem direito. O controle desses benefícios deveria ser feito pela sociedade civil sabia?
Parabéns pelo artigo!

Baby K disse...

Fabio
Isso já esta virando até piada. Logo mais vamos ver nosso presidente requerendo esta condição. Talvez ele queira acesso a educação, rs, ou quem sabe até uma pensão extra.
A questão da vaga de deficientes é outra piada, a cara de pau das pessoas chega a ser deprimente. Tantos PL, tantas regras, leis, porque não multar como acontece em outros Países, e reverter as multas para capacitar as pessoas que realmente precisam trabalhar.
Abraço

Unknown disse...

Fábio, seus filhos têm boas razões para se orgulharem do pai deles no futuro. E eu fico orgulhosa e feliz por você existir.
Elizabet Sá
Psicóloga e Educadora

INCLUSIVE - Contando hits desde 1/5/2008 disse...

E impressionante o espirito brasileiro de querer levar vantagem em tudo... a unica lei que nos preocupamos em seguir e a do menor esforco, reparou?

Ainda bem que pessoas lucidas como voce de vez em quando dao aquela chacoalhada pra fazer o nosso povo acordar.

Vamos chacoalhando!

Abs

Pat

Kelly disse...

Fabio, muito bom o texto, realmente quem não é deficiente quer ser um, eu mesma conheço pessoas da familia, da parte do meu marido que conseguiram comprar uma carro zero km porque alegaram que são deficientes , um absurdo. Ganham uma bela e gorda aposentadoria e compram um carro com beneficos de deficientes no valor de 80 mil reais. O mais ridiculo é o estado ter aceito a ficha da pessoa. Mas fazer o que ..
Sai mais barato pagar um salario minino claro se a pessoa tiver renda percapta de 130,00 por morador da casa, do que investir em professores qualificados e material escolar para os deficientes. A maioria dos brasileiros se contentam com dinheiro e deixam de trabalhar por que sabe que ira receber aquele dinheiro pro resto da vida então trabalhar pra que?
Se temos o benefico do deficiente, e os diversos kits que o governo distribui por ai sem saber nem pra quem.

Katia Fonseca disse...

Oi Fabio

Como sempre, seu texto é ótimo e necessário!
Só acho que merece um pouco mais de reflexão a questão de se dizer que toda política compensatória é privilégio. No caso da aposentadoria antecipada, por exemplo, apesar de muitos não concordarem, acredito em sua necessidade para as pessoas com deficiência física pelo fato de termos um maior desgaste físico na atividades da vida diária. Por exemplo, você não conseguiria nem imaginar as manobras e esforços que preciso fazer para ir ao banheiro quando não estou na minha casa, ou seja, em horário de trabalho (situação absolutamente corriqueira e que não requer nenhum esforço para quem não tem uma deficiência física).
Um beijo

Fábio Adiron disse...

Kátia

Só uma pergunta...esse esforço todo não acontece por que não conquistamos o direito à acessibilidade ??

Se os banheiros fossem acessíveis você teriam menos desgaste e, logo não teria uma vida produtiva mais longa ? Aí não precisaria de aposentadoria antecipada.

Beijo

Fábio

CARLOS DE QUEIROZ disse...

Sua colocação no post foi muito boa. É isso mesmo. Temos que lutar por nossos direitos e por uma real inclusão. Sofremos muitos preconceitos. Leia http://tribunadorio.blogspot.com/2010/01/o-preconceito-as-pessoas-com.html

Anônimo disse...

Eu tbm concordo com isso...na hora de terem uma vantagenzinha, qse todo mundo quer ser deficiente,achando q num tem nada d+ nisso.
Que talvez nem precisaríamos de tais benefícios.
Esquecendo das dificuldades, humilhações,tratamentos por toda a vida(q não traz muito resultado)e outras coisas +.
Na hora d termos essas desvantagens, de passar a vida toda assim, eles estão curtindo a vida jogando futebol e fazendo outras coisas q alguns deficientes nunca poderão fazer.