quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Tempos doentios


Vivemos em tempos em que tudo virou doença ou, para usar um termo menos agressivo, tudo virou patologia. 

Seja uma apatia do tornozelo ou uma dor no lóbulo esquerdo, para qualquer coisa existe uma pílula, um comprimido, uma formula manipulável (ou será manipuladora? não sei)

O ditado que diz que o que não tem remédio, remediado está, perdeu completamente o seu sentido em um mundo em que sentimentos, comportamentos e o pensamento heterodoxo podem ser medicalizados.

Eu prefiro o termo medicalizado a medicado, que o corretor ortográfico aqui diz que não existe, mas que é definido como sendo o processo que transforma, artificialmente, questões não médicas em problemas médicos.

Problemas de diferentes ordens são apresentados como “doenças”, “transtornos”, “distúrbios” que escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, culturais, afetivas que afligem a vida das pessoas.

Para cada um deles existe uma solução imediatista (um dos sintomas da doença como pensamento como bem define o físico David Böhm) ou uma solução mágica. Cá entre nós, se mágica resolve, eu prefiro os truques do Marcos Mandrake que, pelo menos, são bem humorados.

Na sociedade da busca do conforto a qualquer custo, as pessoas, cada vez menos, são capazes de lidar com o fato de que a vida também tem seus aspectos negativos.

O que muitos chamam de sociedade tóxica está, na verdade, transformando-se me sociedade intoxicada. Uma epidemia nada silenciosa que se alastra, sem nenhuma vacina que possa contê-la.

Em 1978, isso já me espantava, e compus um poemeto chamado Farmacopeia amorosa.

Calmantes
Revigorantes
Vitaminas
Tiaminas.
Bulas , engulas.

Para o tédio
Há remédio
No coração
Uma injeção
Se tens pena
Cibalena.

Se me rogas
Tome drogas
Se és altivo
Um curativo
Na paixão
Põe-se algodão.

Vives mal?
Um melhoral
Antipatia
Homeopatia
Mal afamado
Agora é tarjado.

Depois de tantos anos, a situação só se agravou mas, em breve, a pílula azul estará disponível para todos.

 *Disclaimer: autor desse texto reconhece que o avanço da medicina e da farmacologia já poupou várias vidas, mas entende que esse recurso deveria ser exclusivo para as doenças de fato.

Descrição da imagem: uma mão estendida oferecendo uma pílula azul

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