Dezembro de
1998. Nascia o nosso primeiro filho, o Samuel. Logo de cara dois sustos: a
síndrome de Down e uma cardiopatia que precisava ser corrigida por cirurgia. É óbvio
que ficamos sem chão. Além de pais de primeira viagem, não sabíamos nada a
respeito de nenhuma das duas situações. Fomos aprender.
Lembro de
duas frases que me marcaram. Uma do geneticista do hospital que disse que eu
não deveria entrar em pânico, pois “essas crianças” até aprendem a ler. A outra
de um pai de um menino de 9 anos que disse que o Samuel seria aquilo que nós
investíssemos nele, e fez questão de ressaltar que não era dinheiro, mas
estimulação, atenção e nossa crença de que ele não tinha limites.
O tempo, os
contatos e algumas visitas a escolas especiais nos aproximaram da educação
inclusiva. Não era uma opção, era o único caminho viável. E mergulhamos sem
medo naquilo que ainda era mais uma luta do que uma realidade.
E assim se
passaram 22 anos, e o menino que “até iria aprender a ler” hoje se graduou em Pedagogia,
para ensinar outras crianças também a ler e escrever.
Não foi
superação, não foi heroísmo, não foi milagre.
Foi a convicção
de que as pessoas só se desenvolvem no relacionamento com pessoas de todos os
tipos.
Foi a
cabeça-dura do pai que nunca deixou ele participar de atividades segregadas.
Foi a recusa
em lhe dar privilégios e tratamento diferentes do que se daria a qualquer outro
filho.
Ele teve
algum privilégio? Certamente, e ele sabe disso. Privilégio de nascer em uma
casa em que a educação era objetivo essencial. Privilégio de ter uma irmã que nunca
deu moleza. Privilégio de contar com excelentes professores no caminho.
Privilégio de concluir um curso superior que ainda é apenas um sonho para
muitos brasileiros. E até o privilégio de ter enfrentado o preconceito da
primeira faculdade onde entrou e aprender muito com isso.
Não vou me
arriscar a listar todas as pessoas que contribuíram na construção desse caminho,
seria um risco deixar muitos de fora (mas cada um deles sabem quem são), mas
apenas mencionar duas pessoas cujos ensinamentos foram essenciais nesse
processo: o Prof. Miguel Lopez Melero da Universidade de Málaga, e a Profa.
Maria Teresa Mantoan da Unicamp, a quem eu chamo carinhosamente de meu guru e a
minha gurua.
Agora
começamos uma nova fase, a da busca de trabalho. As regras do jogo, porém, não
vão mudar. Todos com todos. Sem segregação. Sem tratamento “especial”, e a
expectativa de algum dia não precisar mais falar sobre inclusão.
Descrição da imagem: Samuel, um jovem magro e barbudo, vestido com a beca e o capelo de formando.
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